Para auditor, impostos sobre fortunas e heranças podem arrecadar muito
É falsa a principal argumentação dos críticos dos impostos sobre grandes fortunas e sobre herança de que esses tributos são mais políticos do que importantes economicamente, já que seu potencial de arrecadação seria baixo.
Publicado 25/06/2015 16:47
“Uma estimativa baixa do que se pode arrecadar com o imposto sobre grandes fortunas é de R$ 6 bilhões por ano”, diz o auditor Marcelo Lettieri, integrante do Instituto Justiça Fiscal. Segundo ele, na França, as alíquotas vão de 0,55% a 1,8% sobre fortunas que começam a partir de € 800 mil (cerca de R$ 2,8 milhões). “Se aplicássemos esse modelo, o Brasil arrecadaria R$ 12,6 bilhões. Já seria o suficiente para que não fosse necessário adotar as medidas restritivas do seguro-desemprego”, comparou.
Lettieri participa do seminário "De Qual Reforma Tributária o Brasil Precisa?", promovido nesta quinta-feira (25) pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo. Na mesa temática que discute impostos hoje inexistentes ou de baixo impacto no país – sobre fortunas, heranças e propriedades rurais –, o auditor é acompanhado do presidente da Associação da Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Gerson Teixeira, e pelo economista José Aparecido Ribeiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O auditor rebate ainda o mesmo argumento de “baixo potencial” de arrecadação em relação ao imposto sobre herança. “Neste caso, a alíquota é muito baixa no Brasil, de 3,8% em média. Já a média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de 35%. O potencial é muito grande. Quem defende que impostos sobre herança e grandes fortunas arrecadam pouco é porque tem o que ser tributado”, disse.
“Outro problema do sistema brasileiro é que os fiscos (federal, estaduais e municipais) não só reproduzem como tendem a agravar a injustiça tributária. Cobram implacavelmente dos menores contribuintes.” Ele observa ainda que os contribuinte mais ricos, além de sofrer tributação proporcionalmente inferior que a dos mais pobres, se valem de muitos recursos para reduzir ou sonegar o que devem.
Lettieri mencionou a Operação Zelotes, da Polícia Federal, que revelou a subserviência de instâncias administrativas de órgãos responsáveis por fiscalizar e apurar sonegação fiscal, que se prestavam a resolver os problemas de grandes empresas com o fisco e se livravam de autuações. O prejuízo, de acordo com as apurações, seria de R$ 19 bilhões.
“É preciso derrubar o mito do sigilo bancário e o sigilo fiscal, que protege principalmente os não pagantes. No Canadá, se publica a lista dos devedores do fisco”, defendeu o auditor. A Receita, segundo ele, deveria disponibilizar o que as empresas recebem de incentivo fiscal e quanto paga de tributos. “É questão de transparência.”
José Roberto Ribeiro, do Ipea, também enfatizou: “A transparência do sistema tributário pode ser dolorida para a gente, como pessoa física, mas é uma condição necessária para aumentar o nível de civilização do sistema político, social e econômico brasileiro”, diz. “Quanto mais transparente for a tributação, mais sofrida será. Nós saberemos o que estamos pagando e quanto estamos pagando. Mas é melhor saber, porque assim a gente mobiliza, a gente cobra e não fica achando que a culpa é toda da presidenta que está lá. Vamos cobrar do prefeito o que é da sua responsabilidade, do governador o que é do governador e dos vereadores o que cabe a eles”, defende Ribeiro.
Outro tributo de potencial subestimado, de acordo com Lettieri, é o Imposto Territorial Rural. “A arrecadação do ITR é irrisória. Dados da Receita Federal mostram que representa apenas 0,04% de toda a arrecadação tributária, o que favorece latifúndios improdutivos. Não é cobrado em valores maiores porque as forças políticas, principalmente no Congresso Nacional, não querem. É preciso resgatar o ITR como instrumento de reforma agrária”, argumentou. “É importante que todo mundo pague imposto e que a dona Maria do Bolsa Família pague menos”, diz Gerson Teixeira, da Abra.
Da cartilha
Segundo a cartilha Uma Reforma Tributária para Melhorar a Vida do Trabalhador, elaborada pelo economista João Sicsú (Universidade Federal do Rio de Janeiro) para o Sindicato dos Bancários, os impostos incidentes sobre propriedades de veículos e rurais são emblemáticos da regressividade ou distorção do sistema brasileiro. No caso do IPVA, de competência de estados e do Distrito Federal, enquanto qualquer cidadão que tem um carro popular paga este tributo anualmente, proprietários de helicópteros, lanchas, iates particulares e até jatinhos são isentos.
“São Paulo, por exemplo, é a capital mundial dos helicópteros, com mais de 400 aeronaves particulares – mais do que Nova York e Tóquio”, diz a publicação. Nenhuma paga imposto sobre a propriedade de veículos automotores.
Do imposto sobre heranças, que no Brasil também é aplicado nos estados, a alíquota máxima que pode ser cobrada é 8%. No Rio de Janeiro e em São Paulo cobra-se no máximo 4%, segundo destaca a edição. Tributaristas progressistas defendem a cobrança desse imposto com alíquotas maiores e uma tabela progressiva. Os Estados Unidos têm alíquotas diferentes para cada estado, podendo chegar a 18% em Nebraska ou 15% na Pensilvânia, por exemplo. Na Inglaterra, a alíquota máxima é 40%. No Japão, 55%.