Renato Rabelo: Desabrocha e cresce a campanha da reeleição de Dilma
O curso tumultuado e de acontecimentos abruptos da eleição presidencial vai adquirindo uma tendência de certa previsibilidade. Qual o centro da contradição em evolução? A luta entre dois projetos para o Brasil nas condições atuais, que se expressa em acirrado embate político e de ideias do campo democrático, popular e progressista em contraposição ao campo conservador, liberal-financeiro. Esta é a síntese da disputa política eleitoral da campanha pela Presidência da República.
Por Renato Rabelo*
Publicado 23/09/2014 19:28
O bloco conservador que compõe, na sua aliança, os grandes grupos de mídia do país, atingindo milhões de pessoas, já desde o ano passado concentrou o gume de seu ataque em fazer desacreditar a presidenta Dilma, numa feroz e ostensiva campanha antagônica. De modo explícito, seu objetivo eleitoral principal é impedir a reeleição da presidenta, abrindo caminho para a predominância dos seus desígnios. É impossível para essas forças conservadoras e oligárquicas, pró-imperialistas, como tem sido na nossa história, aceitar a continuidade do ciclo político aberto por Lula em 2002, que é expressão de correntes democráticas e de esquerda. Desse modo, por óbvio, para eles, o seu recurso confiável foi a escolha da candidatura de Aécio Neves, originário das hostes em defesa de seus grandes interesses, com o aval do grão-tucano Fernando Henrique Cardoso.
Marina, instrumento do bloco conservador
Mas, diante do imprevisto – a morte trágica de Eduardo Campos, a súbita ascensão de Marina Silva e o declínio de Aécio Neves –, a aliança conservadora no seu desiderato obsessivo de truncar o ciclo político aberto em 2003 buscou sua alternativa em face do inesperado, encontrando receptividade mútua na candidatura de Marina Silva. Outro pacto conservador se estabeleceu.
Como já tínhamos afirmado, o “mercado financeiro” – oligarquia financeira e forças conservadoras –, através de Marina, encontrou alguém capaz de topar o que exigem, com uma vantagem: ela poderia até ser exposta nesta eleição como uma espécie de adereço simbólico, representando um “Lula de saias”. Essa nova situação se desenrolou, num verdadeiro recomeço da campanha presidencial.
A chamada onda Marina, com as garantias dadas por ela ao “mercado”, com tudo de emoção e apelação simbólica, entusiasmou a santa aliança antiDilma, refletindo no disparo da Bolsa de Valores. A festa chegou ao cume nesse arraial. Seus festeiros passaram a vaticinar a decisão do pleito, ganho por Marina, já no primeiro turno.
Nem tudo que reluz é ouro
Mas, nem tudo que brilha é luz. A candidatura de Marina em pouco tempo foi demonstrando sua fragilidade, inconsistência, contradições, seu verdadeiro compromisso e opção. Ela foi se adaptando a cada passagem da campanha, imprimindo erratas sucessivas em posições importantes de seu improvisado programa. Em verdade, vem sendo uma candidatura de duas faces, num verdadeiro molejo de afirmação e negação do mesmo tema. É inevitável, então, por todos imaginar Marina na condição de presidente da República, sujeita assim a enormes pressões e disputas. Crescentes contingentes do povo vão se dando conta de ser uma fraude o que ela representa na sua apelação messiânica e forçadamente emocional.
Assim, o projeto que vem sendo pactuado por Marina e seus cortesões, fundamentalmente, é o mesmo de Aécio Neves, comprometido com o campo conservador, liberal-financeiro. Não há nenhuma terceira via! Marina fez sua opção, completou sua travessia para o outro lado, extrapolando até o receituário neoliberal aplicado por Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990. Como os convertidos, para dar demonstração de sua nova crença, Marina topou “assegurar o mais rapidamente possível a independência do Banco Central, de forma institucional”, ou seja, dar ao Banco Central o caráter de um poder de Estado, independente do Executivo. Nem os tucanos tinham ainda chegado a tanto.
O “mercado” não festeja sem garantias certificadas. E ainda correu atrás do chamado agronegócio, contrariando o que defendia, prometendo juras de compromisso para ter a sua confiança. A “nova política” como o seu prato de resistência, pregação da negação dos partidos, tornou-se claro ardil político. “Hóspede” do Partido Socialista Brasileiro (PSB), a candidata ao Planalto transforma essa legenda em instrumento dos seus compromissos e objetivos. Através de seu vice, Beto Albuquerque, reconhece que “não se pode governar sem o PMDB”, não se afastando da “velha política” tanto quanto quer aparentar. O PSB, seu partido hospedeiro, mantém-se como linha auxiliar do PSDB nos importantes estados de São Paulo e Paraná. A candidata ao Planalto esconde zelosamente as fontes de seus altos rendimentos. A transparência vale para os outros, não para ela. Marina passou a negar o papel fundamental do pré-sal para o futuro do país; propôs modificar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), flexibilizar o conceito de trabalho escravo, tudo indicando uma ameaça regressiva.
Essa visão mesclada com as propostas econômicas de cunho neoliberal e sobre o desenvolvimento nacional, defendidas por seus expoentes ideólogos, demonstra uma concepção antagônica à linha de continuar o aprofundamento das mudanças através da realização das reformas democráticas estruturais, progresso social e afirmação da soberania nacional e integração solidária com nossos vizinhos.
Em tempo a verdade vai se impondo. Neste momento, os analistas de plantão do próprio campo oposicionista são forçados a reconhecer que Marina perde terreno no seu súbito favoritismo e que já “esteja em curso uma corrosão política da postulação marinista” (Editorial da FSP, 20-09-2014). As sondagens de opinião, em grande parte submetidas aos monopólios de comunicação, pela aproximação do pleito são forçadas a diminuir sua margem de manipulação. Começa se esboçar a tendência de queda gradativa de Marina, subida progressiva da candidatura da presidenta Dilma. Apesar da força de vontade oposicionista em fazer inflar o seu campo, tentando ressuscitar a candidatura de Aécio, pode-se constatar desde agora que a tendência principal que vai se firmando é de crescimento da candidatura à reeleição de Dilma Rousseff.
A aliança oposicionista tem a mídia monopolista – TV, radio, jornais e revistas – como sua grande divulgadora, dado que, verdadeiramente, é de longe o maior tempo de propaganda política contra a candidatura de Dilma e de sua base de aliança. Nesta fase de agudeza da campanha, suas manifestações oposicionistas não se resumem aos inúmeros articulistas escolhidos e pagos ao seu dispor, seus editoriais intolerantes ao governo, mas, ainda mais grave, entram no terreno das notícias, para “informar”, seguindo o padrão de distorcer, ou encobrir os 80% da conquista alcançada, destacando apenas os 20% que faltam, para arrematar como resultados de um governo desastroso. Os exemplos são múltiplos e variados. Podem-se citar as suas manifestações recentes diante da conquista histórica na qual o Brasil pela primeira vez sai do mapa estrutural da fome, fato destacado e reconhecido pelos organismos pertinentes da ONU e omitido por eles, ou a sua parcialidade ostensiva diante de grandes conquistas desses últimos anos reveladas nos dados do Pnad, malgrado que dados ainda mais positivos não foram devidamente apresentados, reconhecidos agora por erros na sua compilação.
Intricado dilema da oposição conservadora
A luta política e de ideias em torno das convicções de temas relevantes, assumidos diretamente pela presidenta Dilma, e seus aliados, no embate explícito com Marina e demais candidatos, tem sido reveladora e necessária para a decisão do povo. No entanto, na ótica da grande mídia oposicionista, esse embate esclarecedor é concertado por essa, com a denominação de “ataques” e “campanha do medo”, num claro viés de sua posição antiDilma. Entretanto, o verdadeiro ataque partiu de Marina, quando deixou o plano da própria política, para se insurgir arrogantemente contra o PT, acusando-o levianamente de ter colocado um diretor na Petrobras para “assaltar” (sic) essa estatal. Esse Partido teve que apelar em sua justa defesa no plano judiciário, impetrando uma ação contra a agressão rasteira de Marina Silva.
A tendência que vai se esboçando de retomada e avanço da candidatura democrática e mudancista de Dilma Rousseff incomoda acerbamente o bloco oposicionista. Sua aliança odienta e desesperada, antiDilma, antiPT, antiesquerda, contrária ao avanço democrático e popular, leva esse consórcio oposicionista ao desespero e provocação. Nessa situação, saem, como sempre, do terreno próprio da política para engrossar o ataque no âmbito de uma farisaica moral contra a base política do governo democrático e progressista, no uso recorrente dos meios tradicionais da direita udenista-lacerdista, na tentativa de confundir para virar o jogo. Fernando Henrique Cardoso clama a Aécio para que “dramatize sobre suspeitas da Petrobras”.
A esta altura, próximo do final do primeiro turno, a aliança oposicionista conservadora passou a viver intricado dilema. As suas duas candidaturas: a de Aécio não manifesta sinal de uma recuperação maior, enquanto a de Marina vai esboçando indicações de estagnação e certo declínio. Mas o que pesa mais para os oposicionistas é a demonstração incessante que tem revelado grande fragilidade e inconsistência dessa candidatura. Para eles, uma aposta de premissa exitosa no início, contando com a adesão satisfatória dessa candidata às suas exigências fundamentais, mas que, por sua própria vulnerabilidade cada vez mais exposta, condicionou uma situação de insegurança no sucesso do empreendimento marinista. Esta é uma situação objetiva que amedronta os círculos oposicionistas conservadores, financeiros, pró-imperialistas, tornando-os mais temerosos acerca do resultado que almejam alcançar.
A luta política e ideológica se estende na campanha
O campo democrático e mudancista tem avançado e se impõe na luta de ideias, na luta política; a posição e postura firmes e coerentes da presidenta Dilma em procurar esclarecer a trajetória de seu governo, que optou em seguir o caminho de garantir no bojo da crise internacional do sistema elevado nível de emprego e da renda do trabalho; a motivação e mobilização crescente da militância do nosso campo. Tudo isso contribuiu para se ir desnudando a verdadeira face da candidatura de Marina Silva e os intentos das forças conservadoras. A inconsistência da candidatura de Marina veio sendo exposta à luz do dia. A sua coerência foi posta à prova – ela pode se tornar uma errata de si mesma. A candidatura de Aécio Neves já vinha sendo desmascarada no curso do embate político eleitoral, isto já acontecendo no seu próprio estado de origem, onde assumiu o governo por duas vezes.
Posições nodais entre os dois campos políticos em luta são vincados explicitamente permitindo o esclarecimento mais amplo da população. Marina à medida que passou inteiramente para o outro lado se confundiu com as concepções conservadoras, liberal-financeiras e de alinhamento e dependência com as grandes potências capitalistas. O mesmo campo dos grandes interesses dos grupos financeiros globalizados representados por Aécio. Vai se tornando patente mais amplamente que, em suma, a “mudança” defendida por Marina e Aécio é a mudança de volta às bases do projeto da década de 1990, encabeçado por Fernando Henrique Cardoso, ancorado nos paradigmas neoliberais, cujos ideólogos e autores que instruem hoje as duas campanhas oposicionistas são os mesmos componentes da escola neoliberal desse período. A mudança defendida por Dilma é mudança para ir adiante, ou seja, se abre uma nova etapa, um “novo ciclo histórico” de crescimento – resultante das mudanças alcançadas até hoje –, que avança e aprofunda as transformações.
O debate que evolui se torna de conhecimento mais amplo, estando expresso em temas relevantes.
A visão do desenvolvimento nacional na qual despontou dois temas divisores de água: Banco Central independente de forma institucional, portanto conformado em lei como uma instituição fora do poder Executivo, responsável pela condução macroeconômica à parte do governo federal; o papel dos bancos públicos – fortalecidos nesse último período – passaria a um plano auxiliar dos bancos privados, abrindo caminho para a própria privatização daqueles.
O papel fundamental do pré-sal e seu modelo de exploração que garante a soberania do Estado nacional sobre essa imensa riqueza, destinada em grande parte para a educação, saúde e tecnologia e inovação – outra grande conquista desse último período –, é colocado por eles à margem da prioridade para o desenvolvimento, mudando seu modelo de exploração e abrindo caminho para um modelo privatizante.
A visão do papel do desenvolvimento com distribuição de renda e inclusão social maior é conquista desse recente período Lula/Dilma. Marina ao defender a “atualização”, leia-se flexibilização da CLT, mais uma rendição da sua conversão, abriu caminho para esse debate. Na visão do campo conservador liberal, o argumento essencial é de que a criação de riqueza depende de incentivos de renda. Desse modo, a desigualdade seria funcional, necessária para o crescimento e pode ser “corrigida” pelo próprio mercado. Ao contrário do que defendemos. Em linguagem simples, a premissa deles é primeiro crescer o bolo para depois dividi-lo… A história demonstra como é essa “divisão” depois. Por isso, a campanha tangível para o povo, e que vai ganhando grande dimensão, no dizer da presidenta Dilma é: “Voltar à época de vacas magras para o trabalhador? Nem que a vaca tussa”. Ou o slogan agora das Centrais sindicais: “Mexer nos meus direitos? Nem que a vaca tussa”.
A luta política e ideológica vai ganhando as ruas e a consciência do povo. Assim, as nossas ideias se transformam em força material, sendo o passo decisivo para o povo compreender o que está realmente em jogo, reelegendo a presidenta Dilma em outubro – caminho imprescindível para o aprofundamento das mudanças!
* Presidente do Partido Comunista do Brasil – PCdoB.