Diógenes Júnior: O terrorismo e o sequestro das boas intenções

Há uma tentativa, por sinal bem exitosa, da mídia em sequestrar o emocional das pessoas, comparando os atentados ocorridos no último dia 13 em Paris com os atentados de 11 de setembro nos EUA, vitimizando a França e relativizando os ataques que essa mesma França praticou contra a Síria e o Iraque, por exemplo.

*Por Diógenes Júnior, com colaboração especial para o Portal Vermelho e Jornalistas Livres

Diógenes Júnior: O terrorismo e o sequestro das boas intenções

As lágrimas meticulosamente estudadas e oportunamente derramadas pelo presidente francês François Hollande durante seu pronunciamento oficial fazem parte de uma estratégia.

A campanha que a rede social Facebook disponibilizou para que seus usuários pudessem mesclar as cores da bandeira da França com suas fotos de perfil são de um altruísmo questionável e extremamente seletivo.

A enorme quantidade de pessoas que utilizaram esse recurso, ou mesmo as que trocaram suas fotos de perfil por bandeiras da França são reflexo do sucesso de uma mesma estratégia, também de tentar sequestrar o emocional de sua audiência.

Jogando com o inconsciente coletivo das pessoas, manipulando reportagens e bombardeando-as com informações pinçadas conforme seus interesses, a mídia tradicional tem pautado a agenda de discussões sobre o tema “terrorismo”, definindo conforme suas convicções comerciais a diferença entre “ataque terrorista” e “legítima defesa diante de injustas agressões”.

Pelas regras contidas nessa agenda midiática, fica pré-estabelecida uma dinâmica onde qualquer ofensiva promovida por um país ocidental contra um país de orientação islâmica é legítima, sempre realizada com os heróicos objetivos de “defender a democracia”, “encontrar armas de destruição em massa” e “acabar com regimes totalitários e ditatoriais”.

No documentário Fahrenheit 9/11 o direitor Michael Moore apresentou ao mundo algumas métodos com os quais os governo dos EUA, tendo como principal aliado a mídia, fizeram a população do país não apenas acreditar que haviam evidências de existência de armas de destruição em massa no Iraque, mas também a apoiar uma invasão àquele país.

Missão cumprida

O governo americano declarou ter gasto US$845 bilhões no conflito que sucedeu a ofensiva.
O que não é nada, comparado à perda de mais de *500.000 vidas.

(*A estimativa do total de pessoas mortas na guerra do Iraque entre 2003 e 2011 diverge de fonte para fonte, com números que chegam a até mais de 600. 000 mortes.)

Sequestrar o emocional das pessoas com o objetivo de engajá-las em uma luta contra um “inimigo comum” é uma tática bem conhecida, utilizada em larga escala e por diversas vezes durante a história.
“A propaganda para o público em geral funciona a partir do ponto de vista de uma idéia, e o prepara para quando da vitória daquela opinião.”

Essas palavras, encontradas no livro Mein Kampf, de Adolf Hitler, descrevem o conceito de usar a propaganda para dissimular a idéia de que uma guerra — no caso contra os judeus — se fazia necessária à época e que todos que se engajassem naquela guerra contra o “inimigo comum” sairiam dela como “vitoriosos”.

Propagandas nazista de 1943 retratando judeus como transmitissor de doenças contagiosas.
Voltando para a questão dos ataques ocorridos em Paris, identifico a clara intenção do governo Hollande em criminalizar o Islã, transferindo o cerne da questão, que é política, para abstratas acusações de motivações religiosas.

Para essa empreitada François Hollande conta com um poderosíssimo aliado:
a imprensa.

Para antevermos os resultados dessa estratégia podemos usar como parâmetro o que aconteceu nos EUA logo após os atentados de 11 de setembro.

O governo estadunidense recrudesceu em muito a já opressora política repressiva que mantinha e o congresso pôs em curso o famigerado “Ato Patriota”, lei que tinha como objetivos reforçar a segurança interna do país e aumentar os poderes das agências de cumprimento das demais leis, além de identificar e deter supostos terroristas.

Cerceando e ignorando os direitos civis do povo americano, claro.
Certamente que o parlamento francês criará, a exemplo do que fez os EUA, uma “Lei Antiterrorismo” que recrudescerá a repressão contra a população em geral e contra os imigrantes em particular.
A maioria dos muçulmanos não só não aprova como condena a violência e não tem a menor culpa do que aconteceu na França.

A despeito disso suponho que serão ainda mais perseguidos, ainda mais criminalizados e que certamente pagarão pelo que outros fizeram.

Assim como seu aliado EUA, o governo da França comunga, entre outras idéias, da ideia central de que apenas o uso da força bruta pode resolver seus problemas, muitas vezes problemas de ordem social.

(Bem parecida com a política promovida pelo governador de São Paulo, diga-se de passagem)
Marine Le Pen, representante da extrema-direita francesa que já foi candidata à Presidência República declarou, quando aconteceu o ataque ao jornal Charlie Hebdo que “o islamismo havia declarado guerra ao seu país” e que o povo “deveria responder sem fraquejar”.

​A expectativa é de recrudescimento da repressão policial
Diante dos fatos apresentados ouso dizer que a direita francesa está comemorando muito tudo isso, de braços dados com o governo Hollande e grande parcela da mídia mundial.
O restante do mundo, atônito, aguarda desdobramentos tão ou mais trágicos que a tragédia que se abateu sobre Paris e que ceifou a vida de pelo menos 129 vidas.
A leitura da primeira estrofe de “A Marselhesa” reforça os temores de não apenas muçulmanos, mas de todos os imigrantes em solo francês nesse momento:

“Esses ferozes soldados?
Vêm eles até nós
Degolar nossos filhos, nossas mulheres. Às armas cidadãos!
Formai vossos batalhões!
Marchemos, marchemos!
Nossa terra do sangue impuro se saciará!”
(Hino Nacional da França — A Marselhesa)


*Diógenes Júnior é estudante de Ciências Sociais, pesquisador independente, militante do PC do B, ativista dos Direitos Humanos e Jornalista Livre.