"Fora, Temer!": o grito que ecoou na festa dos comunistas franceses
Um grito se fez ouvir em diferentes oportunidades nos dias 10 e 11 de setembro na Vila do Mundo, espaço internacional da Festa do Humanité que mobiliza habitualmente cerca de meio milhão de pessoas nas suas inúmeras atividades políticas, culturais, esportivas, lúdicas, gastronômicas. Foi o grito da palavra de ordem da esquerda e das forças populares brasileiras; “Fora, Temer!”, uma exigência explícita de destituição do novo “presidente” do Brasil que não foi ungido pelas urnas.
Publicado 13/09/2016 16:53
Seu posto se deve ao golpe constitucional contra Dilma Rousseff, eleita em outubro de 2014 por mais de 54 milhões de brasileiros.
A edição de 2016 da Festa do Humanité – jornal do Partido Comunista Francês – se realizou sob o signo da solidariedade com a América Latina, cujos “povos resistem contra a tentativa de eliminar vinte anos de luta pela emancipação da dominação estadunidense”, como afirmou Patrick Le Hyaric, diretor do Humanité, em seu discurso de inauguração da Festa na Vila do Mundo. Quanto à destituição de Dilma Rousseff, em 31 de agosto último, trata-se de um “golpe de Estado fomentado pela camarilha que sonha perpetrar uma revanche contra estes milhões de pobres que, com a elevação do seu nível de vida, possibilitaram o crescimento da economia do país”, lembrou Patrick Le Hyaric. Nesse momento o público clamou: “Fora, Temer!”.
A palavra de ordem foi ouvida algumas horas mais tarde, durante a noite, quando As Cantadeiras, quatro cantoras membros do Movimento dos Sem Terra (MST), fizeram escutar as suas vozes num show musical no espaço de debates Fernand-Tuil por ocasião de uma noite de solidariedade. Um momento de calma, paz e emoção.
No domingo, o público da Festa manteve contato com dirigentes da esquerda brasileira. Na mesma ocasião, a senadora comunista francesa Laurence Cohen, que participou no Brasil, no mês de julho último, do Tribunal Internacional pela democracia, um tribunal popular encarregado de julgar as modalidades de destituição, teve a ocasião de demonstrar que as chamadas pedaladas fiscais imputadas a Dilma Rousseff não são sancionadas pelo artigo 85 da Constituição brasileira.
Laurence, que é também a presidenta do grupo de amizade França-Brasil no Senado, afirma que essa destituição não respeita certas convenções internacionais e se mostra surpresa com o silêncio de numerosos governos ocidentais sobre o que se passa no Brasil, e especificamente o governo francês.
Os militantes brasileiros puderam compartilhar sua exigência de realização de novas eleições e também as suas análises.
Assim, José Reinaldo Carvalho, dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), contextualiza esses acontecimentos no cenário regional latino-americano, onde “a direita, as classes dominantes e a oligarquia lançaram uma ofensiva” contra as políticas populares, progressistas e patrióticas levadas a efeito em diversos países latino-americanos, “desde a chegada ao poder de Hugo Chávez na Venezuela, há quase vinte anos”.
José Reinaldo acrescenta que um dos problemas da experiência de esquerda no Brasil foi a necessidade de estabelecer alianças com o centro – com o mesmo PMDB que esteve na origem da destituição de Dilma Rousseff – devido à ausência de uma maioria parlamentar das forças progressistas. “Essas alianças podem ser feitas desde que se construa um forte bloco de esquerda”, indicou Reinaldo.
Também foram postas em causa as políticas de austeridade nos últimos anos. Essas críticas não impediram que a esquerda se unisse contra o golpe. “O grande desafio é a união da esquerda”, declarou Ana Cha, dirigente do MST. “Isto não retira a necessidade de uma autocrítica sobre o que a esquerda fez no poder”.
Iliada Lopes, vice-presidente da Fundação Perseu Abramo, do Partido dos Trabalhadores, lembrou que o governo revelou insuficiências, mas o golpe ocorreu não pelos erros do PT, e sua finalidade é pôr em prática “reformas neoliberais”.
Às vésperas da Festa, José Reinaldo concedeu uma entrevista ao jornal L´Humanité, na qual afirmou que o Brasil “está sob a ameaça de um grave retrocesso social, econômico e político”. O secretário de Política e Relações Internacionais do PCdoB denunciou que o governo de Michel Temer propôs um plano de austeridade para vinte anos, o que “vai provocar regressão nos campos da saúde, da educação, da habitação e pôr em causa o programa Bolsa Família, além de provocar estagnação econômica ou mesmo recessão”.
Segundo o dirigente comunista brasileiro, o governo de Michel Temer anunciou a realização de uma reforma das leis trabalhistas com o objetivo de flexibilizar os direitos sociais e aumentar a jornada de trabalho, assim como fará a reforma da previdência, também retirando direitos.
Por isso, disse Reinaldo, “já estão ocorrendo grandes manifestações com dezenas de milhares de pessoas nas ruas, duramente reprimidas por forças policiais militarizadas”.
O dirigente do PCdoB assinalou também que está ocorrendo “profunda mudança na política externa brasileira”. O novo governo, diz, “está agindo contra a integração latino-americana”.
Tanto na entrevista como no debate, José Reinaldo Carvalho destacou o papel da unidade entre as forças progressistas, de esquerda e os movimentos populares, destacadamente a Frente Brasil Popular. “Nas lutas de rua vai crescer a exigência de destituição do governo golpista de Michel Temer, de defesa dos direitos democráticos e sociais do povo e de convocação de eleições diretas para presidente da República”.