Redução da maioridade penal e encarceramento juvenil
No próximo dia 30 de junho, será votada – no Congresso Nacional – a proposta de emenda constitucional (PEC n.º 171/1993) tendo por anseio a redução da idade de responsabilização penal, de 18 para 16 anos, em princípio, para os delitos considerados mais graves.
Por Ivan de Carvalho Junqueira*
Publicado 26/06/2015 16:30
Já comemorada, alguns dias atrás, aos cânticos de “eu sou brasileiro, com muito orgulho e muito amor…” e, sob a chancela de Amado Batista, um dos experts consultados, não encontrará – ao que parece – maior obstáculo, a despeito de toda a luta de entidades, movimentos sociais e pessoas que, nadando contra a correnteza e resistentes ao sensacionalismo midiático, opõem-se a ela.
Fosse inquirido por alguém, não mais do que cinco anos atrás, sobre as reais chances de aprovação de tão lamentável estelionato legislativo, a seduzir, muito embora, quase 90% da população (tornando irrelevante qualquer referendo a respeito do tema), afirmaria, com ênfase: não passará!
Hoje, ao contrário, mesmo desejando estar equivocado, digo: passará. E, assim será, infelizmente…
No avançar do conservadorismo, assistiremos a mais um retrocesso, nada obstando, no atual momento de amnésia coletiva, o desrespeito à Constituição Federal de 1988, reduzida a simples arremedo (transcorridas 88 emendas ao texto original), conquanto consagre no artigo 60, § 4.º, IV, as chamadas cláusulas pétreas na proteção dos direitos e garantias individuais. Núcleo, a priori, imutável, no qual se insere a questão da inimputabilidade penal.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n.º 8.069/90), vale lembrar, incorporou no seu bojo – de forma inquestionável – verdadeira mudança de paradigma para com a infância e a juventude brasileira, considerando-as, a partir de agora, prioridade absoluta, em superação aos antigos Códigos de Menores, de 1927 e 1979, assentados na doutrina da situação irregular, devendo sofrer, logo às vésperas do 25.º aniversário, duríssimo golpe.
Também sou brasileiro, mas, ao revés daqueles, penso diferente. Somos singela minoria, é verdade, estimada em pouco mais do que 10% que, para além das cadeias e prisões, continua a acreditar que lugar de crianças e adolescentes (alheio a qualquer jargão) é, antes de tudo, na escola.
Não há de se acreditar numa sociedade melhor, invertendo-se a ordem das coisas. Políticas públicas (educação, saúde, lazer…), por mais óbvio seja, devem anteceder a aplicação de qualquer sanção privativa de liberdade, sempre. A internação de adolescentes – eis o espírito da lei – é medida excepcional devendo ser adotada em último caso. Apesar de recorrente, é inaceitável que um adolescente tenha acesso a um dentista ou psicólogo apenas quando privado da liberdade. Não raro, é o que acontece.
Em outro prisma, o discurso em prol da redução da maioridade penal alimenta-se de inverdades. Na sombra disso, adolescentes (quer-se dizer, os filhos dos “outros”, que não os dos autointitulados “cidadãos de bem”) são apresentados quão facínoras e propensos à prática de crimes (ou, seguindo a terminologia, atos infracionais), passando-se a falsa impressão de que grande parte deles, caso não apreendidos, tende a enveredar-se por tortuosos caminhos.
No fértil imaginário, adolescentes só protagonizam atos mais graves como, por exemplo, homicídio e latrocínio, embora partícipes em menos de 2% deles, sendo que tráfico de drogas e roubo correspondem a mais de 80% das entradas. Sem contar situações esdrúxulas tais como a internação de adolescentes por furto de aparelho celular ou briga em escola.
A propósito, o sistema de justiça juvenil é também seletivo. Dentre os jovens encaminhados às entidades executoras no país, pardos, negros e pobres constituem significativa maioria. Como diria Marcelo Yuka: “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”.
Mais. A depender do envolvido e da forma com que as lides jurídicas vão se entranhando, assassinar um índio pataxó ateando-lhe fogo ao corpo é conduta menos reprovável do que delitos contra o patrimônio que, invariavelmente, os conduzem às malfadadas grades.
O Brasil, aproximando-nos dos russos, é o 4.º país do mundo em número de presos. Na esteira da hiperinflação carcerária a acometer adultos (já na casa dos 600 mil, a despeito dos milhares de mandados não cumpridos), temos, somente no estado de São Paulo, 148 centros de atendimento para adolescentes autores de atos infracionais e mais alguns em construção. Na Fundação Casa-SP há 10 mil jovens privados da liberdade e faltam vagas!
Inexiste solução mágica. Reduzamos, agora, para 16 anos. Desiludidos, muito em breve buscaremos os de 15, 14, 13 anos… cujos resultados já os conhecemos.
Não quero ser cúmplice.