Pochmann: Repactuação entre empresários e governo para sair da crise
Com a constatação, cada dia mais evidente, de que o impeachment da presidenta Dilma Rousseff não é saída viável, muito menos rápida ou indolor, setores da economia olham com mais preocupação para o horizonte recessivo que se delineia. Na avaliação do economista Marcio Pochmann, alguns dos atores que a princípio se colocam contra a gestão do PT podem ser forçados, por causa de interesses econômicos imediatos, a um acordo com o atual governo centrado na recuperação da economia.
Publicado 06/04/2016 13:27
Por Joana Rozowykwiat
De acordo com Pochmann, os questionamentos aos manuais de Washington e os caminhos adotados a partir do enfrentamento da crise de 2008 fizeram com que os governos encabeçados pelo PT se confrontassem com certos interesses da globalização de natureza financeira. Muitos viam no impeachment, então, a possibilidade de retorno ao receituário neoliberal. Mas a realidade pode se impor à investida restauradora.
“A preocupação econômica começa a ganhar maior importância, porque se acreditava em uma solução política mais rápida, que alguns defendiam ser a retirada da presidenta Dilma. Hoje, vai ficando cada vez mais claro que a solução do impeachment, além de difícil de ser aprovada, pode resultar num problema ainda mais grave de ingovernabilidade, com questionamentos inclusive ao próprio vice [Michel Temer (PMDB)]”, afirmou Pochmann, em entrevista exclusiva ao Portal Vermelho.
De acordo com ele, nos últimos dias, houve uma mudança no cenário político – favorável à presidenta –, que pode se estender à economia. Isso porque o prolongamento da crise política impede que sejam tomadas as medidas necessárias à recuperação da economia. E mesmo àqueles empresários que hoje se colocam contra o governo não interessa mais recessão, pois isso significaria mais prejuízo.
“Olhando os últimos 10 dias, cada vez há mais dúvidas sobre a viabilidade do impeachment, agora apontando para uma derrota talvez, se não na Comissão, no próprio Plenário da Câmara (…) Há uma mudança no clima político e pode haver também no clima econômico. Porque são interesses reais, concretos, que acreditavam que uma solução política [afastando Dilma] seria rápida, como foi com Collor, e com isso se voltaria a uma situação econômica favorável, mas isso pode não ocorrer”, avaliou o economista, que é ex-presidente do Ipea e professor na Unicamp.
De acordo com ele, as outras opções desejadas pela oposição – com a cassação da chapa de Dilma e Temer ou a convocação de novas eleições a partir de uma PEC – são encaminhamentos “difíceis do ponto de vista político e, sem resolver o problema político, a economia vai ficar aguardando por mais tempo”. Diante da possibilidade de uma demora na solução da crise esticar a recessão para um terceiro ano, uma repactuação de setores da economia com o governo poderia ser um caminho, projetou Pochmann.
“Os acordos nunca são entre os iguais. Hoje setores que podem não aceitar o governo da presidenta Dilma podem ser forçados, em função de seus interesses imediatos, a fazer um acordo com o governo e viabilizar a saída da recessão rapidamente. É uma questão de sobrevivência. Estamos vendo um quadro de quebra de empresas, perdas, prejuízos. E isso pode durar muito mais em função desse quadro que não estabelece saída política conveniente. Um acordo com o atual governo criaria uma nova base de apoio e sustentação associada à recuperação da economia”, opinou.
Segundo ele, se a alternativa anteriormente defendida por setores do empresariado vai se mostrando sem sucesso, “podem abrir um campo de diálogo com a presidenta Dilma ou com o ex-presidente Lula e estabelecer um cronograma de sustentação do governo com recuperação econômica”.
Pochmann apontou inclusive um certo “desespero” de setores pró-impeachment, diante da possibilidade de um pacto desta natureza. Ele avaliou que um sinal disso seria, por exemplo, o editorial da Folha de S.Paulo, que pediu a renúncia da presidenta.
“O editorial da Folha, de certa maneira, não deixa de ser o reconhecimento de que o impeachment não tem viabilidade sustentável e decente, então joga para que a presidenta tome a inciativa de sua saída. É uma aposta desesperada, por que percebe que, se não houver uma saída imediata, os que estavam em tese defendendo a saída do governo, podem passar a se articular com esse governo para voltar a recuperar a economia”, disse.
Os interesses do “mercado”
Nas últimas semanas, a mídia vinha publicando matérias que apontavam uma “animação” dos “mercados” com a possibilidade de impeachment. Nesta terça (5), no entanto, o clima parece ter mudado e muitos textos passaram a mostrar que o tal mercado deu um “freio no entusiasmo”. Agora, está mesmo é “preocupado”, diante das “incertezas” do movimento pró-impeachment e das dificuldades de se construir a governabilidade, “seja se Dilma se mantiver no poder, seja se Temer assumir”.
Questionado sobre as razões que teriam levado o “mercado” a se “entusiasmar” com a ideia do impeachment, Pochmann respondeu com uma volta ao tempo, resgatando mudanças promovidas pelos governos do PT.
“O impeachment de Collor aconteceu justamente no período em que o Brasil fazia sua inserção na globalização financeira e, daquele momento em diante, praticamente foi a economia que passou a comandar a política”, lembrou.
Imaginava-se que uma vitória do PT em 2002 poderia propiciar um choque com esses interesses de uma economia aberta como passou a ser o Brasil. Lula tratou de escrever a Carta aos Brasileiros para acalmar os mercados, mas o ano foi de grande especulação a respeito da política econômica que seria adotada. E, quando a vitória do petista parecia de configurar, o dólar chegou a valer próximo de sete reais, em valores atualizados.
Mas, de 2003 para cá, apontou o economista, não houve uma mudança tão intensa na forma com que o Brasil havia se integrado à economia mundial. “As mudanças foram sempre muito graduais”, disse. Mas, segundo ele, a partir de 2008, o governo Lula optou por fazer um enfrentamento da crise que atuou em dissintonia com os interesses da globalização de natureza financeira.
“Houve uma opção por maior presença do Estado na economia, através do redirecionamento de fundos e também investimentos. Frente à retração dos bancos privados nacionais e estrangeiros, houve um fortalecimento dos bancos públicos. A partir do encaminhamento das medidas de enfrentamento da crise externa de 2008, o Brasil assumiu papel distinto em relação aos interesses dessa globalização de natureza financeira”, ressaltou, citando ainda uma aproximação com o Brics.
Ao mesmo tempo, destacou, “a política foi cada vez mais questionando o governo da própria economia, dos manuais, do próprio receituário de Washington”. Segundo ele, com a vitória de Lula, “praticamente se abandonou a cartilha neoliberal e nós não tivemos o mesmo movimento que vinha da Era dos Fernandos”.
De acordo com o economista, “o enfraquecimento do governo da presidenta Dilma seria entendido por parte dos interesses vinculados a Wall Street como sendo uma possibilidade da redenção da política econômica, de forma mais explícita, ao mesmo rumo que o Brasil seguia nos anos 90”.
Crise é ruim até para especuladores
De acordo com ele, apesar de o capital especulativo que atua no Brasil avaliar que há uma crise considerável no país, há aspectos que indicam um cenário um pouco diferente, uma vez que não houve fuga de capitais e o Brasil esteve no ano passado entre os países que mais investimentos diretos do exterior recebeu.
“Então, entre os investimentos que não são fundamentalmente especulativos, há uma aposta de que o Brasil volte a crescer. É um dos principais mercados de consumo do mundo. Então há certa divisão entre o mercado especulativo que atua contra ou torce pela mudança do governo, porque isso poderia gerar a própria mudança na política econômica, mas eu não imputaria isso como sendo a totalidade do capital estrangeiro, porque há uma parte interessante de recursos, uma parte que está instalada aqui e tem negócios aqui que não são especulativos e meramente financeiros”.
Para Pochmann, o prolongamento da crise é ruim para todos os setores da economia, inclusive o bancário. “A Operação Lava Jato praticamente congelou atividades importantes de grandes empresas, que são devedoras do mercado financeiro. Não se resolvendo a situação dessas grandes empresas, elas não têm condições de operar nos setores tradicionais e não pagam os bancos, que deverão, em algum momento, explicitar o tamanho desse prejuízo”, disse.
Pochmann previu que o país pode, então, estar caminhando para crise bancária de dimensão considerável. “E isso obviamente pode comprometer os resultados do setor financeiro, que vem sendo um dos poucos setores privilegiados no quadro recessivo do país. A recessão prolongada nesse país não é adequada mesmo para setores especulativos”, afirmou.