Massacre de Curuguaty tem julgamento adiado
Nesta segunda-feira (22) deveria ter início o julgamento oral dos 13 camponeses paraguaios acusados por suposto envolvimento no massacre de Curuguaty, que culminou no golpe parlamentar contra o ex-presidente Fernando Lugo, há três anos. A data, no entanto, foi adiada por um mês, sendo prevista para 22 de julho. Desde o ocorrido, os trabalhadores rurais encontram-se detidos.
Publicado 23/06/2015 11:07
Trata-se do terceiro adiamento do julgamento. Como agravante, foi negado aos advogados dos camponeses o acesso à cópia do parecer da denúncia, por suposta falta de assinaturas. Os advogados apontam ainda a impossibilidade de um julgamento que respeite o devido direito à defesa dos réus — já que afirmam estar sendo alvo de pressões e ameaças, correndo o risco, inclusive, de perder o direito de exercer a profissão.
Isso porque os advogados Guillermo Ferreiro e Vicente Morales estão sendo processados por denunciar as irregularidades contra os camponeses. Assim, o juiz Rafael Monzón recomendou ao Conselho da Superintendência que não resolva sancionar ou absolver agora a defesa técnica, mas que mantenha aberta a acusação durante o julgamento e, dependendo do resultado, aplique ou não a sanção correspondente, que pode chegar inclusive ao cancelamento do registro profissional.
“Nos atrelaram ao resultado do julgamento. Se nossos defendidos forem condenados, nós também ‘teremos cometido irregularidades’. Se eles forem absolvidos, nós também. É absurdo. Estamos contra as cordas”, disse Morales criticando o conteúdo do parecer como uma clara limitação à defesa e que deixa os acusados em estado de impossibilidade de se defender.
Massacre e golpe
No chamado massacre de Curuguaty – em que foram assassinadas 17 pessoas, sendo 11 camponeses e seis policiais –, somente camponeses estão sendo processados pela Justiça. Dez deles respondem por associação criminosa, invasão de terras e homicídio em grau de tentativa. Dois são acusados de invasão de terras e outro de frustração da perseguição e execução penal.
O fato foi utilizado pela oposição paraguaia para justificar o julgamento político, ou impeachment, do então presidente Fernando Lugo, em 22 de junho de 2012. À jornalista Natalia Viana, o ex-mandatário confessaria dois meses depois: “Eu sabia que iria terminar assim”. “O poder, mesmo, nunca foi meu”, como consta no livro da Agência Pública “O Bispo e Seus Tubarões”.
No processo, a promotoria se baseia nos testemunhos dos agentes que participaram da operação e defende que os policiais foram vítimas de uma emboscada feita pelos ocupantes da terra.
Os camponeses investigados pelas mortes estão em prisão domiciliar. "Eles estão com custódia policial e não podem sair para trabalhar, mas precisam sustentar suas famílias”, contou Martina Paredes, em entrevista ao Opera Mundi em 2014.
Por outro lado, a defesa denuncia as diversas irregularidades existentes na causa, entre elas o fato de que o promotor do caso, Jalil Rachid, decidiu investigar apenas a morte dos seis policiais, deixando de lado os 11 camponeses que perderam a vida no episódio. A defesa diz ainda que os ocupantes não eram mais que 50, enquanto foram enviados mais de 300 policiais.
Propriedade das terras
O julgamento dos camponeses, a maioria deles acusados por invasão de terras, ocorrerá sem que a titularidade das mesmas tenha sido resolvida na Justiça. Essa é uma das denúncias feitas pelos advogados de defesa e observadores internacionais. As terras onde ocorreu o massacre são chamadas de Marina Cue, que em guarani significa terras da marinha.
A história começa em 1967, quando a Industrial Paraguaia doou os 2.821 hectares ao Estado, que o aceitou por meio do decreto Nº 29366 de 6 de setembro de 1967. O terreno foi, então, entregue à Marinha, que o ocupou até 1999. Em 2004, o então presidente Duarte Frutos (2003-2008) entregou o terreno ao instituto de reforma agrária paraguaio, Indert.
Por outro lado, Blas Riquelme, um empresário e político do partido conservador paraguaio Colorado, passou a afirmar que as terras são de sua propriedade por usucapião, por ocupá-las desde 1970. Mas, de acordo com o jornalista e historiador paraguaio Guido Rodríguez Alcalá, Riquelme sabia que as terras pertenciam à Marinha porque em 1982 pediu permissão a ela para passar por ali.
Mas, em 21 de dezembro de 2005, o juiz Carlos Goiburú decidiu que as terras pertenciam à empresa Campos Morumbi, de Riquelme, já falecido.
Riquelme ainda entrou com outro pedido na Justiça, para transformar o terreno — totalmente desmatado e com plantações de soja — em uma reserva natural. Este pedido também foi acatado, e o terreno foi registrado como “Reserva Natural Campos Morumbi”.
Assim, em 15 de junho de 2012, a empresa conseguiu uma intervenção militar para desalojar os camponeses que estavam instalados naquelas terras e reivindicavam sua destinação à reforma agrária.