Carla Liane: Vamos juntos, salve a Seleção
Sempre é tempo de questionar as desigualdades sociais, lutar por direitos e reivindicar pela democracia conquistada a duras penas. São graves os problemas sociais em nosso País, mas na Copa do Mundo não vamos negar o nosso País, torcer pelo seu fracasso, queremos construir a imagem de que lutamos pelo Brasil.
Por Carla Liane*
Publicado 30/05/2014 11:26
A opressão e a subalternidade dos moradores de rua que afetam o direito à moradia no Brasil, a rede de prostituição e exploração sexual contra mulheres e contra crianças que se multiplica cotidianamente, a precarização das condições de vida e de trabalho dos vendedores ambulantes historicamente revelaram a face perversa do capital afetando não somente o direito ao emprego, mas, por consequência, a própria dignidade humana.
As práticas racistas que assistimos entranhadas nas relações sociais nos informam o quanto ainda precisamos de civilidade e respeito às diferenças.
Leia também:
“O futebol faz parte do DNA do brasileiro”, diz presidente da UCE
Michelle na Copa da terra do acarajé
Jovem comunista afirma que o legado da Copa desenvolverá a nação
Líder estudantil combate a “síndrome de vira-lata” ao defender a Copa
Sindicalista na Bahia faz chamado por vibração na Copa
A perversão do capital não surge com a Copa do Mundo. Isso é superficialismo e artificialismo. A violação de direitos e a ameaça ao Estado democrático batem à nossa porta todos os dias de inúmeras formas.
O episódio da Copa, assim como tantos outros eventos mundiais, é uma das ocasiões que revelam a selvageria do capital e trazem à luz com lentes agigantadas tais desigualdades.
O movimento anticopa traz no seu bojo o risco da temporalidade das reivindicações, o esvaziamento de um debate politico acerca de um projeto de desenvolvimento para o país, assim como projeta consequências autofágicas para o sentimento e a consciência coletiva de nação.
Não sejamos hipócritas! Apesar de todas as assimetrias, sempre torcermos pelo Brasil em todas as copas do mundo, sempre vestimos a camisa verde e amarela e nos destacamos por nossa alegria, garra e por nossa avassaladora paixão pelo futebol. Majoritariamente nos sentimos representados como uma das melhores seleções de futebol do mundo, se não a melhor, formada por negros que levavam para o palco mundial a representação das verdadeiras cores do nosso país.
É certo que isso por si só não basta, queremos ter acesso aos estádios, acessibilidade, ter direito à cidade, queremos ser melhores em inclusão, em politicas reparatórias, em educação, em equidade e reconhecimento social. Esta é uma luta dos diversos movimentos sociais nos doze meses do ano, uma luta histórica que se reproduz por décadas e décadas. Por isso, não podemos cair na armadilha e no jogo da autodesclassificação temporária. Não precisamos dos megaeventos esportivos para mostrar o nosso potencial reivindicativo.
Por que desde 2007, quando o Brasil foi escolhido como país-sede da Copa do Mundo não hasteamos incessantemente as bandeiras da justiça e contestamos mundialmente a representação capitalista e imperialista da Fifa e por tabela de outros organismos mundiais a serviço da exploração e das desigualdades dos povos? Será que é isso mesmo que está em questão?
Vamos nos perguntar: a quem interessa um ataque ao patrimônio cultural, à autoestima e à imagem do nosso País? De forma tão contextualizada e pontual?
Temos uma herança de colonização do pensamento e subestimação da nossa capacidade crítica. Mais uma vez iremos nos permitir as manipulações politicas mediadas pela tecnologia interativa tendenciosa?
Não vamos negar o nosso País, torcer pelo seu fracasso, queremos construir a imagem de que lutamos pelo Brasil, vestindo a camisa dele e não a queimando, vamos às ruas de verde e amarelo, deixar o coração acelerar, torcer pela nossa Seleção, pelo hexacampeonato, torcer pelo nosso Brasil, torcer pela nossa vitória, como sempre fizemos, antes e também depois da Copa!
*Carla Liane é Doutora em Ciências Sociais (Ufba), Professora Adjunta e vice-reitora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb)