Maurício Pestana comenta os desafios da inclusão racial no país

Em um contexto histórico de abandono e marginalização por parte do estado, somado ao ainda presente racismo institucional, o povo negro resiste, luta e reivindica garantias mínimas, que durante séculos foram cerceadas. Em entrevista exclusiva ao Portal Vermelho, o secretario de promoção da Igualdade Racial da cidade de São Paulo, Maurício Pestana, comenta os avanços e desafios a serem alcançados para sanar a dívida histórica que o país possui com os negros.

Por Laís Gouveia

Maurício Pestana

Maurício diz que é importante ressaltar o histórico dos percalços enfrentados pela população negra, para entender o contexto atual de desigualdades sociais. “Em 515 anos de história do Brasil, quase três quartos foram construídas com a mão de obra escrava. Quando chegamos no fim do século 19, com a assinatura da Lei Áurea, a população negra foi marginalizada pelo governo e a mão de obra foi substituída pela europeia, sendo que, os europeus não foram obrigados a virem para o Brasil, ao contrário dos negros. Nessa troca da mão de obra, houve a exclusão da população negra na economia formal. Por consequência, o ex-escravo entrou na linha da pobreza e passou o século 20 marginalizado, sendo que, o Brasil, foi o país que mais cresceu no mundo durante tal período, saímos de uma condição rural e no fim do século já eramos apontados como a 7ª economia global. Porém, não avançamos na quebra da desigualdade, e ela tem cor. Como exemplo, no fim dos anos 90, os negros ocupavam apenas 2% das vagas em universidades públicas", afirma.

Protagonismo brasileiro no combate ao racismo

A 3º Conferência Mundial Contra o Racismo, que ocorreu em Durban, na África Do Sul, teve uma importância global, ressalta Maurício. “Israel e EUA não mandaram nenhum representante ao fórum, mesmo com o status de referência que os estadunidenses possuem no debate racial. O principal protagonista acabou sendo o Brasil, que enviou mais de 200 representantes. “Ganhamos a relatoria da conferência e assinamos um protocolo para fazer ações afirmativas de inclusão racial. Como desdobramento do fórum na África do Sul, Fernando Henrique Cardoso, no fim do seu mandado como presidente, encomendou uma pesquisa ao Ipea para fazer um diagnóstico da educação no país, com recorte da inserção da população negra. A análise apontou que seria preciso, mesmo com a aplicação de políticas públicas de inclusão, de 30 a 40 anos para sanar as desigualdades educacionais no país. O estudo foi feito, mas, em seu governo, nenhuma ação de inclusão foi realizada pelo tucano”, diz Maurício.

O governo Lula e as políticas de inclusão

“A ações de políticas afirmativas só começaram a ocorrer, efetivamente, quando Lula ingressou à presidência”, afirma Maurício. “No campo educacional, o que foi feito em 15 anos de governo, nunca foi feito antes em toda a história do Brasil. Começaram a ser implementadas políticas efetivas, como exemplo, as cotas em universidades públicas, o ProUni e o resultado disso é o impacto de quase 20% da população negra hoje estar inserida no ensino superior. Além disso, a discussão ganhou maior expressividade na sociedade com a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Soma-se a isso o desenvolvimento econômico dos últimos anos, resultando em mais pessoas com poder de renda e com isso, houve uma maior ascensão social nas classes C e D". 

Empregabilidade como forma de inclusão

O secretário salienta que, para além das mudanças de inserção social promovidas nos últimos anos, é fundamental garantir a empregabilidade à população negra. “Quando ingressei na secretária de Promoção da Igualdade racial de São Paulo, percebi que precisávamos dar um passo adiante nas políticas de inclusão, e isso se faz través da movimentação da economia e a empregabilidade é um braço importante para o desenvolvimento e inclusão. Sabendo que a mudança não ocorreria apenas com funcionários públicos e que era necessário envolver também o setor privado na empregabilidade, então, chamei empresas que já tinham experiência de ações afirmativas para dialogar e o desdobramento disso, foi um fórum que surpreendeu pela representatividade, com a participação de cinquenta multinacionais e um público de 350 pessoas. Essa é uma política muito importante para executar, pois aproxima o contratante e o contratado. Criamos então um comitê permanente com essas empresas, para continuarmos com tal política de inclusão da população negra através da geração de emprego. Além disso, temos o programa de Cotas do Município de São Paulo, que já inseriu mais de 1000 funcionários negros no mercado de trabalho, ocupando cargos de estagiários a secretarios”.

Semana da consciência negra

Durante toda a semana, várias ações estão ocorrendo para celebrar o dia da consciência negra, na cidade de São Paulo. A abertura contou com participação do prefeito Fernando Haddad. “Temos que envolver todas as ramificações culturais da cidade, então descobrimos que em um dia seria impossível contemplar todos os grupos, então, resolvemos fazer uma semana inteira de atividades. A programação contém seminários sobre cotistas, mulheres negras, educação financeira, empreendedorismo e juventude negra. No final a cada dia de debate ocorre  uma atividade cultural”, conclui Maurício. 

Confira a programação completa da semana da consciência negra  aqui