Audiência discute projeto “maquiavélico” em tramitação no Senado 

Representantes da sociedade e estudiosos da dívida pública brasileira denunciaram, em audiência nesta segunda-feira (12), na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, o que consideram um “esquema para falsear a venda de créditos incobráveis”. Eles pediram a rejeição do projeto de lei que tramita no Senado, ou pelo menos a retirada do regime de urgência na análise, para que o texto seja mais e melhor discutido. A proposta está na pauta do Plenário.  

Audiência discute projeto “maquiavélico” em tramitação no Senado - Agência Senado

Os especialistas em dívida pública denunciaram a proposta do senador licenciado José Serra (PSDB-SP), que permite à administração pública, nas três esferas de governo, vender para o setor privado os direitos sobre créditos de qualquer natureza, desde que sejam objeto de parcelamentos administrativos ou judiciais.

O “tom maquiavélico da questão”, segundo eles, é que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, em análise na Câmara, prevê a restrição de gastos e investimentos sociais por 20 anos, o que pode reduzir as verbas para a saúde e a educação, mas deixa explícita a garantia de recursos para pagamentos da dívida pública.

Para isso, seriam criadas empresas públicas, composta por sócios públicos, mas regidas pelo direito privado, que negociariam os ativos dos estados por meio de títulos vendidos no mercado financeiro com o compromisso de pagamento de juros, as chamadas debêntures.

Ao analisar o que tem sido feito nos estados e municípios que abriram empresas e emitiram as debêntures, a coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, disse que a emissão desses papéis foi lastreada pelos próprios estados, ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ao usar o subterfúgio das “debêntures subordinadas”. Esses papéis são vinculados às debêntures seniores, mas apenas estas são negociadas.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) indagou se a operação, como está sendo feita pelos estados e municípios iniciais, pode configurar antecipação de receitas, o que é ilegal. Para a senadora Regina Sousa (PT-PI), tudo parece “um grande esquema”, e é preciso descobrir se alguém está atuando como “laranja”.

Exemplo paulista

O diretor jurídico do Sindicato dos Agentes Fiscais de Renda do Estado São Paulo, José Márcio Rielli, citou a Companhia Paulista de Securitização (CPSEC) como exemplo do esquema financeiro que gera dívida publica já posto em prática por diversos entes federativos.

Rielli disse que a empresa foi criada em 2009 pelo então governador José Serra, mas a primeira emissão de debêntures foi feita na gestão seguinte, com Geraldo Alckmin. Segundo ele, nem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nem a lei nacional que trata do ICMS dão amparo ao tipo de operação executada pela empresa, que também não teria apoio na legislação que rege o sistema financeiro.

Com base nisso, ele informou que o sindicato já propôs ação popular para questionar o estado na Justiça, explicando que “não podemos transferir o direito de cobrança para outra empresa. Essa cessão de direitos é um factoide que não existe”, afirmou. Ainda segundo Rielli, os créditos tributários são usados como pretexto para endividamento abusivo, em condições privilegiadas para os credores.

Providências

O presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS), anunciou a apresentação de requerimento para a retirada da urgência na análise do projeto. E disse que também vai requerer a realização de uma audiência pública no Plenário do Senado, inclusive com a presença de parlamentares da Grécia, onde esquema semelhante foi implantado e teria “quebrado” o país, segundo os representantes da Auditoria Cidadã da Dívida.

Paim disse ainda que convocará governadores e prefeitos das unidades da Federação onde existem as estatais não dependentes. A ideia é que esclareçam se houve ganho para estados e municípios com as operações. Outra providência que a CDH tomará, disse, é oficiar os órgãos de controle, como tribunais de contas e ministérios públicos de contas, sobre o projeto.

“Também vou apresentar emenda à PEC 241 para impedir a reserva de recursos para o aumento de capital das empresas estatais não dependentes”, garantiu.