Neonazistas revivem vocabulário hitlerista e irritam alemães
“O que tenho eu a ver com essa senhora? Absolutamente nada. Não me pergunte sobre ela!”. A fúria do deputado democrata-cristão foi evidente nesta semana, quando, no que parecia uma conversa tranquila com o jornal espanhol El País, foi perguntado a respeito de Bettina Kudla. A até então desconhecida parlamentar da União Democrata-Cristã (CDU) deixou boquiabertos seus colegas de partido com um tuíte no último fim de semana.
Publicado 17/10/2016 16:15
“[A chanceler Angela] Merkel nega. [O número dois da CDU, Peter] Tauber sonha. O investimento étnico começou. É necessário agir”, escreveu. A indignação entre os democratas-cristãos cresceu ao longo da semana. Não tanto por ouvir uma crítica –mais uma– contra sua chefe, mas pelas palavras escolhidas.
“Investimento étnico” (Umvolkung, em alemão) era uma expressão popular durante o nazismo, mas agora parecia totalmente proibida, limitada apenas a pequenos grupos de extrema direita. Até que uma representante de um partido democrático a recuperou.
Não é um caso isolado. A copresidenta da Alternativa para a Alemanha (AfD), Frauke Petry, reivindicou recentemente numa entrevista o uso de outra palavra que carrega o fardo de ter sido uma das favoritas dos nazistas: völkisch, termo difícil de traduzir que evoca uma ideia romântica do nacional, relacionada a um grupo étnico específico. Nas manifestações contra os refugiados, as do movimento islamofóbico Pegida ou as da AfD, é comum ouvir expressões como Volksverräter (traidor do povo) ou Lügenpresse (imprensa mentirosa), também usadas com prazer durante o regime de Adolf Hitler. Frauke, por exemplo, diz que não fala de “imprensa mentirosa”. Prefere o termo “imprensa Pinóquio”.
“Eu não uso a palavra völkisch, mas me incomoda que seja sempre usada num contexto negativo. Ao bani-la, se propaga um sabor desagradável que contagia a palavra povo (Volk)”, disse Frauke, líder de um partido que se caracteriza por se apresentar como liberal-conservador, mas que ao mesmo tempo acena para a extrema direita com declarações como esta.
“É uma simplificação ilícita pensar que dizer völkisch equivalha a ser racista”, acrescentou. Alguns colegas consideraram que, neste caso, Frauke foi longe demais. “Essa palavra não pode ser reabilitada. Está contaminada”, respondeu o outro copresidente do partido, Jörg Meuthen.
Uma prova de quanto esse conceito estava intrinsecamente ligado ao nazismo é que o diário do partido, que chegou a ultrapassar a tiragem de um milhão de exemplares por dia, tinha exatamente esse nome: Völkischer Beobachter (O Observador Nacional). O historiador Uwe Puschner escreveu em seu Manual do Movimento Nacional que essa expressão servia como termo genérico para reunir as diversas correntes de direita nacionalistas e antissemitas da Alemanha.
“Essas palavras já eram usadas antes do nazismo, mas foi então que se popularizaram. Desde então, nunca desapareceram. No leste e no oeste da Alemanha continuaram presentes, mas em grupos minoritários, às margens da sociedade. A diferença é que agora alguns tentam reabilitá-las e torná-las apresentáveis novamente em discursos majoritários. Têm a vantagem adicional de que muitos alemães não têm a referência de ter vivido nem a ditadura nazista e nem o pós-guerra”, diz Horst Dieter Schlosser, autor de A Linguagem sob a Cruz Gamada.
A CDU discutiu nesta semana o que fazer com a deputada que tuitou a palavra Umvolkung. Com esse termo, os nazistas se referiam ao processo de germanização dos territórios conquistados na Europa Oriental; mas nos ambientes de extrema-direita agora é usado para alertar contra uma suposta colonização da cultura islâmica na Alemanha.
Enquanto os democratas-cristãos cogitavam a possibilidade de expulsar Kudla do seu grupo parlamentar, uma dirigente da AfD logo veio propor que entrasse imediatamente no partido. O ministro do Interior Thomas de Maizière exigiu que ela fizesse um pedido de desculpas público.
Ela, por sua vez, excluiu o polêmico tuíte. Na quarta-feira, a CDU decidiu não expulsá-la e não fazer ainda mais barulho a um ano do fim da legislatura. Parece improvável que o partido volte a escolhê-la como candidata.
O “caso Kudla” lembra outro que aconteceu há 13 anos. O deputado democrata-cristão Martin Hohmann disse então que, tendo em conta o "papel dos judeus nas matanças" da Revolução Russa, eles deveriam ser considerados “um povo de criminosos”.
Depois de intensas disputas, a CDU decidiu expulsá-lo. Hohmann tenta agora uma segunda vida política. Aspira a ser candidato nas eleições do próximo ano. Nessa ocasião, pela AfD.
Machismo sacode a CDU
A onipresença de Angela Merkel, líder da União Democrata-Cristã (CDU) durante os últimos 16 anos, frequentemente camufla a realidade de um partido com postos de comando intermediários tomados por homens que já não podem ser chamados de jovens. Tampouco são abundantes os dirigentes ou militantes de origem imigrante. Peter Tauber, o número dois do partido e protegido da chefe máxima, propôs fazer uma organização “mais feminina, mais jovem e mais colorida”. Mas o tratamento da CDU – e do próprio Tauber – às mulheres ficou sob suspeita nos últimos dias.
A primeira a denunciá-lo foi Jenna Behrends. Depois do desastre das eleições regionais em Berlim em 18 de setembro – nas quais a CDU obteve o pior resultado de sua história –, essa política local de 26 anos denunciou que o líder do partido na capital havia se referido a ela como “doce ratinha”. “Você transa com ela?”, perguntou um colega na frente dela. “Precisamos de uma nova sensibilidade. O machismo não é exclusivo da política”, respondeu Tauber.
Poucos dias depois, o próprio Tauber teve que dar explicações sobre sua maneira de tratar as mulheres. Veio à luz um artigo de 2006 chamado “Indicações sobre o cuidado do coelho”.
Nesse texto de nove páginas, aqueles que rodeavam o número dois detalhavam como pressionar a gerente do partido na cidade de Main-Kinzig para que ela o deixasse. Entre outras práticas de mobbing [assédio moral], se sugeria a possibilidade de rescindir o contrato da filha da gerente, funcionária da CDU.
Na quarta-feira, Tauber admitiu conhecer o texto, mas não tê-lo escrito. Em seguida, disse que “com a perspectiva atual” foi um erro não ter feito nada contra esse texto insultante.