A medicina que o Tocantins precisa
Este artigo se propõe a discutir a profissão médica, a realidade histórica do Tocantins e as necessidades do nosso sistema de saúde. Poderia escrever sobre as especialidades médicas que necessitamos, no entanto, independente da oferta de especialidades médicas, é preciso pensar em conceitos éticos (valores do homem para a sociedade), filosóficos e sociopolíticos que envolvem a profissão.
Por Nésio Fernandes de Medeiros Júnior*
Publicado 22/01/2014 08:32
Todos queremos triunfar; sonhamos em ser grandes cientistas, médicos reconhecidos, em trabalhar incansavelmente nos primeiros anos da carreira para adquirir um bom padrão de vida e consumo, dentro de uma perspectiva de triunfo pessoal. É natural que seja assim, somos influenciados pelos pensamentos hegemônicos de nossa época, os pensamentos da sociedade capitalista, que prefere construir um consumidor, ao invés de construir um cidadão.
Nosso sistema insiste em transformar tudo em mercadoria, inclusive os direitos humanos. A educação, a segurança, a saúde, tudo se transforma em mercadoria e as relações entre os profissionais e os usuários é estabelecida no âmbito das relações de mercado.
Ainda permanece em disputa duas concepções contrárias, a de um modelo médico liberal, centrado na doença, na tecnologia, na cura, nas instituições hospitalares e a de um modelo da medicina social, pública, centrada na promoção da saúde, na prevenção de agravos, no cuidado comunitário e familiar.
O Sistema Único de Saúde precisa ser entendido como a conquista democrática mais ousada da classe trabalhadora no processo de luta contra a ditadura militar e de transição para a democracia. Desde o seu nascimento, o SUS sofreu ataques daqueles que sempre defenderam a saúde como uma mercadoria.
Nosso Estado nasceu junto com o Sistema Único de Saúde, o Tocantins é fruto da luta pela emancipação de um povo que desejava justiça social. Somos um Estado de imigrantes, vindos de várias regiões do país e até de fora dele. Talvez sejamos a capital mais brasileira do Brasil, onde a mistura de indígenas, de goiano, de maranhense, de paraense, de sulistas e de estrangeiros, pode ser a mais representativa do país.
A pesar de nascer com o SUS, não conseguimos avançar na materialização de um sistema de saúde universal, integral, humano e de qualidade para todos. Por que? Primeiro porque o modelo de desenvolvimento socioeconômico implementado que privilegiou o latifúndio, apoderou as elites tradicionais, fortaleceu o agronegócio, expulsou o homem do campo, não garantiu distribuição de renda e de direitos.
A saúde é resultado, possui determinação social. Não dá para pensar no sistema de saúde separado da realidade econômica e social do Estado. Para melhorar a saúde, é necessário melhorar as condições gerais de vida do povo. É preciso alimentar a cultura de cidadania. Para fazer política, basta viver em sociedade.
Na questão específica do modelo de gestão da saúde, predominante nesses 25 anos de história, temos uma crise consequente de uma concepção que se recusa em fazer gestão pública e insiste na terceirização do sistema como solução de gestão. Quando o gestor se recusa a fazer gestão pública, no serviço, conhecendo a comunidade, o servidor, as políticas de saúde, e ao mesmo tempo é incompetente para privatizar com “eficiência”, vemos a saúde pública ficar no “limbo”.
Nesse aspecto, a integração ensino-serviço-comunidade é um eixo fundamental e estruturador do Sistema Único de Saúde. Permitir que os profissionais da graduação e pós-graduação tenham no serviço um espaço de formação contextualizado, ligado à realidade e na relação com os territórios, é estimular que além de formar com qualidade e quantidade, podemos formar com o perfil das necessidades do sistema.
Nesse processo de formação, o desafio é transformar esse espaço de aprendizado em laboratório da críticas, de construção e reflexão sobre o sistema que necessitamos. Tanto os docentes, servidores e estudantes, precisam entender que o processo de trabalho, ou melhor, e educação pelo trabalho, é um processo de aprendizagem e reflexão cotidiana da realidade e da práxis.
Sem modificar o elemento humano, podemos ter os melhores diagnósticos epidemiológicos, as melhores políticas públicas instituídas por leis, decretos, portarias e resoluções, que não mudará em nada a realidade do sistema, pois a letra por si só é morta, é o espirito quem vivifica.
Outro aspecto importante está relacionado ao perfil dos nossos profissionais e a quantidade que formamos. Formando um, dois ou três especialistas por ano, quanto tempo será necessário para levar especialistas ao interior do Estado? Equilibrar a equação entre quantidade, qualidade e necessidade; é o nosso grande desafio.
Nenhum destes três atores, ensino, serviço ou comunidade é capaz de sozinho equilibrar essa matemática. Isoladamente cada um tem seus vícios, vivem em suas caixinhas, integrados são capazes de construir uma rede de educação, de assistência e de cidadania extremamente poderosa e transformadora.
Por fim, é necessário entender que todo médico, antes de tudo, precisa ser especialista no ser humano; lembrando que quem só de medicina sabe, nem de medicina sabe.
*Diretor Presidente da Fundação Escola de Saúde Pública – FESP de Palmas – TO