As transformações da educação superior nos últimos 12 anos no Brasil
Quando derrubamos a ditadura militar, em meados da década de 1980, apenas 11% dos jovens de 18 a 24 anos estavam na educação superior. Durante a década de 1990, as instituições de educação superior pública passaram por enormes dificuldades, diminuindo inclusive o seu montante.
Por Madalena Guasco Peixoto*, especial para o Vermelho
Publicado 20/08/2014 14:46
A oferta da educação superior ficou nas mãos do setor privado, principalmente mercantil e lucrativo, que, com a ajuda dos privatistas do governo FHC, ficou durante dez anos sem a mínima regulamentação, liberado para obter lucro em detrimento da qualidade.
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) aprovada em 1996, já sob influência do neoliberalismo, colocou determinações diferentes para a educação pública e a privada, como, por exemplo, a exigência de plano de carreira apenas para os profissionais da educação pública e regras democráticas e participativas apenas nas instituições públicas.
A LDB criou ainda o contrassenso de universidades por área de saber, sem a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Criou também a possibilidade de cinco tipos de instituições de educação superior: universidades, centros universitários, faculdades isoladas, faculdades integradas e institutos superiores, exigindo ainda que apenas um terço do corpo docente das instituições universitárias tivessem titulação e apenas um terço com contrato de período parcial e integral.
A autonomia universitária, por portaria ministerial, no período FHC, foi estendida aos centros universitários; a avaliação se restringia ao provão e não havia qualquer regulamentação quanto à relação mantenedora/ mantida.
Foram regulamentados vários tipos de cursos de curta duração, com ampla atuação dos representantes do governo para diminuir também as exigências regulatórias das várias graduações e licenciaturas. O ensino a distância proliferava, sem que existisse a mínima regulação.
Todas estas medidas foram tomadas tendo como política o incentivo à proliferação das instituições privadas. O próprio PNE 2000/2010 previa a ampliação de 30% das vagas para o ensino superior, principalmente pela expansão da educação privada.
Logo no início do governo Lula, tendo à frente do Ministério da Educação (MEC) o ministro Tarso Genro, iniciou-se um diálogo com as entidades nacionais de educação para elaborar um projeto de reforma da educação superior. O PL 7.200/2006, construído de forma democrática – mas hoje engavetado no Congresso Nacional –, propunha uma modificação no capítulo de educação superior da LDB.
Destaco desse projeto os seguintes pontos: regulamentação da relação entre mantenedoras e mantidas, com exigências específicas para as mantenedoras (como, por exemplo, não poder ter mais que 30 % de capital internacional); instauração de um conselho para todas as mantenedoras, estabelecendo o perfil dos conselheiros; regras democráticas para as instituições públicas e privadas; fim das universidades sem pesquisa e sem extensão e que não tivessem, pelo menos, quatro cursos de pós-graduação stricto sensu; retirada da autonomia dos centros universitários e exigência de, pelo menos, duas pós-graduações stricto sensu; aumento dos índices de qualificação docente – através do número de docentes titulados, aumentando a proporção de doutores – bem como de contratos de tempo integral.
No primeiro mandato do presidente Lula, foi aprovado o Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior). Muito mais completo do que o anterior, o qual só avaliava os alunos (provão), o sistema representou um avanço na concepção de avaliação, porque envolve todos os elementos da educação superior: curso, alunos (através do Enade), além de avaliação constitucional e autoavaliação.
A lei do Sinaes garante participação democrática no processo de elaboração dos instrumentos, dos critérios de avaliação e no acompanhamento dos seus resultados trienais, criando a Conaes (Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior), constituída por representante de docentes, estudantes, técnicos administrativos, pesquisadores na área da avaliação e representantes das secretarias do MEC e do Inep.
O Sinaes vem sendo colocado em prática e aperfeiçoado desde então e tem trazido certa regulamentação, principalmente da educação superior privada. À medida que estabelece elementos na avaliação que acarretam necessidades de investimento em pessoal e critérios de qualidade que precisam ser observados, o Sinaes gera processos para supervisão e termos de compromisso assinados pelas instituições, podendo levar ao descredenciamento e à proibição de vestibular dos cursos mal-avaliados.
Durante os dois mandatos de Lula, a rede privada continuou crescendo. No entanto, a rede pública de educação superior também aumentou consideravelmente. O Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) trouxe um expressivo crescimento não somente das universidades federais, mas também de campi no interior do país. De 2003 a 2010 houve um salto de 45 para 59 universidades federais, o que representa a ampliação de 31%, e de 148 campi para 274 campi/unidade, crescimento de 85%. A interiorização também proporcionou uma expansão no país quando se elevou de 114 para 272 o número de municípios atendidos por universidades federais, um crescimento de 102%.
Através das universidades federais, a Universidade Aberta do Brasil oferece cursos superiores a distância, principalmente de licenciatura.
Mesmo assim, o índice de inclusão de jovens de 18 a 24 anos no ensino superior é muito baixo no Brasil. E em 2012, quase três décadas após a derrubada da ditadura e depois de toda a expansão privatista da década de 1990 e da expansão da educação pública realizada durante as duas gestões de Lula, incluímos ainda cerca de apenas 15% dos jovens nessa faixa etária.
Fez parte da campanha de Lula a criação de programas de inclusão na educação superior.
Logo no início de seu mandato, entrou em tramitação o ProUni. Inicialmente com bolsa integral em qualquer curso nas instituições filantrópicas, o projeto foi alterado para um programa que oferece a possibilidade de bolsas integrais e parciais em qualquer curso, tanto em instituições filantrópicas como com fins lucrativos, sendo destinado a pessoas de baixa renda que estudaram em escola pública e realizaram o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).
O Enem passou a ser utilizado para o ingresso na educação superior pública, o que democratizou o acesso a essas instituições através do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), contribuindo também para terminar com as vagas ociosas até então existentes.
A política de cotas também passou a ser implementada em várias instituições durante as gestões de Lula, o que fortaleceu a participação dos movimentos sociais, em particular o movimento negro.
Têm enorme importância essas políticas de inclusão para a educação superior brasileira, assim como é inegável a relevância do ProUni para a democratização do acesso, em que pese, contraditoriamente, ter contribuído também para o aumento da margem de lucro das instituições empresariais que passaram a ter isenção dos impostos.
O mesmo acontece com o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), que foi ampliado e facilitado, garantindo a milhares de pessoas a possibilidade de frequentar um curso superior. Todavia, para a rede privada mercantil, o Fies representa inadimplência próxima a zero e, portanto, contribui para tornar o negócio da educação atrativo.
Não foi ao acaso que, a partir de 2005, grupos internacionais de capital aberto passaram a adquirir instituições de educação superior no Brasil, atraídos pelos incentivos e pelo baixo risco do “negócio”.
A gestão Dilma Rousseff continuou desenvolvendo o ProUni e o Fies, mas, buscando melhorar a capacidade de regulação e supervisão da educação superior privada, criou no MEC uma Secretaria de Regulação. Por iniciativa do Executivo, está tramitando no Congresso Nacional um projeto de lei que busca criar uma autarquia – o Insaes (Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior) – cujo objetivo é fortalecer a avaliação, a regulação e a supervisão desse nível de ensino, aumentando a capacidade de atuação do Estado no sistema.
No início de sua gestão, após o término da 1ª Conferência Nacional de Educação, foi instituído o Fórum Nacional de Educação, órgão amplo e democrático cuja finalidade é acompanhar a tramitação das políticas públicas em educação, em particular a tramitação do PNE, e posterior implementação de suas metas.
Durante a gestão Dilma, foi aprovado o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), que amplia o acesso à educação profissional e tecnológica. Faz parte do Pronatec a ampliação e o fortalecimento da educação tecnológica pública, embora também represente um aporte enorme de recursos públicos para o setor privado. O programa envolve o chamado Sistema S, que conseguiu, durante a tramitação do projeto, retirar as principais regulamentações quanto à exigência da contratação de professores/as e a prévia aprovação dos projetos pedagógicos dos cursos.
Atualmente, Dilma ampliou ainda mais o programa, abrindo-o para instituições que oferecem cursos profissionalizantes e também para instituições de educação superior. A ampliação ocorre por pressão do empresariado de educação e não garante formação de qualidade ou tampouco está ligada a projetos de desenvolvimento local. Todavia, o mérito do Pronatec é propiciar a ampliação das vagas públicas de educação profissional e técnica e o atendimento desse tipo de formação aos estudantes do ensino médio público, abrindo a possibilidade de, em convênio com o Ministério da Educação, as secretarias estaduais oferecerem em suas redes educação profissionalizante que de fato auxilie o desenvolvimento local e seja de qualidade.
Foi criado ainda o programa Ciência Sem Fronteiras, que oferece a oportunidade aos jovens de estudarem graduação e pós-graduação em instituições estrangeiras, visando formar quadros e pesquisadores, principalmente em áreas de ponta.
No governo Dilma também tem sido feito um esforço por parte do MEC para a indução de criação de novos cursos de engenharia e de medicina e licenciatura em áreas de exatas, que passaram a ser oferecidos também nos institutos federais.
Diante desse quadro, é nítida a preocupação com a educação superior e técnico-profissionalizante como instrumento de desenvolvimento estratégico do Brasil, algo que havia sido banido durante o período neoliberal. Também são evidentes os esforços para expandir o acesso ao setor, fazendo jus à máxima constitucional de que a educação é um direito de todos.
Ainda assim, é preciso lutar para eliminar o pensamento mercantilista em torno da educação, que tenta transformá-la em mercadoria, fortalecendo a educação pública, gratuita e de qualidade e garantindo a regulamentação da educação privada, com as mesmas exigências legais aplicadas à educação pública.
*Madalena Guasco Peixoto é professora titular da PUC –SP