Ditadura: Comissão Wanda Sidou julga hoje (29) caso de três crianças
Filhos de ex-presos políticos cearenses reivindicam reconhecimento de abusos sofridos durante o regime militar de 1964. Um deles nasceu e viveu por oito meses em um presídio. Julgamento é o primeiro no Ceará.
Publicado 29/08/2014 09:27 | Editado 04/03/2020 16:26
A história de vida de três crianças atingidas pelos solavancos da ditadura militar (1964-1985) no Brasil estarão sob julgamento, pela primeira vez no Ceará, na Comissão Especial Wanda Sidou. A sessão, que também marcará os 35 anos da anistia política no Brasil e a divulgação do relatório parcial da Comissão Universitária da Verdade, ocorrerá a partir das 14 horas no Auditório Castelo Branco da UFC.
Manuel Carlos Serra Azul Monteiro – filho dos ex-presos políticos Chico Passeata e Helena Serra Azul; além de Andréa Serra Azul da Fonseca e Luis Ernesto Serra Azul da Fonseca – filhos dos “ex-subversivos” Manoel Fonseca e Iracema Serra Azul buscam do Estado brasileiro um pedido oficial de desculpas pela conturbada infância que tiveram e uma indenização pecuniária prevista em lei estadual.
O destino dos três, que são primos legítimos, cruzou com a instabilidade política e o regime de exceção que atravessaram o Brasil a partir de 1964, com o golpe militar.
Manuel Monteiro, hoje com 44 anos, acabou nascendo em uma penitenciária no Recife (PE). A mãe, Helena Serra Azul, acusada de ser terrorista por ser filiada à Ação Popular e atuar na Zona da Mata de Pernambuco com trabalhadores rurais, estava grávida de dois meses quando foi presa com o marido em outubro de 1969. Os dois cearenses haviam fugido para Pernambuco em 1968, quando entraram para a clandestinidade por causa da decretação do Ato Institucional número 5.
Levada inicialmente para as dependências do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), Helena foi separada do marido e transferida para o Presídio Feminino Bom Pastor. Nesse período, ela afirma que não foi torturada. Mas houve ocasião de pressão psicológica e “estímulos” para que abortasse. Como o dia em que quiseram lhe “obrigar a tomar comprimidos”. Fato registrado no livro Brasil nunca mais.
No Bom Pastor, no dia 17/5/1970, Helena Concentração sentiria as primeiras dores do parto por causa de uma queda. Manuel Monteiro rebentaria, horas depois, na Maternidade Casa Amarela. E regressaria ao presídio para viver os primeiros oito meses de vida entre 10 presas políticas, outras detentas, freiras e as incertas dos integrantes do Dops.
Convulsões
No presídio, o tempo em que viveu de braço em braço entre as “companheiras” da mãe também foi marcado por alguns problemas de saúde. Helena Serra Azul recorda que, apesar da solidariedade das presas, das mães das detentas que moravam no Recife e das irmãs de caridade (freiras) que administravam a parte interna da cadeia, eram precárias as condições para se criar um recém nascido. “A situação política também estava se agravando. Chegou um tempo que nem banho de sol era permitido”, lembra.
Manuel Monteiro passou a ter convulsões no presídio. E, graças a atuação da advogada Mércia Albuquerque e de do bispo dom Basílio Benedito, conseguiu ser entregue aos avós que moravam em Fortaleza e passaram a cuidar da saúde dele.
No Ceará, o menino só foi se reencontrar com os pais após o fim da pena de dois anos cumprida pelos dois no Recife. Aqui, mais problema. Em abril de 1972, Manuel Monteiro testemunharia policiais invadirem a casa da família para prender Helena Serra Azul e Chico Passeata. “Minha sogra contou que ele chorava direto. Só parava quando adormecia”.
Os primos Andréa e Ernesto passaram um mês nas mãos de agentes do Dops. Foi após a prisão dos pais, em Pernambuco, que seguiram para uma casa de praia em vez de serem entregues para familiares de Manoel Fonseca e Iracema Serra Azul.
Serviço
A Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou julga pedidos de indenização de pessoas detidas durante a ditadura militar no Ceará. São acusados de participação em atividades políticas entre os dias 2/9/1961 a 15/8/1979.
Para ter direito à indenização, a pessoa tem de provar que ficou sob a guarda de órgãos do Estado do Ceará. E que sofreu abusos que deixaram comprometimentos físicos e psicológicos.
A Lei nº 13.202, de 10 de janeiro de 2002, criou a Comissão Especial de Anistia no Ceará . O nome Wanda Sidou é uma homenagem à advogada cearense que atuou na defesa de presos e perseguidos políticos do regime militar de 1964.
Saiba mais
Durante a solenidade de comemoração dos 35 anos da Anistia no Brasil, que acontecerá no auditório Castelo Branco da UFC, será apresentado o Relatório Parcial da Comissão da Verdade das Universidades Públicas Cearenses.
A Comissão foi criada em julho de 2013. Ela tem até outubro deste ano para concluir o relatório. A documentação será enviada à Comissão Nacional da Verdade, que apura as violações de direitos humanos ocorridas no Brasil entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.
No Ceará, a Comissão Universitária da Verdade é integrada por 14 pessoas. São professores, alunos e funcionários da UFC e da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
Desde o ano passado, esse grupo vem sistematizando a coleta de documentos e depoimentos das pessoas que se dizem vítimas dos períodos em que o Brasil foi submetido a uma ditadura.
No relatório da Comissão da Verdade das Universidades constam depoimentos de Ruth Cavalcante, Pedro Albuquerque e Galba Gomes.
Entre os processos que serão julgados pela Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou estão os do professor Nelson Campos e do ex-reitor da UFC, René Barreira.
Fonte: O Povo
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