Mauro Santayana: As escolhas de Marina
A política, assim como o futebol, é uma caixinha de surpresas. Lembrando isso, recomenda-se avaliar com atenção as que, parece, pode estar nos reservando a agora candidata do PSB à Presidência da República.
Por Mauro Santayana, em seu blog
Publicado 11/09/2014 16:15
Marina Silva precisa tomar cuidado para não querer ser “mais realistas que o rei”, com relação ao “mercado”. Uma entidade etérea, inefável, incongruente e contraditória, alçada, pela incompetência estratégica dos últimos governos, e vontade de parcela da mídia convenientemente azeitada para fazê-lo, a invisível fiador, diríamos quase um condutor, do processo político brasileiro.
Ansiosa por agradar ao sistema financeiro e aos especuladores, que estão fazendo fortuna na bolsa com o jogo de expectativas em torno das eleições de outubro, a senhora Marina Silva apressou-se a divulgar, entre outros pontos de seu programa de governo, sua intenção de rever o Mercosul – citando, para isso, a Aliança do Pacífico – e a política de empréstimos do BNDES.
Com relação a tratados comerciais, o mundo já aprendeu que é melhor negociar em grupo do que separadamente.
A Europa, que por aqui costuma ser apresentada – junto com os EUA – como paradigma de livre comércio, até agora não conseguiu fechar sua proposta para o Mercosul, porque o viés protecionista de muitos setores de sua economia, especialmente a agricultura, não lhe permitiu fazer isso.
Quanto ao BNDES, vários segmentos do empresariado nacional já declararam, em alto e bom som, que sem o apoio da instituição não é possível concorrer, nem aqui, nem no exterior, com empresas multinacionais que contam com generosos subsídios de bancos estatais de fomento semelhantes, em seus respectivos países.
Afinal, vender perfume, como fazem bem sucedidos empresários do setor no exterior – não é o mesmo que vender aviões, foguetes de saturação, serviços de engenharia de bilhões de dólares para outros países. Isso, ninguém faz sem ajuda, e quem acreditar no contrário, ou é ingênuo, ou não tem a menor noção de estratégia nacional.
A Aliança do Pacífico não é um acordo de livre comércio, mas um factoide e um mito.
Não dá para tratar como nações de um bloco comercial à parte, e antagônico politicamente ao Brasil e ao Mercado Comum do Sul, países como o Peru e o Chile, que são membros associados ao próprio Mercosul, e que já possuem, na prática, uma aproximação tão grande conosco na área comercial, que somos nós, e não o México, o seu principal parceiro comercial latino-americano.
O comércio entre os países da Aliança do Pacífico é tão “significativo”, que há 15 dias, em uma primeira rodada de negócios da AP, realizada na Colômbia, o volume de acordos fechados não chegou a pífios US$ 100 milhões.
O Brasil quer aprofundar sua integração comercial com todos os países sul-americanos – o intercâmbio brasileiro com o Peru, por exemplo, aumentou em 8 vezes nos últimos 10 anos – e já propôs a Santiago, Lima e Bogotá um tratado de livre comércio a partir de 2016.
Só não podemos fazer a mesma coisa com o México, nação que está amarrada por tratado aos Estados Unidos, e que seria utilizada como plataforma de exportação por Canadá e EUA para colocar produtos com isenção de impostos em nosso território, como já o fez no caso da indústria automobilística.
Há estudos mexicanos que mostram que há carros fabricados naquele país que tem apenas 30% de peças locais, enquanto no Brasil o conteúdo local médio quase chega a 60%, e há veículos em que alcança 90%.
Para se ter uma ideia do que ocorre com o comércio exterior mexicano, esse país importa tantas peças da China, que seu déficit com Pequim chegou a US$ 51 bilhões no ano passado.
O segredo do “avanço” industrial mexicano está na localização das “maquiladoras”, do outro lado da fronteira de um dos maiores mercados do mundo; em proventos miseráveis – um salário mínimo mexicano equivale a R$ 10,99 por dia – e em uma carga tributária de 12%, o que, segundo a Cepal e o FMI, não permite que esse país responda minimamente a suas graves demandas sociais ou de infraestrutura.
Nos últimos dez anos, o México cresceu menos de 30%, e o Brasil quase 50%, e acaba de cair 6 posições no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial, ficando sete lugares atrás do Brasil. Na educação, para ficar apenas em um exemplo, segundo o ranking de Xangai, recentemente divulgado, os mexicanos tem apenas uma universidade entre as primeiras 200 do planeta, enquanto nós – que segundo aqui se fala estamos muito mais atrasados do que eles – temos 6 instituições superiores de ensino nessa lista, inclusive, uma, a USP, entre as primeiras 150 do mundo.
Nem a Aliança do Pacífico é uma maravilha, nem o Mercosul um inferno.
A Bolívia de Evo Morales, com baixíssima dívida externa e reservas internacionais que já chegam a metade do PIB, está virando exemplo de administração econômica bem sucedida, até do ponto de vista de certas "agências" e consultorias internacionais.
E a Argentina, com todos seus problemas, transformou-se nesta semana no primeiro país latino-americano a fabricar, com recursos próprios, um satélite geoestacionário de telecomunicações, que será lançado no dia 16 de outubro, pela Arianespace, em Kourou, na Guiana Francesa.
Com um custo de US$ 270 milhões e fabricado pela estatal INVAP e a Empresa Argentina de Soluciones Satelitales, o ARSAT-1, de 1.300 quilos e 15 anos de vida útil, é o primeiro de uma série de três, e deverá fornecer serviços de telefonia, acesso á internet e transmissão de dados para a Argentina e países limítrofes, entre eles, o Brasil.