Fidel Castro: "Não confio na política dos Estados Unidos"
O líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, enviou uma mensagem nesta segunda-feira (26) à Federação Estudantil Universitária no quadro do 70º aniversário de seu ingresso na Universidade de Havana. No texto, Fidel ressalta que não confia na política dos Estados Unidos. Leia a íntegra abaixo:
Publicado 27/01/2015 06:33
Para meus companheiros da Federação Estudantil Universitária
Queridos companheiros:
Desde o ano de 2006, por questões de saúde incompatíveis com o tempo e o esforço necessário para cumprir um dever — o que me impus a mim mesmo quando ingressei nesta Universidade em 4 de setembro de 1945, há 70 anos —, renunciei aos meus cargos.
Não era filho de operário nem carente de recursos materiais e sociais para uma existência relativamente cômoda; posso dizer que escapei milagrosamente da riqueza. Muitos anos depois, o norte-americano mais rico e sem dúvida muito capaz, com quase 100 bilhões de dólares, declarou ― segundo publicou uma agência de notícias na quinta-feira da semana passada (22) —, que o sistema de produção e distribuição privilegiada das riquezas converteria de geração em geração os pobres em ricos.
Desde os tempos da antiga Grécia, durante quase 3 mil anos, os gregos, sem ir mais longe, foram brilhantes em quase todas as atividades: física, matemática, filosofia, arquitetura, arte, ciência, política, astronomia e outros ramos do conhecimento humano. A Grécia, contudo, era um território de escravos que realizavam os mais duros trabalhos em campos e cidades, enquanto uma oligarquia se dedicava a escrever e filosofar. A primeira utopia foi escrita precisamente por eles.
Observem bem as realidades deste conhecido, globalizado e muito mal dividido planeta Terra, onde se conhece cada recurso vital depositado em virtude de fatores históricos: alguns com muito menos recursos do que necessitam; outros, com tantos que não têm o que fazer com eles. Agora, em meio a grandes ameaças e perigos de guerras reina o caos na distribuição dos recursos financeiros e na repartição da produção social. A população do mundo cresceu, entre os anos 1800 e 2015, de um bilhão a sete bilhões de habitantes. Poderão ser resolvidos dessa forma o incremento da população nos próximos 100 anos e as necessidades de alimento, saúde, água e moradia que a população mundial terá, quaisquer que sejam os avanços da ciência?
Bem, deixando de lado estes enigmáticos problemas, é de admirar pensar que a Universidade de Havana, nos dias em que eu ingressei nesta querida e prestigiosa instituição, há quase três quartos de século, era a única que existia em Cuba.
Certamente, companheiros estudantes e professores, devemos recordar que não se trata de uma, mas contamos hoje com mais de cinquenta centros de Educação Superior espalhados em todo o país.
Quando vocês me convidaram para participar no lançamento da jornada pelo 70º aniversário de meu ingresso na Universidade, o que soube com surpresa, e em dias muito atarefados por diversos temas nos quais talvez ainda possa ser relativamente útil, decidi descansar dedicando algumas horas à recordação daqueles anos.
Impressiona-me descobrir que se passaram 70 anos. Na realidade, companheiros e companheiras, se me matriculasse de novo nessa idade como alguns me perguntam, responderia sem vacilar que seria em uma carreira científica. Ao graduar-me, diria como Guayasamín: Deixem-me uma luz acesa.
Naqueles anos, já influenciado por Marx, consegui compreender mais e melhor o estranho e complexo mundo em que a todos nos coube viver. Pude prescindir das ilusões burguesas, cujos tentáculos enredaram muitos estudantes quando menos experiência e mais ardor possuíam. O tema seria longo e interminável.
Outro gênio da ação revolucionária, fundador do Partido Comunista, foi Lênin. Por isso, não vacilei um segundo quando no julgamento do Moncada, onde me permitiram assistir, mesmo que somente uma vez, declarei perante juízes e dezenas de altos oficiais batistianos que éramos leitores de Lênin.
Não falamos de Mao Zedong porque ainda não tinha terminado a Revolução Socialista na China, inspirada em idênticos propósitos.
Advirto, contudo, que as ideias revolucionárias hão de estar sempre em guarda à medida que a humanidade multiplique seus conhecimentos.
A natureza nos ensina que podem ter transcorrido dezenas de bilhões de anos luz e a vida em qualquer de suas manifestações está sempre sujeita às mais incríveis combinações de matéria e radiações.
A roca de cumprimentos pessoalmente entre os presidentes de Cuba e dos Estados Unidos ocorreu no funeral de Nelson Mandela, insigne e exemplar combatente contra o Apartheid, que tinha amizade com Obama.
Basta assinalar que já naquele dia, tinham transcorrido vários anos desde que as tropas cubanas derrotaram de forma esmagadora o exército racista da África do Sul, dirigido por uma burguesia rica e com enormes recursos econômicos. É a história de uma contenda que está por ser escrita. A África do Sul, o governo com mais recursos financeiros daquele continente, possuía armas nucleares fornecidas pelo Estado racista de Israel, em virtude de um acordo entre este e o presidente Ronald Reagan, que o autorizou a entregar os dispositivos para o uso de tais armas com as quais golpear as forças cubanas e angolanas que defendiam a República Popular de Angola contra a ocupação desse país pelos racistas. Desse modo se excluía toda negociação de paz enquanto Angola era atacada pelas forças do Apartheid com o exército mais treinado e equipado do continente africano.
Em tal situação não havia possibilidade alguma de uma solução pacífica. Os incessantes esforços por liquidar a República Popular de Angola para sangrá-la sistematicamente com o poder daquele bem treinado e equipado exército, foi o que determinou a decisão cubana de assestar um golpe contundente contra os racistas em Cuito Cuanavale, antiga base da Otan, que a África do Sul tratava de ocupar a todo custo.
Aquele prepotente país foi obrigado a negociar um acordo de paz que pôs fim à ocupação militar de Angola e o fim do Apartheid na África.
O continente africano ficou livre de armas nucleares. Cuba teve que enfrentar, pela segunda vez, o risco de um ataque nuclear.
As tropas internacionalistas cubanas se retiraram com honra da África. Sobreveio então o Período Especial em tempo de paz, que durou já mais de 20 anos sem levantar bandeira branca, algo que não fizemos nem faremos jamais.
Muitos amigos de Cuba conhecem a conduta exemplar de nosso povo e lhes explico a minha posição essencial em breves palavras.
Não confio na política dos Estados Unidos nem troquei uma só palavra com eles, sem que isto signifique, muito menos, um rechaço a uma solução pacífica dos conflitos ou perigos de guerra. Defender a paz é um dever de todos. Qualquer solução pacífica e negociada aos problemas entre os Estados Unidos e os povos ou qualquer povo da América Latina, que não implique a força ou o emprego da força, deverá ser tratada de acordo com os princípios e normas internacionais. Defenderemos sempre a cooperação e a amizade com todos os povos do mundo e entre eles os de nossos adversários políticos. É o que estamos reclamando para todos.
O presidente de Cuba deu os passos pertinentes de acordo com suas prerrogativas e faculdades que lhe concedem a Assembleia Nacional e o Partido Comunista de Cuba.
Os graves perigos que hoje ameaçam a humanidade teriam que dar lugar a normas que fossem compatíveis com a dignidade humana. Nenhum país está excluído de tais direitos.
Foi com este espírito que lutei e continuarei lutando até o último suspiro.
Fidel Castro Ruz
26 de janeiro de 2015, às 12h35
Fonte: Granma; tradução de José Reinaldo Carvalho, editor do Portal Vermelho