Cine Belas Artes: A esperança para novos cinemas de rua
Com as portas reabertas desde o dia 19 de julho, o Caixa Cine Belas Artes retorna como um dos protagonistas do cenário cultural da capital paulista. Longe de ser apenas um mero espaço de entretenimento, o cinema volta com o desafio de servir de exemplo para a abertura de outros espaços culturais fechados na cidade.
Por Mariana Lima, na Carta Maior
Publicado 31/07/2014 12:14
“O sucesso do Belas Artes está nos fazendo explorar possibilidades de abertura de outros cinemas de rua em São Paulo. Entendemos que esse modelo de parceria onde o parceiro, seja público ou privado, possa fechar a conta existente, reformar o espaço e reabrir ao público um cinema tradicional, pode ser um modelo interessante para cinemas inativos como o Marrocos e o Ipiranga”, disse o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad em coletiva de imprensa.
O processo de reabertura dos cinemas tradicionais da Cinelândia, que permanecem de portas fechadas, está sendo avaliado e negociado no gabinete da Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo que foca suas ações na procura de novos parceiros.
Entre as preocupações da prefeitura está o de nivelar os interesses do setor imobiliário que tendem a fechar os espaços culturais para faturar em cima dos imóveis. “Há vários cinemas e teatros que estão fechando porque individualmente não tem capacidade de confrontar com a dinâmica da especulação imobiliária […] Muitas vezes esses estabelecimentos culturais foram um grande instrumento de valorização daquele equipamento. Quando se estabeleceram em áreas degradadas da cidade valorizaram o espaço, mudaram o sentido social daquela área e depois que o valor é agregado eles são expulsos para serem construídas outras atividades econômicas. A gente não pode ter os interesses econômicos do setor imobiliário sem ter o contraponto dos interesses culturais da cidade”, disse o secretário de cultura da cidade, Juca Ferreira.
Novas salas no Belas Artes
Até o fim de agosto duas novas salas, localizadas no subsolo do prédio, serão entregues ao público do Belas Artes, segundo o administrador do cinema André Sturm. A abertura dos espaços garantirá ao cinema um total de seis salas com projeção DCP (Digital Cinema Package) e três delas também terão projetores de película 35mm.
“Logo em Agosto retorna o ‘Noitão’, a maratona que começa à meia noite e segue até às 7 da manhã com três filmes diferentes. Teremos a partir de setembro programação de música às sextas à noite e outras novidades que em breve anunciaremos”, disse Sturm.
Entre as novidades previstas está a inauguração do “Drive-in Riveira” uma parceria com o Belas Artes e o restaurante Rivieira, localizado em frente ao cinema. “A partir de 2015, o espaço do cinema vai oferecer uma experiência nova, misturando cinema e gastronomia. Uma parceria com o Riveira Bar, reaberto recentemente na esquina em frente ao Belas Artes, vai levar para lá o “Drive-in Riveira”, uma sala no térreo com poltronas, sofás e mesas. Será uma sala com três sessões para ir em turma, assistir a filmes comendo e bebendo itens do bar, e não uma espécie de espaço VIP com aqueles assentos que deitam”, adiantou Sturm.
Com o valor de ingresso abaixo dos demais shoppings da Paulista e iniciativas populares de acesso ao cinema, como o Dia do Trabalhador, que garante meia-entrada às segundas-feiras, a aposta de Strum é que o cinema retome o espaço de protagonista no cotidiano dos cinéfilos de São Paulo. “O Caixa Belas Artes tem uma programação diferente com filmes de qualidade, os quais ficam mais tempo em cartaz, fora a exibição de clássicos – então, além do público geral, o cinema, com certeza, atrairá mais cinéfilos, que querem assistir filmes clássicos (muitas vezes até com aqueles risquinhos que trazem um clima especial), mas num ambiente de cinema”.
Sturm afirma ainda não se sentir pressionado de ter a sua administração à frente do Belas Artes servindo de exemplo aos demais cinemas que permanecem fechados na cidade .“ Não acho [que há pressão]. A prefeitura é parceira em viabilizar a reabertura do cinema. E entendo que o modelo que permitiu essa reabertura, parceria entre um gestor privado, apoio da prefeitura e patrocínio de uma empresa pode servir de exemplo para outras iniciativas”, concluiu.
Mobilização social
Ao todo foram necessárias 100 mil assinaturas para que o Belas Artes retomasse o funcionamento após um ano e seis meses de negociações entre prefeitura, dono do prédio, patrocinadores e antiga administração do cinema. Um grupo de cinéfilos frequentadores do local assumiu as rédeas da linha de frente de batalha pela reabertura, formando o Movimento Cine Belas Artes.
À frente da linha de batalha para a reabertura do cinema estava um grupo de cinéfilos frequentadores do Cine Belas Artes. Por três anos, passeatas, encontros, debates e um abaixo-assinado foram feitos para que o cinema reabrisse as portas criando o movimento.
O coordenador da iniciativa popular, jornalista Alberto Gonçalves, disse que a mobilização prol-cinema vai além do processo de abertura do tradicional cinema na rua da Consolação. “O Movimento Cine Belas Artes, a partir do momento em que foi se amadurecendo, se politizou e começou a elaborar propostas para dar sustentabilidade a uma futura reabertura do local. Entendemos que não basta abrir o cinema, precisa dar sustentabilidade para que ele tenha condições de permanecer aberto”.
Outras iniciativas
Paralelo ao processo de reabertura do Belas Artes, a empresa SP Cine, criada em parceria entre a Prefeitura, o Governo Estadual e a Ancine anunciou que disponibilizará R$ 1 milhão para a distribuição e exibição de 10 filmes produzidos no Estado de São Paulo.
A iniciativa tem como base o levantamento feito pela Secretaria Municipal de Cultura onde foram apontados 50 filmes finalizados que não possuíam espaço no mercado comercial exibidor.
“Uma das salas do novo Cine Belas Artes será a sala SP Cine [Sala Aleijadinho] dedicada ao lançamento de filmes brasileiros, paulistas e focada em programações que viabilizam a colocação dessas obras no mercado”, disse o responsável pela SP Cine, Alfredo Manevy.
CPI Belas Artes
O poder público possui um papel importante na manutenção dos cinemas de São Paulo. É o que defende o vereador que atuou como presidente da CPI Belas Artes, na Câmara Municipal de São Paulo, Eliseu Gabriel (PSB).
Instalada em 14 de abril de 2012, a comissão formada por sete vereadores, tinha como objetivo investigar possíveis irregularidades no processo de tombamento do prédio em que funcionava o Cine Belas Artes. O relatório final da CPI foi entregue apenas oito meses depois do início de trabalho das investigações e concluiu, entre outros fatores, que era necessário requalificar a área urbana próxima ao cinema e declarar de utilidade pública o imóvel em que funciona o Belas Artes.
O vereador, pré-candidato a deputado federal por São Paulo, reafirmou a importância do Movimento Belas Artes para a abertura do cinema, mas disse que temia o esfriamento da pressão social com o passar do tempo. “Se não tivesse acontecido a CPI teria uma boa chance do movimento se esgotar, não ter mais o que fazer e a gente não teria mais mobilização para manter viva a luta. De um lado foi muito importante o movimento Belas Artes, popular e cultural, do outro lado foi importante também a ação da Câmara Legislativa, dos setores do Executivo”.
Eliseu Gabriel é apontado pelo prefeito Haddad como o principal mediador no diálogo entre André Sturm e o proprietário do imóvel do cinema. À época, o vereador atuava como o secretário municipal de Desenvolvimento Trabalho e Empreendedorismo de São Paulo, cargo que deixou em março de 2014.