O Globo, há 50 anos, cobrava em editorial o endurecimento da ditadura
O papel que as organizações Globo desempenharam na Ditadura Militar deve ser estudado cada vez mais a fundo, para evitar falsificações grosseiras que chegam a ser risíveis para quem tem o mínimo conhecimento do que se passou na ocasião, mas que se não forem desmascaradas podem prosperar e atingir incautos que, como mostram incontáveis exemplos, acabam presas fáceis das mentiras e manipulações da mídia hegemônica. Nesta terça-feira (19), completam-se 50 anos do editorial “Adiar seria retroceder”.
Publicado 19/05/2015 17:58
O Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco foi o primeiro presidente do regime militar e era tão golpista quanto os outros generais, mas pertencia, no entanto, a chamada ala moderada, que defendia que a presença dos militares no poder deveria ser temporária. O sistema Globo não apenas apoiava a Ditadura. Tendo desempenhado papel decisivo na articulação do golpe, Roberto Marinho era porta-voz da linha dura e clamava, nos seus editoriais, por uma radicalização ainda maior do regime. Há exatos 50 anos, no dia 19 de maio de 1965, O Globo publica na capa longo editorial preocupado com as eleições diretas para 11 governos estaduais, convocadas por Castelo Branco para outubro daquele ano. Neste editorial, O Globo se manifestava contra os rumores de adiamento do pleito. Engana-se redondamente quem acha que isso era sinônimo de espírito democrático de Roberto Marinho.
O Globo exigia eleições manietadas e pedia o fim dos partidos
O próprio editorial de O Globo (19/05/1965) fazia questão de lembrar de que “ninguém mais do que nós defendeu o ponto de vista de que seria melhor para o regime e para a concretização dos ideais revolucionários a não realização dos pleitos este ano”. E qual a solução que O Globo apresentava para a sucessão dos governadores cujos mandatos estavam se encerrando, se não queria antes a realização das eleições? Volta a palavra para o editorial de Roberto Marinho: “Achávamos que a sucessão dos governadores daqueles Estados deveria ser feita através de um processo extraordinário”. O “processo extraordinário” era um eufemismo de O Globo que significava a simples nomeação indireta dos governadores pelos militares. É este mesmo texto de 19 de maio que recorda aos leitores que em abril, quando Castelo Branco anunciou a realização das eleições, O Globo publicou então um editorial intitulado “A surpreendente decisão”, onde protestava: “agora vamos ter de novo eleições e continuam existindo os mesmos 13 partidos e a mesma lei eleitoral (…) As eleições se processarão, provavelmente nos mesmos termos das antigas, com as mesmas pessoas pois até os cassados e os que tiveram direitos políticos suspensos, embora não podendo disputar, procurarão influir eleitoralmente”. Mais claro do que isso, impossível. O jornal, em abril e agora em maio de 1965, exigia enfaticamente o aumento da repressão sobre a oposição.
O Globo manda outro recado
E por que Roberto Marinho era agora contra o adiamento das eleições? Mais uma vez ele explica: “Sentimo-nos à vontade para não concordar com a medida (um eventual adiamento) e temos, para fixar esta posição, a autoridade de quem não era a favor do chamado às urnas (…) Estamos certos de que o adiamento das eleições, dois meses após sua convocação, repercutirá em todo o mundo de maneira desfavorável à Revolução”. Diante do temor de uma reação internacional, O Globo afinal se conformava com a realização das eleições, mas pedia providências “legais” de forma a garantir que o governo militar saísse, de uma maneira ou outra, vencedor do pleito. O tom do editorial era de clara ameaça ao pouco que restava de independência e dignidade no Congresso: “já que as eleições foram convocadas, que se realizem na data marcada (…) o Congresso que não perca tempo, nem proceda em desacordo com o seu provado propósito de colaborar com o Presidente da República, para que a Revolução alcance seus objetivos”. O recado da linha dura, através da voz do velho malandro Roberto Marinho, que usava e era usado pelos militares, era mais uma vez límpido e cristalino e, se havia alguma dúvida, a frase final do editorial era uma ordem diretamente vinda dos setores mais atrasados da caserna golpista: “a Revolução deve ser prestigiada e apoiada, jamais dificultada”.
O Globo e o AI-2
As preocupações de O Globo tinham fundamento e suas ameaças não eram vãs. Mesmo com as cassações e a repressão, em cinco dos onze estados foram eleitos oposicionistas, e em Minas Gerais e Rio de Janeiro os eleitos (respectivamente, Israel Pinheiro e Negrão de Lima) eram ligados ao presidente deposto João Goulart. A resposta do regime, logo após conhecer os resultados, foi decretar, no dia 27 de outubro, o estado de sítio e editar o ato institucional número 2, onde os partidos que ainda restavam foram fechados (as organizações comunistas foram perseguidas logo após o golpe), instituindo-se o bipartidarismo (Arena e MDB), os funcionários públicos passaram a ser demissíveis caso não demostrassem lealdade à “revolução”, o STF ganhou mais cinco membros indicados pelos militares de forma a garantir maioria no tribunal, além disso o Congresso Nacional podia ser fechado a qualquer momento pelo executivo, que aumentou enormemente seu poder discricionário, entre outras medidas autoritárias. Em editorial publicado no dia seguinte ao AI-2, 28 de outubro, Roberto Marinho comemorava: “O erro de muitos políticos brasileiros foi não ter compreendido que uma revolução não pode ser interrompida antes de atingir os objetivos que a tornaram necessária”. O Globo havia alcançado de fato uma grande vitória. Exigiu e obteve o endurecimento do regime, mas ainda não havia sido uma vitória completa.
AI-5 – O sonho realizado
Apenas três anos depois, com a edição do AI-5 e o triunfo definitivo da linha dura, foi que Roberto Marinho pôde contemplar a realização do seu sonho: uma ditadura feroz, um povo amordaçado e as mãos do sistema Globo completamente livres para seguir sua trajetória de negociatas e ilegalidades que lhe proporcionaram um imenso poder. O sistema Globo é, sem dúvida, um gigante cujos pés se apoiam na lama da história. Em outras edições do Notas Vermelhas, voltaremos ao tema.