Governo Dilma quer todos contra redução da maioridade penal
O governo federal vai intensificar a campanha para derrubar a proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. A estratégia é conseguir o maior número possível de apoio, por parte dos parlamentares, além de aumentar a quantidade de informações sobre o tema e ampliar a mobilização de setores da sociedade contrários à medida.
Publicado 03/06/2015 08:42
- Foto: Robero Stuckert Filho/PR
Segundo dados do Ministério da Justiça, os menores de 16 a 18 anos são responsáveis por 0,9% dos crimes praticados no Brasil. Se considerados apenas os homicídios e tentativas de homicídio, o percentual cai para 0,5%.
Na segunda-feira (1º/6), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que pretende votar a proposta em plenário até o fim deste mês. Meta que surpreendeu os representantes de entidades ligadas aos direitos da criança e do adolescente, que se encontraram nesta terça (2) com a presidenta Dilma Rousseff. Após o encontro, a presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Angélica Goulart, disse estar preocupada com a previsão de calendário, mas ressaltou que a mobilização em torno do assunto é grande.
No dia 13 de abril, a presidenta Dilma Rousseff, já havia se manifestado pelas redes sociais, contra a redução da maioridade penal. “Não podemos permitir a redução da maioridade penal. Lugar de meninos e meninas é na escola. Chega de impunidade para aqueles que aliciam crianças e adolescentes para o crime”, escreveu Dilma em seus perfis no Twitter e Facebook.
A presidenta destacou que a redução da maioridade seria “um grande retrocesso” para o país e que não resolveria os problemas de jovens em conflito com a lei. Dilma defende que a punição nesses casos obedeça a medidas já previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
“Reduzir a maioridade penal não vai resolver o problema da delinquência juvenil. Isso não significa dizer que eu seja favorável à impunidade. Menores que tenham cometido algum tipo de delito precisam se submeter a medidas socioeducativas, que, nos casos mais graves, já impõem privação da liberdade. Para isso, o país tem uma legislação avançada: o Estatuto da Criança e do Adolescente, que sempre pode ser aperfeiçoado”, avaliou.
Em seu discurso no ato político da 10ª Conferência Nacional do PCdoB, realizado na última sexta-feira (29), na capital paulista, a presidenta Dilma fez questão de reafirmar seu posicionamento contra a redução da maioridade penal em discurso para os comunistas e representantes da sociedade civil presentes no encontro.
Reunião sobre o tema
Depois de participar de reunião realizada nesta terça-feira (2), com a presidenta Dilma e a presidenta do Conanda, Angelica Goulart, o ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Pepe Vargas, explicou que a redução da maioridade penal não é uma questão de governo, mas um debate de toda a sociedade brasileira, em resposta ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que havia postado em seu perfil nas redes sociais que só o PT e a Dilma são contra a proposta de redução da maioridade penal. “O PT não quer a redução da maioridade e acha que todos têm que concordar com eles”, escreveu o presidente da Câmara.
À jornalistas, Cunha disse que a votação da PEC da maioridade penal não impede a discussão da proposta do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), de aumentar para até oito anos o tempo de internação de jovens infratores. “Se mudar a maioridade penal para 16, será o menor de 16. Vai ser aplicado do mesmo jeito. Ou você acha que vai acabar a delinquência de menor de idade? Não vai acabar.”
Para o ministro Vargas, lutar contra a aprovação desta medida é uma bandeira acima dos partidos políticos, e o que falta, na sua opinião, é colocar mais “luz ao debate”. “Essa [redução da maioridade penal] não é uma questão de governo. Nós entendemos que essa é uma questão da sociedade brasileira. Nós confiamos que quando o debate for colocado, quando houver mais esclarecimento nesse debate vai ficar claro que a redução ao invés de reduzir o problema da criminalidade e da violência tende a aumentá-lo. Porque colocar adolescentes em prisões de adultos, nos parece, apenas servirá para que esses adolescentes sejam cooptados pelas facções de crime organizado”, afirmou o ministro em entrevista coletiva, no Palácio do Planalto.
Pepe também destacou a posição contrária à redução da maioridade penal de organizações da sociedade civil como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Pastoral da Criança.
“É legítima a aspiração da sociedade brasileira por mais segurança. Mas, o que nós estamos dizendo, é que tem muitas pessoas que têm essa opinião porque acham que os adolescentes não são privados da sua liberdade, que ele pode fazer qualquer coisa sem sofrer nenhuma sanção. Isso não é verdadeiro. Em alguns casos, os adolescentes chegam a ficar mais tempo privados da liberdade do que adultos que eventualmente tenham cometido um crime análogo”, destacou.
O objetivo é mobilizar os diferentes setores para que convençam os parlamentares e a sociedade da necessidade de reprovar a PEC, desmistificando algumas questões, como a premissa de que o adolescente não é punido quando comete crimes. “Tem uma parcela da sociedade que acha que eles são impunes. Então, precisamos mostrar que não é assim. Em alguns casos, os adolescentes chegam a ficar mais tempo privados de liberdade do que o adulto”, exemplificou, lembrando que o governo legitima a aspiração da sociedade por mais segurança.
De acordo com Angélica Goulart, além da mobilização da sociedade e do Congresso, haverá divulgação de pesquisas e estudos com o objetivo de “esclarecer” a população sobre o tema. “Nós fomos completamente surpreendidos, nas últimas 48 horas, em relação à apresentação do relatório [da comissão especial] no dia 10 [de junho]. Nós estamos preocupados com o tempo, mas não estamos desanimados. Achamos que essa batalha só vai estar perdida quando realmente a gente conseguir terminar esse processo”, defendeu.
Segundo ela, os conselhos nacionais da Juventude, da Igualdade Racial e o próprio Conanda estão em estado de assembleia “para ver como vamos fazer frente à mudança nos planos e antecipação da votação”.
Angelica Goulart também destacou os avanços que o ECA – que completa 25 anos em 2015 – trouxe para o Brasil. Sancionado em 1990, o regramento é considerado uma das legislações mais avançadas do mundo no que se refere ao tratamento à infância e à juventude. Ela lembrou que o País avançou em muitas áreas nesse período. A taxa de mortalidade infantil, por exemplo, que em 1990 era de 47 para cada 1000 nascidos vivos, hoje é de 14 para cada 1000 nascimentos.
Redução da maioridade aumentará violência, diz governo
Segundo o ministro Pepe, o governo tem “grande preocupação com a alta letalidade” dos jovens e adolescentes brasileiros, principalmente pobres e negros. “Confiamos que quando tiver mais luz nesse debate, vai ficar claro que a redução da maioridade, em vez de reduzir o problema da criminalidade e da violência, irá aumentá-lo, porque colocar adolescentes em prisões de adultos nos parece que apenas servirá para que esses adolescentes sejam cooptados pelas facções de crime organizado”, afirmou.
Pepe Vargas manifestou ainda posição pessoal contrária a um referendo sobre redução da maioridade penal, como defende Eduardo Cunha. Ele disse não ter discutido com a presidenta sobre o assunto, especificamente, mas sua opinião é de que “determinadas questões não devem ser submetidas a referendo. Mesmo se a maioria se manifestasse a favor, não acho que deveria ser transformado em lei, temas como, por exemplo, o direito à tortura e a pena de morte. São questões que o constituinte originário colocou como cláusulas pétreas. Na nossa opinião, inclusive, a questão da maioridade penal da forma como está posta é cláusula pétrea da Constituição”.