Um juiz deve ser imparcial – e o juiz Catta Preta mostrou que não é
Ao acatar uma liminar contra a posse do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva como ministro chefe da Casa Civil da presidência da República, o juiz federal Itagiba Catta Preta Neto, de Brasília, suscitou um debate de grande interesse: a questão da neutralidade ou imparcialidade da justiça.
Por José Carlos Ruy*
Publicado 18/03/2016 08:22
Ao acatar uma liminar contra a posse do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva como ministro chefe da Casa Civil da presidência da República, o juiz federal Itagiba Catta Preta Neto, de Brasília, suscitou um debate de grande interesse: a questão da neutralidade ou imparcialidade da justiça.
No recurso que apresentou contra aquela liminar, a Advocacia Geral da União questionou a parcialidade do juiz.
A AGU tem razão. O juiz Itagiba Itagiba Catta Preta Neto é um notório militante contra o governo Dilma Rousseff. Defendeu, nas redes sociais, o impeachment da presidenta, e chegou a escrever, em sua página no Facebook (em 7 de março): “Ajude a derrubar a Dilma e volte a viajar para Miami e Orlando. Se ela cair o dólar cai junto”. Participou também de manifestações públicas, como a que ocorreu em 13 de março, pelo golpe contra a presidenta.
Isto é, deixou clara sua parcialidade em relação à petição que gerou a liminar concedida hoje, contra a posse do ex-presidente Lula como chefe da Casa Civil do governo Dilma.
Em entrevista à TV Bandeirante, o juiz tentou separar os papéis de cidadão e juiz que ele encarna, e defendeu seu direito a manifestar, como cidadão, sua opinião.
É aqui que começam os problemas em relação à atitude do juiz. Juízes e promotores públicos fazem parte da categoria de funcionários públicos especiais. Característica que decorre da função que exercem.
Eles encarnam, figurativamente, poderes do Estado; como tal devem ser respeitados, mas também é assim que a sociedade espera que eles se comportem.
Isto é, sempre que manifestam imprudentemente opiniões a respeito de questões polêmicas – sobretudo quando são questões que geram comoções públicas, como a tentativa golpista contra o mandato constitucional da presidenta da República – fica indelevelmente comprometida a necessária confiança de que sejam imparciais em seu julgamento.
É neste ponto que o debate, acima referido, se manifesta. Antigamente esperava-se que os juízes fossem “neutros”, mas esta convicção mudou pelo reconhecimento que, sendo seres humanos, julgam de acordo com convicções pessoais – religiosas, políticas, sua história pessoal, crenças e hábitos vigentes nos círculos sociais de que fazem parte, suas ideias morais e demais preferências pessoais – tudo isso condiciona e influencia seus julgamentos e impede, objetivamente, a neutralidade que se exigia deles.
Modernamente o reconhecimento dessas limitações, humanas, levou à exigência que, hoje, prevalece entre os teóricos do direito: a Justiça deve ser imparcial.
A exigência que se faz hoje aos magistrados, decorrente do intenso debate que ocorreu no âmbito do direito, é que sejam imparciais. Isto é, equidistantes entre as partes querelantes. Espera-se que, no momento de investigar a verdade (objetivo do processo que preside), ouçam as partes envolvidas e julguem de acordo com o que determina a lei. De certa forma, isso quer dizer que o magistrado, como encarnação do Estado Democrático de Direito, julgue não de acordo com suas convicções pessoais mas seguindo a lei, a Constituição e a ordem jurídica vigente.
É um pressuposto que o magistrado seja imparcial nas decisões. E o juiz Catta Preta mostrou, com riqueza de detalhes, que não é imparcial. A Advocacia Geral da União está coberta de razões em sua argumentação.
Um magistrado pode não ser neutro, mas deve ser imparcial – e um partidário do golpe contra a lei e a Constituição não é imparcial!
José Carlos Ruy é jornalista e escritor