Agora, conta outra

O covarde atentado contra a revista Charlie Hebdo, imediatamente condenado por todas as forças amantes da paz e do progresso, tem se prestado, como já registrou o Vermelho*, a muitas confusões.

Rafinha Bastos 2

Rafinha Bastos, humorista, autor de piadas como “toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra caralho” ou, esta outra, postada no dia das mães: “ae órfãos! Dia triste hoje, hein?”, assina longo artigo na Folha de S. Paulo de 16/1, onde se apresenta como um baluarte da liberdade de expressão. Bastos é o tipo de humorista que se tivesse vivido durante a escravidão faria piada sobre os negros, se tivesse vivido durante o nazismo faria piada sobre judeus e comunistas, se tivesse vivido durante a ditadura militar brasileira faria piada sobre os “terroristas” (jargão usado pelo regime militar para estigmatizar os militantes pela democracia). Símbolo da liberdade de expressão? Rafinha, conta outra.

Revolta contra o pensamento

Articulistas da Folha de S. Paulo continuam a cruzada contra o direito de se refletir sobre o que aconteceu na França, exigindo de todos apenas a condenação sem maiores reflexões. Ricardo Bonalume, na Folha de 16/1, investe contra acadêmicos (a palavra acadêmicos foi colocada entre aspas para acentuar o desprezo do redator por esta gente, “em geral de esquerda”) que atribuem o atentado ao “colonialismo europeu no passado” e pergunta, angustiado: “nenhum repórter consegue achar um professor universitário sensato?”.

Professores sensatos

Não chegou ao nosso conhecimento qualquer análise que reduzisse o que aconteceu na França ao “colonialismo europeu no passado”. Mas a partir deste pretexto é que Ricardo faz uma digressão rasa e incrivelmente tosca sobre o processo histórico de luta anticolonial na África e deixa clara sua simpatia pelos colonizadores que, segundo ele, trouxeram progresso a um continente habitado por um povo incapaz de governar sem a presença dos antigos senhores.
Não são necessários comentários sobre estas opiniões de Bonalume, mas é sempre bom registrar que O Estado Islâmico é, sem dúvida, um absurdo, mas há pouco tempo a França e seus parceiros da Otan chamavam os militantes do E.I. de insurgentes e financiaram estes mesmos grupos hoje considerados inimigos da humanidade. Os antigos colonizadores mudaram de métodos mas continuam se movendo pelos mesmos objetivos de saque e exploração, realidade mais do que clara exceto para Ricardo e os “professores sensatos” que com ele concordam.

Frase reveladora

Fernando Gabeira, em artigo publicado no Estado de S. Paulo de 16/1 também analisa o atentado. De toda a verborragia de Gabeira uma frase revela a essência de seu pensamento subserviente ao imperialismo: “Muitas comunidades mulçumanas colaboram com os EUA no combate ao terrorismo. E pode estar nesta colaboração a forma mais eloquente de dissociar o Islã da violência”. Além de pregar a adesão total aos EUA, Gabeira quer que os mulçumanos palestinos, por exemplo, colaborem com quem financia as armas que destroem suas casas e matam sua gente. Se Gabeira quiser, marcamos uma visita à Faixa de Gaza para que lá ele defenda esta tese.

A resposta do Beluzzo

Em densa entrevista concedida ao Valor de 16/1 onde chega a afirmar que Dilma “capitulou diante das pressões do mercado”, Luiz Gonzaga Belluzzo responde da seguinte forma à pergunta da jornalista Flavia Lima, que quer saber o que ele acha do Ministro Joaquim Levy. Um trecho da resposta: “ao contrário do que disse (o economista) Luiz Carlos Mendonça de Barros, ninguém acha que o Levy é um demônio. (…) O nosso amigo Luiz Carlos quis acusar nós, da Unicamp, de considerarmos Chicago e (o economista liberal americano) Milton Friedman demônios. Eu acho o Friedman um idiota que conseguiu angariar o apoio de outros”. Dez entre dez neoliberais ficaram horrorizados.

Estadão, o silêncio que grita

A monolítica pregação da imprensa hegemônica é escandalosa. A página A3 em O Estado de S. Paulo é destinada à opinião editorial do jornal (que, é claro, não fica restrita só a esta página). Na edição de 16/1 são três artigos sem assinatura na A3, ou seja, de responsabilidade do jornal. O primeiro fala das “inverdades repetidas” pela presidente Dilma Rousseff no campo da economia. O segundo critica Juca Ferreira, Ministro da Cultura, e o terceiro ataca o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT). Nenhuma palavra sobre a desastrada condução do governador tucano Geraldo Alckmin diante da grave crise de abastecimento de água no estado de São Paulo. É o silêncio que grita.

* Alguns artigos do Vermelho sobre o atentado na França:

https://dev.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=6568&id_coluna=71
https://dev.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=6585&id_coluna=137 e https://dev.vermelho.org.br/noticia/257080-9

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