Mauro Santayana: A Odebrecht e o BNDES
Nos últimos dias, jornais e portais deram destaque para a informação de que os financiamentos à Odebrecht pelo BNDES teriam “disparado” de 2007 para cá, e de que diplomatas brasileiros servindo em outros países e na Venezuela, teriam apoiado a empresa e comemorado, em comunicados e correspondência interna, o fato dela ter aumentado nos últimos anos seus negócios no exterior.
Por Mauro Santayana, em seu blog
Publicado 12/07/2015 00:12
Chama-se a atenção para isso, como se houvesse algo de irregular nesses dois fatos.
Primeiro, o de o nosso maior banco de fomento, que carrega os adjetivos “econômico” e “social” no nome, financiar, para clientes internacionais da maior empresa de engenharia e construção da América Latina, a aquisição de produtos e serviços brasileiros.
E, em segundo lugar, o de diplomatas brasileiros darem suporte à expansão de empresas nacionais no exterior, como fazem, por milhares de vezes, embaixadores e encarregados de negócios norte-americanos em todo o mundo, como pode ser visto em centenas de telegramas publicados no Wikileaks.
Segundo esse dados, os financiamentos do BNDES para clientes da Odebrecht no exterior, teriam passado de uma média de 166 milhões de dólares por ano, de 1998 a 2005, para um bilhão de dólares, em média, depois, até 2014.
Uma quantia que equivale a um percentual – como a mesma matéria acaba informando mais adiante – de apenas 8,4% dos contratos totais da Odebrecht fora do Brasil no período, que foram de 119 bilhões de dólares, em sua maioria emprestados por bancos internacionais – o que mostra que o BNDES não está sozinho em sua confiança na empresa – para o financiamento da execução de projetos de seus clientes em outros países.
Para se ter uma ideia, os recursos do BNDES para financiar pagamentos à Odebrecht alcançaram em 2014 apenas 7% dos 14 bilhões de dólares que a empresa faturou no ano passado.
No entanto, ao ler a matéria, muitos leitores podem ser levados a pensar que esse aumento foi apenas para a Odebrecht, ou, como dizem muitos, que o BNDES tem investido preciosos recursos fora daqui, no lugar de aplicá-los em projetos dentro do Brasil.
Isso seria verdade, se, nos últimos anos, o BNDES tivesse subtraído de seu orçamento histórico, sem aumentá-lo, dinheiro para obras no exterior e se essas obras não tivessem criado milhares de empregos para brasileiros, dentro e fora do país.
Mas o que ocorreu foi exatamente o contrário.
Os desembolsos do BNDES, para financiamento de todos os setores da economia, passaram de menos de 35 bilhões de reais, em 2002, para 187 bilhões de reais em 2014.
E mais, se de 1990 a 2006, em 16 anos, o dinheiro emprestado pelo BNDES EXIM, o seu braço de apoio a exportação, foi de aproximadamente 23 bilhões de dólares, ele subiu, em apenas sete anos, de 2007 a 2014, para mais de 40 bilhões de dólares – para sermos exatos, 128 bilhões de reais, beneficiando não apenas a Odebrecht e outras grandes empresas, mas, por meio delas, milhares de pequenas e médias empresas brasileiras.
Outra impressão que fica, para certo tipo de público, ao ler o texto, é que a Odebrecht parece ser uma organização “terceiro-mundista”, “comunista” e “bolivariana”, que apenas graças ao apoio do PT se expandiu no mundo.
Como projetos da Odebrecht no exterior, são citados o metrô de Caracas e de Los Teques, na Venezuela – o primeiro financiamento para essa obra foi do governo Fernando Henrique Cardoso – centrais hidroelétricas e termelétricas no Equador, Angola, Peru, República Dominicana, um gasoduto na Argentina, aeroportos “como o de Nacala, em Moçambique”, e o onipresente, na imprensa brasileira, de uns tempos para cá, Porto de Mariel, em Cuba.
Mas não se diz, para maior informação dos leitores, e de toda a sociedade brasileira, que, se a Odebrecht fez obras no porto de Mariel, em Cuba, também as fez no Porto de Miami, como a infra-estrutura que permitirá receber os super-cargueiros que atravessarão o novo Canal do Panamá, ampliado; que se faz obras no aeroporto de Nacala, em Moçambique, também as faz no aeroporto de Miami – o novo Terminal Norte do Miami Airport, construído pela Odebrecht, recebeu o prêmio Global Best Projects, da conceituada revista ENR, Engineering News-Record – ou nos aeroportos de Orlando e de Fort Lauderdale; que se faz metrô subterrâneo na Venezuela, também já fez um tipo de metrô (suspenso – foto) em Miami; rodovias como a Route 56, na Califórnia, a SR 836/I-395 na Flórida, ou a Sam Houston e a Grand Parkway, no Texas, viadutos como o Golden Glades e estádios como a American Airlines Arena, em Miami, centros culturais como o Adrienne Arsht Center for Performing Arts, na mesma cidade, sistemas de proteção hidraúlica e ordenamento hídrico contra enchentes, como a Barragem de Seven Oaks, na Califórnia, ou o LPV-9.2, que protege as estações de bombeamento do Lago Pontchartrain, na Louisiana, contra furacões.
Tudo isso nos Estados Unidos, país em que está presente desde 1990, e no qual emprega – entre eles muitos brasileiros – milhares de trabalhadores de 33 diferentes nacionalidades.
Como vemos, a situação está tão surreal e absurda, que, mesmo que a capital da Odebrecht, fora do Brasil, seja Miami – a cidade mais conservadora dos EUA – e não Havana, o seu presidente está preso e é execrado, diariamente, nas redes sociais brasileiras, pelo suposto “bolivarianismo” de sua empresa e eventuais “ligações” com o PT.
Já faz algum tempo que o BNDES tem sido atacado violentamente nas redes sociais.
Pretende-se, no “liberou geral” da prorrogada, persistente, duradoura, temporada de Caça ao Chifre na Cabeça de Cavalo, ou de cabelo, em casca de ovo, envolver, “de boca”, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social com alguma irregularidade.
Tornou-se corriqueiro dizer que há uma “caixa preta” do BNDES, que, quando aberta, abalaria a República – nos círculos mais ignorantes segue viva a lenda urbana de que a família Lula é dona da FRIBOI, também beneficiada por financiamentos do banco – quando se trata de uma das mais sérias e competentes instituições brasileiras, e de um esteio de grande importância para o desenvolvimento econômico e social do país.
Outro mito recorrente, nos últimos tempos, é que as operações do BNDES no exterior teriam causado rombo no tesouro e dado bilhões de dólares em prejuízo ao país.
Ao contrário do que muitos pensam, o BNDES não tem costume de salgar carne podre e é uma das instituições mais sólidas do mundo.
O índice de Basileia exige mais que 11%, quando o do BNDES é de 15,9%. O Capital Principal tem que ser de mais de 4,5%, quando o do BNDES é de 10,6%. A Exposição Cambial tem que ser de menos 30%, quando no BNDES ela é de apenas 4,8%. A exposição ao Setor Público deve ser de menos de 45%, quando no BNDES é de 26,2%. A imobilização deve ser de menos de 50%, quando no BNDES, ela é de apenas 11,4%. Os dados são de dezembro de 2014.
Os seus ativos aumentaram de 782 para 977 bilhões de reais (eram de menos de 43 bilhões em 2002) entre dezembro de 2013 e um ano depois. O Patrimônio Líquido subiu de 60 para 66 bilhões de reais, a inadimplência manteve-se em modestíssimos 0.01% e os lucros, o Resultado Líquido, subiu de 8.150 para 8.594 bilhões de reais no final de 2014.
O que atrapalha a expansão da infra-estrutura no Brasil não é a falta de dinheiro. É a ortodoxia monetária que impede que o governo se endivide, eventualmente, para desenvolver – e até mesmo defender – o país, como costumeiramente fazem nações como os Estados Unidos, que estão entre os maiores devedores do mundo, e todo tipo de empecilho e de sabotagem que fazem com que obras como a Hidrelétrica de Belo Monte – e a própria refinaria Abreu e Lima – já tenham enfrentado dezenas de interrupções.
O Congresso aprovou o fim do sigilo das operações de financiamento exterior do BNDES – vetado pela Senhora Dilma Roussef – como se essa norma fosse praticada em bancos de apoio à exportação de países como a Coréia do Norte, quando ela faz parte do comportamento normal – para não entregar de graça informações para a concorrência – de bancos e instituições semelhantes em nações como a Alemanha (KFW), Canadá (Banco de Desenvolvimento do Canadá), Espanha (ICO), e a JFC- Japan Finance Corporation e o JBIC – Japan Bank for International Cooperation, do Japão.
Não temos maiores simpatias pela Odebrecht do que teríamos com relação a qualquer empresa que gerasse o número de empregos que gera e que fosse da importância estratégica que tem para o Brasil, já que ela está à frente, entre outros importantes projetos – condição também ameaçada pelos problemas que está vivendo agora – da construção de nossa nova base de submergíveis, de vários submarinos convencionais e do novo submarino atômico nacional.
Também acreditamos que já passou da hora de empresas que são financiadas pelo BNDES no exterior promoverem uma ação institucional coletiva para explicar ao público como funcionam os financiamentos dessa instituição nessa área e a importância da exportação de serviços de engenharia para o Brasil e a economia nacional, e do BNDES fazer o mesmo, já que tem o dever de prestar contas à população.
Mas o primeiro compromisso de um jornalista é com a verdade.
E a verdade, para além dos fatos já citados, é que grandes nações não se fazem sem grandes bancos públicos, como o BNDES, para financiar seu desenvolvimento e suas exportações, sem uma diplomacia ativa em defesa dos interesses nacionais e sem grandes grupos empresariais, especialmente das áreas de engenharia e infra-estrutura, que possam apoiar a venda de seus produtos e serviços e projetar – para lugares menos e mais desenvolvidos que o nosso – a imagem de um país atuante e competente lá fora.
Os financiamentos do BNDES no exterior garantem um milhão e quinhentos mil empregos no Brasil, e a sobrevivência de milhares de empresas brasileiras, como as que fornecem serviços e produtos para clientes da Odebrecht no exterior, cuja lista, (apenas das maiores) retirada do site da empresa, fazemos questão de publicar depois deste texto.
São instrumentos de financiamento, apoio governamental, know-how avançado, entre outros – que distinguem os países fortes e bem sucedidos dos mais dependentes e fracos, e que abrem caminho para o avanço de certas nações em detrimento de outras, em um planeta cada vez mais complexo e competitivo.
E há nações que a isso se arriscam, ou estão impedidas – infelizmente, até mesmo de dentro – de alcançar o desenvolvimento e o progresso, pela emersão, insidiosa, de uma quinta-coluna em que desfilam, ombro a ombro, o arbítrio, a intriga, a hipocrisia, a subserviência com os de fora, a intolerância com os mais fracos, a manipulação, o auto-preconceito e a ignorância.