Receita do setor de defesa somou R$ 202 bilhões em 2014
Complexo de defesa e segurança movimentou R$ 202 bilhões no ano passado, equivalentes a 3,7% do PIB, desenvolve alta tecnologia em um conjunto significativo de empresas e poderia aumentar a parcela das exportações do país com elevado valor agregado. Apesar de o crescimento acumulado de 12,9% entre 2009 e 2014 ser inferior ao do PIB no mesmo período, de 17%, o setor investiu em média perto de 25% do Orçamento, acima da taxa de 19,7% no ano passado, medida pela formação bruta de capital fixo.
Publicado 10/09/2015 16:11
Essas são algumas das conclusões do primeiro estudo abrangente do setor, elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, ligada ao Departamento de Economia da Universidade de São Paulo, para a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança, com base em matrizes de insumo-produto e valores deflacionados para 2014.
A pesquisa aponta a importância do setor para o desenvolvimento econômico e tecnológico do país. “Parte significativa da produção requer desenvolvimento tecnológico, especialmente para a defesa nacional”, aponta o economista Joaquim Guilhoto, vice-diretor da FEA-USP, autor do trabalho. “A produção com conteúdo tecnológico relevante predomina na área”, diz Armando Lemos, diretor técnico da associação empresarial Abimde. E o caso de projetos estratégicos do Ministério da Defesa, como o programa de desenvolvimento de submarinos, da Marinha, a fabricação do sistema Astros de lançamento de foguetes e dos blindados Guarani, do Exército, e do avião cargueiro KC-390, da Aeronáutica, este lançado em fevereiro.
Ao contrário de estimativas como a do Banco Mundial, limitadas à divisão do total de gastos do Ministério da Defesa de cada país pelo PIB, o estudo inclui as atividades de custeio da defesa e da segurança privadas, considera toda a cadeia produtiva do setor e exclui os desembolsos com os inativos. Os dois conceitos estão, de certa forma, corretos, mas cotejá-los não faz sentido. Em 2013, de acordo com o levantamento do Banco Mundial, os gastos do setor no Brasil corresponderam a 1,4% do PIB. Segundo critérios adotados no estudo da Fipe/FEA-USP, o produto correspondeu, no mesmo ano, a 3,7%, mesmo porcentual de 2014.
Dos R$ 202 bilhões do PIB setorial, R$ 110 bilhões provêm das despesas correntes de defesa e segurança. A esfera estadual, representada pelas polícias militares, responde por R$ 47 bilhões das compras. Em segundo lugar aparece a segurança privada, com R4 31 bilhões. Os gastos com a defesa nacional somam R$ 25 bilhões e os relativos à segurança federal, R$ 7 bilhões. Os números mostram o peso significativo do segmento de segurança privada, acima do Orçamento para a defesa nacional.
Um dos aspectos mais interessantes e importantes do trabalho está no fato de proporcionar uma visão abrangente dos impactos do segmento de defesa e segurança em várias áreas da economia. O enfoque centrado na cadeia produtiva, principal responsável pela diferença apontada entre os distintos cálculos do PIB do setor, levou à investigação da trajetória reversa da manufatura dos produtos. Isso permitiu compreender cada etapa de agregação de valor, até chegar à matéria-prima, no início do processo.
R$ 110 milhões em compra de produtos
No elo final da cadeia, as Forças Armadas e a segurança privada despendem 110 milhões na compra de produtos e serviços de um conjunto de fábricas e outras empresas. As atividades industriais envolvidas no suprimento do complexo somam R$ 8 bilhões de reais. O montante subdivide-se em manutenções, reparações e serviços específicos, no total de R$ 3,2 bilhões, seguidos por construção, instalações e conservação de imóveis, com R$ 2,1 bilhões. Veículos e equipamentos de transporte respondem por 1,4 bilhão, pouco acima de máquinas, equipamentos e material de informática, com R$ 1,3 bilhão.
Na etapa anterior, aquelas fábricas e empresas adquiriram grandes quantidades de ferro, aço, alimentos, combustíveis e outros insumos dos seus fornecedores, ligados às atividades primárias. As encomendas anuais totalizam 13 bilhões de reais, mostra o estudo.
As atividades terciárias da cadeia de valor do setor de defesa e segurança, principalmente serviços, comércio e distribuição, somam R$ 71 bilhões. Esse valor, somado àqueles das compras do governo (R$ 110 bilhões), das atividades industriais (R$ 8 bilhões) e das atividades primárias (R$ 13 bilhões), resulta no PIB do setor, de R$ 202 bilhões.
Há mais de 500 empresas no segmento, 220 delas associadas à Abimde. A maior parte não se dedica exclusivamente à produção militar. Um exemplo é a Agrale, fabricante de tratores, caminhões, ônibus e utilitários, uma parte destes produzida para atender às Forças Armadas. “O setor pode contribuir muito com a balança comercial de produtos de alto valor agregado”, avalia Lemos. Os principais mercados são Oriente Médio.
Africa, Asia e América Latina. A Malásia, a Indonésia e os Estados Unidos estão entre os países que mais compram da indústria armamentista brasileira. Armas leves para consumo civil e aviões Tucano, da Embraer, destacam-se entre as importações dos EUA. Exemplo raro de competitividade do Brasil, a Embraer adquiriu expertise mundialmente reconhecida na identificação das tendências dos mercados civil e militar e na antecipação dos preparativos necessários à adaptação das novas tecnologias. Essa capacidade permitiu-lhe sair à frente na produção de substitutos dos cargueiros militares C-130 Hercules, vendidos ao Brasil pela Lockheed Martin, dos Estados Unidos.
No começo do ano, a empresa lançou o avião de transporte militar KC-390, parte da estratégia de ampliação das linhas de produtos militares e de jatos executivos para contrabalançar o declínio das vendas de aviões comerciais. Sem a nova aeronave, o Brasil teria de substituir os velhos Hercules pelos seus sucessores, os C-130J Super Hercules fabricados pela companhia norte-americana ou por modelos de uma das suas quatro concorrentes. Com a Embraer, agora serão seis os competidores no segmento.
Incentivo
A área estratégica de defesa recebeu um impulso com a Lei n° 12.598, de 2012, marco normativo com regras especiais para compras, contratações e desenvolvimento de produtos e sistemas de defesa e critérios para a concessão de incentivos. A partir desse instrumento legal, a reestruturação da indústria nacional de material de defesa e a utilização do poder de compra do governo para ampliar a base fabril do setor e estimular pesquisas científicas e tecnológicas com universidades e empresas tornaram-se prioritárias, segundo Daniel de Mello Barreiro Tavares e outros autores de um estudo sobre o impacto da lei na Marinha, entre eles a geração de empregos qualificados, redução da dependência de tecnologia externa e contribuição para o equilíbrio da balança comercial. Acrescente-se uma receita elevada obtida pelo Tesouro.
“A cada R$ 10 bilhões investidos pelo governo em defesa e segurança, R$ 5,5 bilhões voltam na forma de tributos”, destaca Guilhoto. A lei reforça a importância do setor de defesa e segurança na estratégia industrial e de inovação no espírito das políticas dos estados.
Especificamente, trata-se do engajamento militar para o desenvolvimento e o crescimento econômico nos países modernos, aponta a economista italiana Mariana Mazzucato, professora de Economia da Inovação na Universidade de Sussex, no Reino Unido. Consultora dos governos britânico e brasileiro, entre outros, a pesquisadora sublinha o exemplo dos Estados Unidos, onde “a experiência do desenvolvimento tecnológico necessário para vencer guerras proporcionou grandes lições àqueles que estão procurando melhorar as políticas de inovação”.
A inovação extrapola as atividades militares e converge para o esforço do setor público no desenvolvimento de tecnologias mais tarde incorporadas pela iniciativa privada, quase sempre sem contrapartida para o governo. O principal exemplo é o da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (Arpa, em inglês). Além de financiar a ciência básica, a agência canaliza recursos para segmentos de interesse do desenvolvimento do país, organiza interações entre os agentes públicos e privados na área tecnológica e facilita a comercialização dos bens finais do processo.
Criada após o pânico provocado entre os formuladores de políticas dos EUA com o lançamento, em 1957, pela antiga União Soviética, do Sputnik 1, o primeiro satélite artificial, a Arpa surgiu para assegurar a supremacia americana na corrida tecnológica. Além de financiar pesquisas e a formação de departamentos em universidades, apoiou startups, contribuiu para a pesquisa de semicondutores e da interface homem-computador e supervisionou os estágios iniciais da internet. As estratégias da agência foram fundamentais para o desenvolvimento da indústria de informática privada mundial, os computadores pessoais e o surgimento dos gigantes empresariais Apple e Google, entre outros.
O aprendizado com as experiências bem-sucedidas de aproveitamento do esforço industrial e tecnológico militar no desenvolvimento poderia contribuir com o avanço do Brasil, especialmente nas exportações.