1946: A intriga dos EUA para jogar o Brasil contra a Argentina

Em 12 de fevereiro de 1946 o Departamento de Estado dos EUA distribuiu aos embaixadores latino-americanos o “Livro Azul”. Era um “dossiê” elaborado pelo ex-embaixador dos EUA na Argentina, Spruille Braden que, em 1945, e na ocasião subsecretário de Estado para Assuntos Latino-Americanos. Como embaixador em Buenos Aires, Braden se envolveu em intensas disputas políticas em oposição ao então coronel Juan Domingo Peron, que era vice presidente da República.

Por José Carlos Ruy

Desestabilização EUA - América Latina - Reprodução

O “Livro Azul” foi uma tentativa de demonstrar a ligação do nacionalismo argentino com o nazismo. Foi também uma clara tentativa de interferir na eleição presidencial que se realizaria naquele ano. O objetivo era isolar Peron que, fortemente apoiado pelos sindicalistas, era o favorito e venceu a eleição, sendo reeleito mais tarde para um segundo mandato, tendo sido presidente entre 1946 e 1955.

O “Livro Azul” acusava vários membros do governo argentino de terem apoiado os nazistas durante a Segunda Grande Guerra. Aquela tentativa de interferir na política interna da Argentina repetia de certa forma ação semelhante da embaixada dos EUA ocorrida no Brasil, em 1945, que resultou no afastamento de Getúlio Vargas da presidência da República e no controle do governo por políticos favoráveis aos EUA.

No Brasil o “Livro Azul” foi logo denunciado pelos democratas e comunistas. Na Assembleia Constituinte de 1946 a reação foi imediata, particularmente pela bancada comunista, destacando-se as denúncias feitas pelo senador Luiz Carlos Prestes e pelo deputado Carlos Marighela.

Em 26 de março de 1946 Prestes pronunciou um longo discurso na Assembleia Constituinte no qual apresentou detalhadamente a posição comunista sobre a política nacional, a democracia e a luta pelo socialismo. E denunciou com veemência o objetivo do governo dos EUA de criar um clima de guerra entre o Brasil e a Argentina, com base nas alegações feitas no “Livro Azul”. Ele acusou os norte-americanos de não aceitarem devolver ao Brasil as bases militares cedidas durante a Segunda Grande Guerra. E, principalmente, de reforçarem – com o uso de técnicos e militares dos EUA – as bases aéreas de Porto Alegre e Santa Maria (no Rio Grande do Sul), com o objetivo claro, acusou Prestes, de preparar uma guerra entre os dois países sul-americanos.

O “Livro Azul”, acusou o dirigente comunista, “não é mais do que um dos argumentos, mais uma acha que se joga na fogueira da guerra imperialista” numa “disputa de mercados, de matérias primas, dos próprios mercados de consumo dos produtos argentinos, que são os mesmos americanos — trigo, milho e carnes. Os Estados Unidos, os capitais americanos mais reacionários têm grandes interesses em choque, e, por isso, provocam, querem a guerra à Argentina.”

Marighela, em artigo escrito poucos anos depois (em 1949) lembrou aqueles embates e concluiu que a tentativa dos EUA de criar um estado de guerra entre Brasil e Argentina fracassou sobretudo “devido à enérgica campanha de desmascaramento efetuada pelos comunistas, na imprensa, na Assembleia Constituinte e nos grandes comícios populares”.

Eram os primeiros sinais da política que os EUA aplicariam ao longo do século 20 – fazer de tudo para impedir a união que fortalece os dois grandes países sul-americanos e cria condições mais favoráveis para seu desenvolvimento autônomo. Política semelhante à daqueles que, hoje, no Brasil, continuam rezando pela cartilha dos interesses norte-americanos e se opõem à concretização e fortalecimento do Mercosul. Eles, como diziam os revolucionários espanhóis, no pasaran!

Referências

Guimarães. Samuel Pinheiro (org). Argentina: visões brasileiras. Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, Fundação Alexandre de Gusmão, 2000.

Marighela, Carlos. Nossa Política. In Problemas, Revista Mensal de Cultura Política nº 17, fev-mar de 1949.

Prestes, Luiz Carlos. Discurso pronunciado na Assembleia Constituinte, 26/03/1946. Anais da Assembleia Nacional Constituinte (1946), vol. V