MK Bhadrakumar: "Ocidente" bate em retirada na Ucrânia

Considerando o muito que a Casa Branca inflou a importância da visita do presidente Petro Porochenko da Ucrânia – até recebeu a “rara honraria” de falar numa sessão conjunta do Congresso dos EUA – seria de se imaginar que o governo de Barack Obama estaria entrando em surto de humor cada vez menos amistoso em relação à Rússia. Mas, não. Para comprovar, basta examinar os detalhes das declarações oficiais de Obama após reunião com Porochenko.

Por MK Bhadrakumar*, no Indian Punchline

Piotr Poroshenko e Barack Obama

Obama é político suficientemente esperto, para dar, ao que é retirada, ares de vitória. Já fez isso no Afeganistão. Está fazendo também na Ucrânia? Pode ser. Considerem, por exemplo, que Obama, que zombou do diálogo de Minsk; agora, passou a elogiar e apoiar.

Também advoga que a Ucrânia deve manter “boas relações com todos os vizinhos no ocidente e no oriente”, e recomendou que a Ucrânia preserve os fortes laços econômicos e entre os dois povos, que a liga à Rússia. É Obama nova safra.

Será que estamos vendo sinais de que Obama está aconselhando Porochenko a acertar-se diretamente com Moscou? Parece que sim. De volta a Kiev, Porochenko revelou hoje (24/9/2014) que os EUA só fornecerão itens militares “não letais” à Ucrânia, resultado que, é claro, está longe de satisfazer a longa lista de pedidos que Porochenko levou a Washington.

E quanto a ajuda econômica, a Casa Branca só concordou em presentear minguados US$ 50 milhões para ajudar Porochenko a chegar até o começo de 2015. É tragicômico, se se sabe, por informação do FMI, que a Ucrânia precisa de cerca de US$ 19 bilhões no início do ano, se a guerra civil continuar, só como ajuda financeira para sobreviver ao primeiro semestre, além de um programa global de resgate para a Ucrânia.

Enquanto isso, o FMI já revisou suas próprias estimativas, seis meses antes do previsto, e diz agora que são necessários espantosos US$ 55 bilhões, como ajuda financeira externa para resgatar a Ucrânia. Especialistas avaliam que, hoje, esse número pode já estar mais perto de US$ 100 bilhões, que de US$ 55 bilhões.

É piada macabra – oferecer reles US$ 50 milhões, depois de ter empurrado a Ucrânia a fazer guerra contra a Rússia! De onde virão os faltantes US$ 18,950 bilhões, para que a Ucrânia sobreviva mais um ano?

Ora, ora! Terão de vir da Europa, e de onde viriam? Mas de quem, na Europa? Não será da Polônia, nem da Lituânia, nem da Estônia: terá de vir da “Velha Europa”. Na verdade, a Alemanha terá de abrir a bolsa. A chanceler Angela Merkel deve estar sapateando de fúria.

Diferente das estimativas iniciais, a contração da economia ucraniana esse ano alcançará os dois dígitos. São fatos que ajudam a entender alguns desdobramentos que envolveram a Ucrânia em semanas recentes:

(a) a decisão sumária tomada pela União Europeia de congelar o tal Acordo de Associação Comercial tão apressadamente assinado com a Ucrânia, e lá deixá-lo, no mínimo, até o final de 2015;

(b) o robusto apoio que a União Europeia decidiu dar ao acordo de Minsk entre Kiev e os federalistas no sudeste da Ucrânia;

(c) a reunião top secret entre os ministros de Relações Exteriores de França, Alemanha e Rússia à margem da recente Conferência Internacional de Paris, em que discutiram o Estado Islâmico;

(d) o reconhecimento, atrasado, mas que afinal apareceu, pela OTAN, de que a Rússia retirou tropas que havia reunido na fronteira da Ucrânia; e

(e) reunião que aconteceu em 24 de setembro, no final do dia, em New York, entre os ministros de Relações Exteriores de Rússia e EUA.
 

Tudo isso considerado, o presidente Vladimir Putin da Rússia pode estar obtendo mais uma vitória diplomática das grandes, agora que o “ocidente” está obrigado a reconhecer que Moscou tem, sim, interesses legítimos envolvidos na Ucrânia. O “ocidente” está sem saída, exceto aceitar que a economia da Ucrânia é conectada com Moscou por um cordão umbilical que não pode ser rompido; e sem a cooperação dos russos, a Ucrânia não poderá ser resgatada.

Analisado em retrospecto, Moscou fez muito bem ao decidir ignorar a mais recente rodada de sanções que a União Europeia anunciou há três semanas. Tudo indica que Porochenko já começa a considerar a possibilidade de que Putin seja seu único interlocutor consequente, que diz e faz coisa-com-coisa.

Concorrentemente, Washington bem faria se começasse a reconhecer que entender-se com Moscou já é, na prática, uma necessidade, se quer realmente mobilizar alguma espécie de campanha internacional contra o Estado Islâmico. Sinal de que os ventos estão começando a soprar nessa direção é que o ex-Secretário da Defesa britânico e deputado conservador Liam Fox, já alertou explicitamente a Europa e os EUA, de que devem abster-se de fazer ameaças contra a Rússia, por causa da Ucrânia.

Fox disse que:

(…) entendo que é muito importante que parem de fingir que vocês [o “ocidente”] farão ou podem fazer coisas que não farão, porque claramente não podem fazer. Insistir em falsas ameaças, me parece, é problema grave. Temos vários outros modos para lidar com a questão ucraniana. Bravo!
 

Que ninguém se surpreenda, portanto, se dia desses Putin entrar em cena para socorrer Obama, mais uma vez, na Síria. A Rússia pode ajudar Obama

(a) a legitimar a campanha internacional contra o Estado Islâmico, garantindo aos EUA a autorização de que precisa no Conselho de Segurança da ONU; e
 
(b) a Rússia pode ajudar os EUA nas negociações (ou na falta de negociações) entre EUA e o presidente Bashar al-Assad da Síria.
 

Que ninguém se engane: a posição da Rússia é absolutamente clara e inequívoca, de total apoio à campanha internacional liderada pelos EUA contra o Estado Islâmico (o que se confirma aqui, aqui e aqui).

A única questão importante da qual a Rússia não abrirá mão e sobre a qual não cederá é que as operações dos EUA na Síria têm de ter o acordo do governo sírio e/ou têm de ser autorizadas por mandado da ONU; o caso é que Obama não pode requerer a autorização no Conselho de Segurança da ONU, enquanto temer o voto contra, de Moscou.

*Foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.

Fonte: blog Redecastorphoto. Tradução Vila Vudu