Marcelo Fernandes: PIB 2014, quando a receita é errada o bolo desanda

As Contas Nacionais divulgadas nesta sexta-feira (27/03) mostram um resultado pífio do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014: crescimento de 0,1% em relação ao ano anterior. O resultado – ainda que melhor do que apontavam as projeções do mercado para desespero dos catastrofistas – não causou surpresas. A presidenta Dilma vem atribuindo o mau resultado econômico ao cenário externo.

Por Marcelo Pereira Fernandes*, especial para o Vermelho

De fato, a situação econômica da Europa ainda não é das melhores. A China vem reduzindo o ritmo de crescimento, enquanto outras economias emergentes também desaceleram. Porém, a taxa de juros continua baixa nos Estados Unidos e o Brasil continua recebendo investimentos externos. Ano passado, por exemplo, o país recebeu US$ 66 bilhões somente em investimento externo direto. Portanto, não é possível jogar toda culpa ao cenário externo.

Desde 2011 o país voltou a conviver com baixas taxas de crescimento, revertendo o período de 2004-2010 quando a média de expansão do PIB ficou em 4,5%, com melhora na distribuição de renda e inflação baixa. Entretanto, no primeiro semestre de 2011 houve uma inflexão ortodoxa na condução da política econômica com a revisão das políticas de combate à crise financeira internacional de 2008. Nesse sentido, o Banco Central elevou os juros e contraiu a oferta de crédito ao consumidor, enquanto a Fazenda aumentou o superávit primário do setor público que passou de 2,77% do PIB para 3,74% do PIB em julho de 2011 e reduziu os investimentos públicos. Ou seja, tanto a política fiscal quanto a política monetária se tornaram contracionistas com o objetivo de arrefecer a atividade econômica e baixar a inflação .

As políticas contracionistas de 2011 alcançaram seu objetivo em relação à atividade econômica: de um crescimento econômico de 7,53% em 2010, em 2011 a economia desacelerou para 2,73%. O mesmo sucesso não ocorreu em relação à inflação que ficou em 6,5%, ou seja, no teto meta definida pela autoridade monetária. É importante destacar que a inflação estava principalmente relacionada à elevação do preço das commodities no mercado internacional, uma variável fora do controle do governo e no qual a taxa de juros interna não tem influência.

Com o aprofundamento da crise na zona do euro no segundo semestre de 2011 e a queda do crescimento, o governo priorizou a redução das taxas de juros que passou de 12,5% em julho de 2011 para 7,5% em agosto de 2012. A política fiscal também foi flexibilizada através do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), desonerações fiscais e redução do superávit primário de 3,7% em agosto de 2011 para 2,5% do PIB em julho de 2012.

Mas se reverter o crescimento econômico foi fácil, tentar convencer o setor produtivo a investir novamente depois da freada brusca da atividade econômica em 2011, parece muito mais difícil. Daí o resultado medíocre do PIB em 2012 e em 2013 (crescimento de 1,03% e 2,49%, respectivamente). Além disso, mesmo com o baixo crescimento o governo voltou a dar prioridade ao combate à inflação: a taxa Selic que chegou ao nível histórico de 7,25% em outubro de 2012 terminou 2014 em 11,75%, e neste momento já está em 12,75%.

Agora não apenas a taxa de juros continua a subir neste início do novo mandato, como o governo anunciou em janeiro um ajuste fiscal. O ajuste provocou o atraso no começo das aulas de algumas universidades federais por falta de material de limpeza, mas no longo prazo o governo espera que a austeridade gere expectativas positivas no setor privado. Sobre o 0,1% de 2014, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, informa que estamos num momento de transição para recuperação das exportações. Isto é, com uma politica fiscal e monetária contracionista, o governo aposta no aumento das exportações para acelerar o crescimento. E, para isso, vem permitindo que o real se desvalorize. A questão é saber se com o atual cenário internacional a desvalorização cambial, além de aumentar as a rentabilidade dos exportadores, também será suficiente para elevar consideravelmente as exportações.

Vale lembrar que o real não é a única moeda que se desvaloriza em relação ao dólar. De acordo com Rafael Bistafa, economista da Rosenberg Associados que monitora o mercado cambial, numa cesta de 21 moedas relevantes, 20 perderam valor nestes primeiros meses do ano . Ainda há o efeito negativo sobre a inflação que a desvalorização cambial acarreta. Com isso, é muito provável que este ano inflação ultrapasse o teto da meta de 6,5%, o que levaria o Banco Central a manter a taxa de juros elevada, elevando o desemprego e dificultando ainda mais a recuperação. Isso sem contar, com as consequências deletérias da Operação Lava Jato sobre a economia. Em uma conjuntura como essa é difícil esperar que o setor privado restaure sua confiança.

Nesse sentido, que tal o governo apostar na receita historicamente bem sucedida da elevação do investimento público? Ainda há tempo.


* Marcelo Pereira Fernandes, doutor em economia pela UFF, e professor do Departamento de Economia da UFRRJ.

1 Cf. Em CAGNI, Rafael Fagundes et al (2013).“A Gestão Macroeconômica do Governo Dilma (2011 e 2012)”, há uma análise detalhada da política econômica do período.

2 Cf. a reportagem da BBC Brasil de Ruth Costa, “Mesmo mais fraco, real mantém valor frente ao euro” Disponível em: