Luiz Carlos Prestes: Anita aborda desafio de escrever biografia do pai
Em entrevista publicada no jornal Diário do Nordeste, a historiadora, filha do líder comunista Luiz Carlos Prestes, ratifica: "Minha preocupação principal era deixar a história comprometida com a evidência".
Publicado 05/01/2016 10:02 | Editado 04/03/2020 16:25
O gaúcho Luiz Carlos Prestes (1898 – 1990) foi uma das figuras-chave do século XX brasileiro. Sua longevidade o permitiu ser uma testemunha privilegiada de episódios de que participou, ora imerso, ora com algum distanciamento. Nos anos 1920, Prestes integrou o movimento Tenentista – puxado por militares de baixa patente que estavam em desacordo com as condições econômicas, sociais, políticas e institucionais do País, sentidas na pele, no convívio com as tropas. Liderou uma marcha, na coluna que levou seu nome, agregando milhares de combatentes em todo o Brasil. Se opôs a Getúlio Vargas e foi uma das principais lideranças comunistas brasileiras. Prestes foi, até o fim da vida, fiel a esta ideologia. A vida deste personagem é objeto da biografia "Luiz Carlos Prestes: Um comunista brasileiro", escrito por sua filha, a historiadora Anita Leocádia Prestes.
Você já escreveu outras obras sobre a atuação política de Prestes. Quando decidiu escrever uma biografia de seu pai?
Eu o fiz por partes, sem ter a certeza de que ia chegar na biografia. Fui fazendo a pesquisa por períodos e publicando. Fiz assim porque tinha que estudar a história do Brasil e do mundo na época. E a história do PCB, claro. A trajetória do meu pai e do partido, a partir dos anos 1930, é entrelaçada. Nesses últimos anos, trabalhei para juntar tudo isso, revisar o que já tinha escrito e estudar as lacunas existentes. Afora o material que eu já tinha em mãos, dos acervos particulares da minha Tia Lígia e meu, foram consultados diversos acervos. Cheguei a ir até Moscou, pesquisar nos arquivos da Internacional Comunista.
Que tipo de livro você quis escrever?
Não é um livro de memórias. Como explico na apresentação, só abordei os aspectos pessoais na medida do necessário, quando estes eram importantes para situar a posição política de Prestes. Ainda que tenha incluindo bilhetes, cartões e cartas dele, sempre o fiz quando esses documentos eram fundamentais para a história. Minha preocupação principal era deixar a história comprometida com a evidência, com a verdade, como diz o grande historiador Eric Hobsbawm. Não há uma linha no livro que não tenha sido baseada em documentos. Com isso, foi possível desmentir todas as calúnias a Prestes e o silenciamento que continua em torno dele. Minha preocupação era que este fosse um trabalho sério, de historiador.
O fato de você ser filha do biografado dificultou o seu trabalho?
Sou filha de Prestes e admiro o meu pai. Mas isso não me fez a autora de uma hagiografia, como me acusam de fazer uma santificação de Prestes. Ele mesmo tinha um espírito autocrítico muito grande. Quando se convencia de que estava errado, não tinha problema algum em mudar de posição. Isto está claro em sua história. Em nenhum momento, eu quis santificar o Prestes ou transformá-lo em mito. Mas algumas coisas não podem ser ignoradas. Do ponto de vista de ser lutador das causas sociais, um revolucionário, no século XX, ele foi o mais destacado no Brasil. Me utilizando da terminologia de Gramsci, falo que Prestes foi o principal revolucionário orgânico do século XX. O fato de ser filha me ajudou a ter um contato pessoal, a conhecer a vida e o pensamento dele. Mas não abdiquei de meu papel de historiadora quando escrevi o livro.
A biografia de Prestes que você escreveu saiu no fim de 2015, um ano em que o debate político foi acalorado e marcado pela radicalização de posicionamentos.
Foi uma contingência concreta que o livro tenha saído agora. Terminei de escrever no fim de 2014. A editora Boitempo o trabalhou com muito cuidado. Fizemos uma revisão exaustiva e isso levou vários meses. Por isso saiu agora. Não foi nada planejado, mas uma coincidência, porque marcou também os 25 anos do falecimento dele.
No fim de 2014, a Cia. Das Letras publicou outra biografia de seu pai, "Luís Carlos Prestes – Um revolucionário entre dois mundos", do professor de história contemporânea da UFF Daniel Aarão Reis. Você a leu?
Quem escreveu esse livro foi um colega meu – ou ex-colega. Li sim e escrevi sobre ele no portal www.Ilcp.Org.Br. Lá, você encontra o artigo em que combato esse livro. Ele é cheio de mentiras, de uma falta de seriedade total. Incrível o tanto de informação errada e calunioso que aparece nesta biografia, sobretudo a respeito de minha mãe. Ele fala que ela teria abandonado um filho na Alemanha, numa fuga. Isso me deixou indignada, porque é uma mentira. Conversei com pessoas que a conheceram nesta época e essa história simplesmente não existe. É um livro anticomunista, feito para manchar a imagem de Prestes.
"Comunismo", aliás, é uma palavra que está muito em voga novamente. E você é clara ao definir Luiz Carlos Prestes, no subtítulo da biografia, como um comunista.
O título foi muito discutido e escolhido porque caracteriza bem a figura dele. Prestes dedicou a vida toda ao comunismo. Ao mesmo tempo, era brasileiro e sempre foi um patriota. Não há contradição em ser comunista e patriota. Pelo contrário, Prestes queria o bem do nosso povo.
Algo que chama a atenção no livro é o lado intelectual de Prestes, pois ele é mais lembrado por seus atos do que propriamente por suas ideias.
Prestes foi, sobretudo, um homem de ação. Mas é verdade, ele tem muitos escritos. Uma das calunias levantadas contra Prestes é a de que ele era um homem inflexível, duro. Pelo contrário. Ele não mudava seu pensamento a torta e a direto, mas quando fazia a autocrítica e percebia que estava errado, não via problema em mudar sua posição. Dois momentos são importantes nesse sentido. O primeiro acontece em 1930, quando ele rompe com o Tenentismo. À época, o poder estava sendo oferecido na bandeja para Prestes. Não aceitou por que não tinha a participação de setores populares que dessem sustentação a reformas profundas em que acreditava. Nesse momento, ele rompeu com as oligarquias e se colocou ao lado dos trabalhadores, dos explorados. Diferente dos colegas tenentes, que aderem a Vargas, ele seguia comprometido com o povo. E depois, em 80, depois de 40 anos, ele rompe com PCB, pois acreditava que aquela direção tinha abdicado dos ideais comunistas. Ficou sem recursos pra sobreviver, mas não vacilou em sua decisão.
A vida de Prestes foi longa e repleta de episódios importantes. Houve algo para o qual você teve mais dificuldades em encontrar documentação histórica?
Talvez a própria Coluna Prestes, que é uma epopeia impressionante. O depoimento dele era muito rico, mas eu tinha que comparar com outras fontes e fontes muito diversas. Viajei ao Rio Grande do Sul, entrevistei combatentes que lutaram com Prestes e aqueles que o fizeram contra a Coluna; historiadores locais; pessoas que lembravam daquilo. Ao mesmo tempo, tive que procurar outras fontes, governistas. Tudo isso foi muito trabalhoso.
Serviço
Luiz Carlos Prestes: Um comunista brasileiro
Anita Leocadia Prestes
Boitempo
2015, 560 páginas
R$ 48