Votação do impeachment é o “estancar a sangria” da Lava Jato
A sessão do Senado que votou pela continuidade do processo de impeachment contra o mandato da presidenta Dilma Rousseff, nesta terça-feira (9), reafirmou o jogo de cartas marcadas montado por setores da direita conservadora. A votação foi baseada na tese de que os fins justificam os meios.
Por Dayane Santos
Publicado 10/08/2016 13:58
Os “fins” foram revelados nas gravações feitas pelo delator da Lava Jato, Sergio Machado, ex-presidente da Transpetro e apontado como operador do PMDB no esquema da Petrobras. “Tem que mudar o governo para estancar essa sangria”, disse o então ministro de Michel Temer, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), ao delator.
Diferentemente dos grampos feitos pelo juiz Sérgio Moro contra o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma, divulgados ilegalmente à exaustão no período que antecedeu a votação na Câmara dos Deputados, pouco se falou dos citados na Lava Jato ligados ao governo provisório. Isso três dias depois das revelações da delação premiada de Marcelo Odebrecht, que apontaram o envolvimento do próprio Temer para receber R$ 10 milhões em dinheiro vivo e também de R$ 23 milhões enviados para José Serra em contas no exterior.
Ao contrário, citados como Aécio Neves (PSDB-MG) – político campeão de citações na Lava Jato –, Romero Jucá e Agripino Maia (DEM-RN) discursaram na tribuna como paladinos do combate à corrupção e defensores da democracia, apesar de promoverem um dos maiores ataques contra a Constituição ao aprovarem a continuidade de um processo baseado na fraude jurídica-política do início ao fim – com a relatoria comandada pelo tucano Antonio Anastadia (MG), afilhado político de Aécio Neves, candidato derrotado nas urnas – e com argumentos que basearam o pedido derrubados por perícias e testemunhas.
Jucá, por exemplo, comemorou o resultado de 59 votos pela continuidade do impeachment. “Isso sinaliza que esse processo já está bastante discutido aqui no Senado. É muito difícil que haja um fato novo que em tese mude esse resultado”, espera o senador golpista.
Acreditando que as manobras golpistas resultarão na sua impunidade, Jucá ainda afirma: “Acho que agora temos que ter tranquilidade, cumprir o rito, dar todo o direito de defesa e, a partir daí, ainda no mês de agosto, concluir essa matéria, que é uma página que precisa ser virada para o país se reorientar e voltar a crescer”.
Campeão de citações
Líder da bancada do “quanto pior melhor” no período que antecedeu o afastamento da presidenta Dilma, Aécio foi o único do PSDB a discursar na sessão e disse que votar pelo golpe era “respeitar a Constituição”.
“Estamos, na presença da figura máxima da magistratura brasileira, do presidente do Supremo Tribunal Federal, dizendo que respeitamos a nossa Constituição. E respeitar a nossa Constituição é votar favoravelmente ao relatório do senador Anastasia porque, em última instância, o que estamos fazendo hoje – e faremos nas etapas seguintes – é defender a democracia. Ninguém pode cometer crime impunemente e a sanção é a prevista na Constituição”, disse.
Dilma é acusada de “pedaladas fiscais” para pagar programas sociais e editar créditos suplementares. Aécio, por sua vez, é alvo de delações que afirmam que é o comandante do mensalão de Furnas e de cobrar propinas de empreiteiras para a realização de obras em seu estado, Minas Gerais. Impunidade?
Apesar de seu afilhado Anastasia ser o relator do processo e do PSDB ter pago R$ 45 mil à advogada Janaína Pascoal para elaborar o pedido de impeachment, Aécio tentou convencer que a atuação política da legenda não foi baseada no seu inconformismo com a quarta derrota consecutiva nas urnas.
“Não somos nós, do PSDB, não é a antiga oposição e hoje base do governo, que determina qual o crime para quem afronta a Constituição. O crime é o afastamento, definido lá atrás pelos Constituintes não apenas de 1988, mas por vários que os antecederam”, disse ele, que em todo o discurso citava as “ilegalidades” de forma genérica já que a fundamentação não se sustenta.
Aécio seguiu o exemplo do não menos tucano Miguel Reale Jr., jurista e um dos autores do pedido de impeachment, que foi o primeiro a ocupar a tribuna do plenário da Câmara para defender a continuidade do processo. O ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia Geral da União (AGU), rebateu o jurista, enfatizando que Reale não se aprofundou em análise das provas.
Incoerências
“Sua excelência o professor Miguel Reale Jr. não analisou nada das provas. Fez apenas referências genéricas. Por que o fez? Porque se o fizesse teria que cair numa situação de demonstrar que todas as provas acabam demonstrando inocência da presidenta da República em relação aos fatos”, frisou Cardozo.
Cardozo reafirmou que o processo de impeachment é um golpe contra a democracia e derrubou os pontos apresentados no pedido. “Como se pode entender que há uma operação de crédito nesse caso, nas chamadas pedaladas? O que aconteceu na verdade é que o governo, a União, tem um contrato de prestação de serviços com o Banco do Brasil e vamos imaginar que tenha atrasado”, disse.
“Atraso de pagamento de um contrato não é empréstimo, ou será que quando um empregador atrasa o salário do seu empregado, o empregado está emprestando dinheiro para o empregador? É isso? Essa é a lógica do relatório. O que a Lei de Responsabilidade Fiscal veda é operação de crédito, empréstimo, não atrasos eventuais em contratos que são de prestação de serviços”, acrescentou.
As incoerências da tese golpista demonstraram que o crime estava sendo cometido contra o mandato da presidenta Dilma e a democracia. Por outro lado, intervenções desnudavam as manobras, como o discurso da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), que afirmou que as acusações contra a presidenta “não procedem, não pela minha palavra, mas pelo Ministério Público Federal e pelos peritos do Senado”.
Ela lembrou ainda que o processo de impeachment só começou devido à retaliação do ex-presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pelo fato de o PT ter votado contra seu interesse no Conselho de Ética.
“Eduardo Cunha [ex-presidente da Câmara] preferiu ver o país aos cacos, desde que os cacos ficassem em seu poder. O presidente [Michel] Temer, que é meu presidente também, lutou como um louco para ser vice de novo. Quem é aqui que pode falar de corrupção, de ética, faça-me o favor”, disse.
A senadora, que é ministra da Agricultura do governo Dilma, destacou ainda que o governo autorizou uma subvenção de R$ 10,8 bilhões na safra 2013-2014, e de R$ 6 bilhões na safra 20162017. “Então houve uma redução na subvenção na ordem de R$ 4 bilhões, justamente por excesso de zelo e pela situação fiscal, a presidenta Dilma Rousseff elevou um pouco os juros para a agricultura”, disse.
Segundo ela, se não fossem as subvenções, o Brasil estaria como em 2002, quando a inflação IPCA era de 12,5%, e o IPCA de alimentos e bebidas era da ordem 18%, muito maior do que o IPCA geral. “Hoje nós estamos com a inflação, apenas de alimentos, da ordem de 2%, fora o superavit da balança comercial, da ordem de R$ 96 bilhões, graças a esses gastos, que não são gastos, são investimentos”, complementou.