Candidatura em SP causa racha no Psol; críticas repetem discurso antipetista
O filósofo Vladimir Safatle, que desde outubro de 2013 viabilizava a candidatura a governador de São Paulo pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), não está mais na disputa eleitoral deste ano.
Por Diego Sartorato, da Rede Brasil Atual
Publicado 26/05/2014 11:53
Em carta crítica à direção partidária e à forma como a articulação com aliados ocorreu nos últimos meses, o livre-docente da USP reclama do pouco empenho do partido em recompor a Frente de Esquerda, aliança com o PSTU que se repetiu em diversas eleições desde 2006, questiona "a quem interessa que nosso partido [Psol] continue pequeno" e afirma ter sido atropelado pela direção partidária, que o teria substituído da posição de pré-candidato sem comunicá-lo previamente. O pré-candidato do partido, escolhido em reunião subsequente, é o professor universitário Gilberto Maringoni.
"Durante várias vezes que discuti a infraestrutura para a campanha, ouvi que 2% de votos estaria bom. Não penso assim, acho este raciocínio completamente equivocado e, se pensasse desta forma, não teria aceitado entrar no debate em torno da candidatura", diz Safatle na carta. "Creio que, no fundo, a candidatura para o governo não era uma prioridade do partido. Senão, seria difícil explicar por que o diretório estadual nunca foi atrás de possíveis doadores que indiquei há semanas e porque ele nunca aceitou discutir com membros da frente, como o PSTU, que estavam claramente dispostos a contribuir de maneira substancial para a viabilidade financeira da campanha", continua, em outro trecho.
Safatle, que é articulista do jornal Folha de S.Paulo e da revista Carta Capital, retornou ao tema no primeiro texto assinado após o atrito com a direção do Psol. Em defesa de posições sobre a atuação dos partidos de esquerda, o filósofo reafirma a necessidade de "uma esquerda que entenda como é impossível defender a transformação da experiência democrática na sociedade enquanto continua a ter as piores práticas no interior de certos aparelhos partidários", e conclui que "ninguém confiará em alguém incapaz de fazer na própria casa aquilo que se propõe a fazer na casa dos outros."
As críticas contra o "dirigismo" dos partidos de esquerda repetem o discurso crítico do Psol em relação ao PT, legenda de origem da maior parte das atuais lideranças psolistas. Apontam ainda para as diferenças de discurso recorrentes entre Safatle e Maringoni: o primeiro costuma disparar com relativa equivalência contra o que considera desacertos políticos de PT e PSDB, enquanto o segundo tem postura mais crítica em relação ao Partido dos Trabalhadores.
As diferenças se exprimem também no projeto para as eleições. Enquanto Safatle defendia a composição de uma frente ampla de alianças, inclusive com apoio da extra-oficial Rede, com o objetivo de multiplicar o alcance do discurso socialista em diálogo com as diversas manifestações de rua que antecedem a realização da Copa do Mundo, Maringoni dá início à montagem da campanha, neste primeiro momento, apenas com o objetivo de não deixar o Psol "desguarnecido" em São Paulo.
Militantes psolistas externam preocupação com uma postura que acreditam afastar o partido dos movimentos sociais, com quem o grupo de Safatle já havia iniciado a negociar um plano de governo. No início da semana, integrantes da executiva estadual do Psol assinaram manifesto ácido às direções partidárias.
A Unidade Socialista, tendência majoritária do partido, é vista como receosa sobre a participação do Psol em movimentos que possam ser marcados por violência. Em fevereiro, uma falsa denúncia contra o deputado estadual fluminense Marcelo Freixo (Psol) chegou à grande imprensa com o objetivo de ligá-lo aos jovens responsáveis pela morte de um cinegrafista atingido por um rojão.
De acordo com o cientista político e doutor pela Unesp, Paulo Douglas Barsotti, o racha entre os partidos de esquerda baseado na relação com os protestos de rua é sinal de esvaziamento ideológico e de programa partidário. "Faz sete anos que o projeto deste país é a Copa do Mundo e as Olimpíadas, seja contra ou a favor. Só se discute em torno disso. E a discussão sobre um projeto para o país? O que a esquerda tem a oferecer como alternativa ao projeto do PT?", questiona. "Agora, você tem a divisão do partido em torno dos movimentos. Sinceramente, vivemos um momento muito complicado em termos da consciência política e isso é sinal dos nossos tempos, que leva a juventude a se afastar da política. O mais irônico é que, nessas movimentações, os mais organizados são os anarquistas", conclui.
Em nota oficial, o Psol paulista afirma que Safatle desistiu oficialmente da campanha no último dia 10 e nega ter atropelado decisões. Maringoni respondeu à carta à militância reafirmando essa versão. "Safatle, até há poucos dias, relutou em definir se seria mesmo candidato, dadas as precariedades materiais de um partido que não recebe dinheiro de empresas e tem na militância voluntária sua razão de ser", afirmou, no Facebook. "Eu não concorri com o professor Safatle. Entrei na disputa para que o Psol não ficasse desguarnecido a quatro meses das eleições, sem poder compor chapa, estabelecer calendários, metas, orientações e política de arrecadação de fundos em uma campanha duríssima", completou.
O presidente estadual do partido, Paulo Búfalo, afirma que a negociação com os parceiros da Frente de Esquerda continuam. "Essa tática eleitoral é traçada com base no resultado que os partidos querem ter por mais ideológicos que sejam. Essa tática e essa questão das alianças avalio que não evoluem de forma homogênea, linear. Há momentos de maior aproximação, de menor aproximação, mas, neste momento, tentamos construir a unidade", garantiu.