Haddad: Se eu pudesse, escreveria um plano diretor melhor do que esse
Em debate, no último dia 14, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad destacou, em debate no teatro da PUC, a complexidade da construção de políticas públicas progressistas em uma cidade onde há forte atuação do conservadorismo. Explicando as inúmeras dificuldades inerentes aos gestores públicos, que mediam as disputas dos setores organizados da sociedade, entre eles o grande Capital, muito representado pelo setor imobiliário, Haddad disse ainda que "se pudesse escrever um plano diretor certamente escreveria um plano diretor melhor do que esse que foi aprovado”.
Publicado 21/05/2015 17:50
Na fria noite do dia 14 de maio, em São Paulo, o TUCArena – teatro da PUC – talvez tenha sido um dos ambientes mais quentes da dinâmica política paulistana. Organizado por estudantes universitários, interessados em promover debates políticos e públicos em uma das universidades que mais lutaram contra a ditadura civil-militar brasileira, o debate “Direito à cidade: uma revisão das dinâmicas urbanas de São Paulo” contou com a presença de Fernando Haddad.
Recepcionaram o Prefeito de São Paulo, o Pe. Rodolpho Perazzolo, o Prof. do Depto. de Relações Internacionais da PUC, Reginaldo Mattar Nasser, a professora de Sociologia Urbana, também da PUC-SP, Matilde Maria Almeida Melo, além da jovem estudante Elizabeth Terto de Carvalho que representou o coletivo de prounistas da PUC-SP, ProUni-se. A mediação do encontro ficou a cargo de Hermínio Porto, estudante de direito da universidade e também prounista.
O Prefeito ressaltou a oportunidade de estar na Universidade como forma de oxigenar as ideias que transitam pelo gabinete e pelas secretarias. Direcionando-se aos mais céticos da possibilidade de se alterar a lógica de pensamento do paulistano, como em outras oportunidades, disse: “São Paulo não é uma cidade conservadora, é uma cidade onde atuam forças conservadoras”.
Firme, aberto e tranquilo, o Prefeito demonstrou capacidade rara de dialogar e construir um debate. Resistiu, com a ternura daqueles que não se esqueceram dos dias de Assembleia Estudantil e militância, às intervenções feitas por críticos que acusam sua gestão de ser higienista e de promover a limpeza social da região da luz. Sob acusações dos manifestantes de que sua administração visava apenas a melhoria das regiões que já possuem infra-estrutura, Haddad demonstrou o esforço de sua gestão ao diálogo mencionando as alternativas de comunicação abertas para receber sugestões e ementas ao plano diretor. Ouvido por professores e professoras, estudantes da universidade e de fora dela, secundaristas, público geral, membros da sociedade civil organizada, internautas que acompanharam a discussão ao vivo, Haddad expôs e se se expôs ao mais profundo ambiente democrático.
Com o debate iniciado pelo Prof. Reginaldo Nasser, que através de uma perspectiva das relações internacionais analisou e pontuou que pela primeira vez na história a população urbana superou, em número absoluto, a população rural, o público pôde compreender que a cidade é um espaço de disputa e de conflito constante, e que nos casos de São Paulo, Baltimore, Tripoli, Cairo e Alexandria, as elites locais se utilizam do poder público para preservar seus privilégios sob a negação da expansão dos direitos das camadas mais populares. O aumento da população urbana representa também o aumento desta tensão entre centro-periferia, entre elites e classe popular, pois é notável que a maioria dos “novos moradores” das cidades se instalam em regiões precárias de infra-estrutura. As demandas sociais passam a ser cada vez mais urgentes de solução. E por fim, é necessário analisar que não somente as práticas de exclusão, como também as de repressão, são compartilhadas entre as grandes metrópoles.
Haddad, mostrou sua opção pelo diálogo ao mencionar as conversas mensais que faz com os movimentos de moradia a fim de extinguir o deficit habitacional da cidade, defendeu a outorga onerosa e o coeficiente de aproveitamento básico de construção igual a 1, como respostas às explanações que questionaram suas atitudes para frear a especulação imobiliária. Lembrou também que a outorga onerosa sempre foi o sonho de todos os prefeitos progressistas do Brasil e que pela primeira vez foi implantada por meio da aprovação do plano diretor. Mas Haddad é mais ousado que isso, inspira a juventude quando diz que “Se eu pudesse escrever um plano diretor certamente escreveria um plano diretor melhor do que esse que foi aprovado”, explicando as inúmeras dificuldades inerentes aos gestores públicos, seus partidos e suas ideologias, que mediam as disputas dos setores organizados da sociedade, entre eles o grande Capital, muito representado pelo setor imobiliário.
Diante daquilo que a Prof. Matilde salientou como o principal motivo dos conflitos recentes ao dizer que: “O medo talvez seja a mais recente maneira de se limitar o direito à cidade”, Haddad manifestou preocupação com a lógica de pensamento binária presente na sociedade brasileira.
Para o prefeito, a sociedade brasileira corre sérios riscos de alimentar espaços autoritários quando reproduz os discursos de intolerância. A socióloga pernambucana indicou a necessidade de compreender os “medos” que levam a cidade, e as forças conservadoras da cidade, à erguerem seus muros cada vez mais altos, à promoverem espaços cada vez mais exclusivos e à mercantilizar a cidade a um ponto que possa excluir os “indesejados” através da impossibilidade de acesso aos locais mais “exclusivos”. Para Matilde, assim como para a jovem Elizabeth, o direito à cidade – tema proposto para a conversa – está estritamente ligado com a possibilidade de transformar a cidade e a realidade da mesma. Matilde é enfática quando diz que não se pode praticar “higienismo” a fim de transformar a cidade em uma grande vitrine do Capital. Seu discurso ao final confluiu para expor e questionar as maneiras possíveis para se interromper a lógica capitalista extremamente desenvolvida na maior cidade da América do Sul. Lembrando Engels, a professora da casa aprofundou: “A ordem capitalista gera o caos urbano”.
O prefeito que até o momento tem sua administração bastante lembrada pelos temas de transporte e mobilidade urbana, disse que “pela primeira vez na história dessa cidade o ônibus anda mais rápido que o automóvel” como forma de explicitar o comprometimento de sua gestão em desestimular o uso do carro e delimitar de forma clara a intenção de privilegiar o público sobre o privado, de “desprivatizar” a cidade em seus mais diversos âmbitos. Elizabeth, no entanto, foi clara e demonstrou a demora para se conseguir transformar uma cidade como São Paulo quando pontuou questões importantes para os jovens de baixa renda que frequentam as universidades e que precisam de garantias para poder se manter nela. Indicando a disparidade da oferta de estudo e emprego entre as regiões periféricas e o centro, a jovem disse que durante um dia normal de semana ela transita por 3 das 5 grandes regiões da cidade. A estudante do curso de Ciências Sociais pontuou com David Harvey que “direito à cidade não é individual e sim coletivo”, para questionar a capacidade dos mais periféricos de intervir e transformar a cidade.
Um capítulo especial do encontro foi direcionado à explicação, contestação, e reflexão do Programa “De Braços Abertos” que vem sofrendo críticas de pessoas ligadas aos movimentos de população em situação de rua que apontam para as ações de utilização da força feitas pela Guarda Civíl Metropolitana – subordinada do Gov. Municipal. Haddad enfatizou que o programa não é de abstinência e nem de internação, é um programa de redução de danos, e também disse que as recentes mobilizações da GCM teriam sido feitas para desmobilizar o tráfico de drogas que tenta se re-instalar na região, disse ele: “Não é possível uma política de redução de danos quando a oferta de droga é feita como vinha sendo feita na região da luz. Não posso deixar que o tráfico se instale de forma permanente com barraca na via pública, o que barateia a droga e atrai usuários de toda a cidade e de outros municípios. Isso nós não vamos tolerar.” Parece claro a necessidade de se oferecer alternativas ao consumo das drogas para promover a reinserção social dos indivíduos beneficiados pelo programa, que é de participação voluntária e hoje atende a maior parte dos usuários da luz.
Transcorreram-se temáticas diversas. Sobre a renegociação da dívida do município, Fernando Haddad propôs que não se beneficiará do fato e disse que com os novos termos as próximas administrações não enfrentarão o mesmo constrangimento orçamentário que sua gestão vive, e que segundo ele, dificulta a solução da complexa questão do Parque Augusta. Apesar de ter manifestado que os custos para se manter a área do Parque na sua totalidade não podem ser absorvidos pela sua administração, o Prefeito esteve disposto à receber ativistas que mobilizados construíram uma proposta jurídica para viabilizar o projeto sem gerar custos aos cofres do município. “De graça eu estou topando” disse Haddad para descontração do público, marcando uma reunião com os ativistas com a presença do Procurador-Geral do Município.
Ao iniciarem- os questionamentos mais diretos, feitos pelo público, o Prefeito teve a oportunidade de se manifestar de forma clara e concisa contra a redução da maioridade penal e contra o PL 4330.
Respondeu a ativistas que lutam pela regularização da Favela do Moinho e também àqueles que questionam a promessa de construção de um hospital na Brasilândia. Haddad mostrou o porquê é talvez o melhor quadro do PT na atualidade, demonstrando maturidade e espírito democrático.
Haddad recria-se e pode recriar a esquerda ao propor que se evite a lógica do pensamento binário que só enxerga o preto e o branco, a esquerda e a direita, sem compreender as diferentes tonalidades que existem entre estas duas cores.
Direito à Cidade: Uma revisão das dinâmicas urbanas da cidade de São Paulo com Fernando Haddad.