Globo: A mentira padrão, o padrão da mentira e o caso Mujica
“O trabalho do jornalista é o de separar o joio do trigo. E publicar o joio”. Assim o jornalista e escritor Luis Fernando Veríssimo descreve com ironia o trabalho da imprensa. Esta ironia, no entanto, é expressão da prática jornalística que hoje domina as redações da mídia hegemônica. Partidarizada, sem qualquer compromisso com a isenção e a pluralidade de opiniões, a mídia brasileira tem um mantra que usa como escudo para as suas vilanias: “a defesa da liberdade de expressão”.
Publicado 11/05/2015 20:31
Esta é a mentira padrão. Em nome dela pode-se impunemente excluir qualquer visão que confronte a linha editorial dos barões midiáticos. As matérias e opiniões verdadeiramente independentes, quando chegam a existir, são apenas pequenas e honrosas exceções que na prática tornam-se irrelevantes diante do número de manchetes, colunas e reportagens que seguem fielmente o roteiro conservador e/ou reacionário.
O caso Mujica
Dois jornalistas, Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz, publicaram uma biografia sobre o ex-presidente do Uruguai, José Mujica, intitulada “Una oveja negra al poder”. No livro, que ainda não foi editado em português, existem diversas passagens com elogios ao ex-presidente Lula, confirmando o que Mujica sempre disse sobre Lula em entrevistas e pronunciamentos. No entanto, uma atenta repórter das organizações Globo, Cristina Tardáguila, pinçou uma frase do livro onde Lula diz a Mujica: “Essa era a única forma de governar o Brasil”. Com base nesta frase, Cristina e o Globo divulgaram para todo o Brasil que Lula confessou saber sobre o “mensalão”. A matéria da jornalista a soldo da família Marinho tinha, como se viu logo depois, quase nada de jornalismo e muito de manipulação.
O caso Mujica – o padrão da mentira
Um dos autores do livro desmentiu a reportagem: “Lula estava falando sobre as 'coisas imorais' (com as quais teve que lidar como presidente) e não sobre o mensalão. O que Lula transmitiu ao Mujica foi que é difícil governar o Brasil sem conviver com chantagens e 'coisas imorais’, escreveu Andrés Danza”. Mujica também desmentiu. “Ele me falou das pressões e das chantagens. Mas nada de dinheiro ou de corrupção”, contou Mujica, reafirmando: “nunca conversei com um brasileiro sobre o mensalão”. O Globo publicou o desmentido de Andrés Danza. A primeira matéria, de Cristina Tardáguila, tinha a seguinte
manchete: “Mujica, em livro, relata confissão de Lula sobre mensalão”. A matéria que traz o desmentido de Danza ganhou o título de “Lula diz que teve de lidar com 'coisas imorais', relatam uruguaios em livro”. Enquanto no primeiro caso a mentira é o destaque da manchete, o seu desmentido é totalmente subalternizado sendo necessária uma grande dose de paciência para, em meio ao joio, separar o trigo.
O álibi do padrão da mentira
A Globo publica e dá grande divulgação à mentira. Depois, de forma camuflada, também publica o desmentido. É, sem dúvida, uma sofisticação na arte de mentir. Mais ou menos como se o assassino ligasse para a polícia para denunciar o crime, visando com isto ter um álibi. Mas assim como o morto não voltará à vida, a verdade sempre sai muito ferida de uma operação midiática falsa. Ainda mais quando esta operação midiática tem anos de implementação, sempre com o objetivo de colar no governo, no PT e na esquerda a pecha de corrupção.
O ardil do padrão da mentira
Na edição desta segunda-feira (08) do jornal O Globo, o colunista amestrado Ricardo Noblat ignora o desmentido do autor do livro e reafirma a mentira de que Mujica teria feito “a confissão que Lula jamais fizera”. Sobre o desmentido do próprio Mujica, Noblat diz simplesmente que Lula “providenciou um desmentido” e decreta com a arrogância de um guarda da Gestapo: Mujica “não convenceu”. A desfaçatez de um pseudojornalismo que cria, deturpa ou ignora fatos, não é gratuita. O redator destas Notas Vermelhas ouviu nesta segunda-feira, de dois engravatados, entre risos, no aeroporto de Congonhas: “Mujica acabou com o Lula”. A jornalista do Portal Vermelho, Mariana Serafini, estava recentemente no Metrô de São Paulo quando entraram dezenas de professores em greve. Os professores cantaram várias músicas denunciando o governo Alckmin (PSDB). Ao saírem, a população os aplaude. Uma senhora puxa conversa com a jornalista e pergunta o que ela acha da manifestação. Mariana responde que apoia e a senhora comenta: “É isso mesmo, tem que derrubar esta Dilma”.
As consequências do padrão da mentira
Um público já convencido de uma “verdade” criada por uma operação midiática falsa torna-se cada vez mais receptivo às novas mentiras que apenas confirmam a convicção já sedimentada. Aos poucos, a convicção de que alguém e/ou algo é o mal, de tanto ser alimentada, transforma-se em um sentimento de ódio. E com um sentimento de ódio dificilmente consegue-se dialogar, pois pouco espaço resta para a razão. Assim, pessoas acreditam (segundo pesquisa da USP) que o PT trouxe 50 mil haitianos para votarem na Dilma, que o filho do Lula é dono da Friboi, que se antes ninguém era preso no Brasil por corrupção é por que a corrupção começou com o PT, entre outros tantos absurdos que ganham cada vez mais corpo diante de um governo que, perante esta ofensiva, parece optar pela tática suicida da conciliação com a máfia midiática.
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