Agassiz Almeida: Joaquim Barbosa, a nação aguarda a sua resposta
Sob a responsabilidade da história que carrego e como ativista dos direitos humanos, encaminhei a Vossa Excelência, em 06 do corrente, mensagem pela internet reproduzida a milhares de internautas acerca da execução das penas referentes aos condenados do mensalão. Nenhuma resposta recebi. Só o silêncio assustador de quem, engolfado num ancestralismo de dor, sofrimento e de brutal injustiça se fez um vingador desabrido.
Por Agassiz Almeida*, para o Vermelho
Publicado 04/01/2014 10:45
Diante da sua postura olímpica, a nação se sente dominada por um temor, na antevisão de um ditador togado. Se seu fardo de oprimido o tornou um amargurado e odiento, saiba olhar com a magnanimidade de Nelson Mandela diante dos seus algozes. Derramar ódio represado no infortúnio de condenados é apequenar-se.
Há um quê de preocupante nessas suas atitudes faraônicas nas quais se confundem a justiça e a baba do ódio.
A incomensurabilidade do seu poder enfeixado na presidência do STF, na relatoria do processo, de julgador e executor das penas dos condenados, e até de carcereiro, nos atordoa, em face das próprias razões que norteiam a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal serem violentadas despudoradamente, desde elementares princípios de preservação à saúde dos prisioneiros até a substituição acintosa de juízes da execução das penas. Com que nos deparamos? Um tribunal de exceção e não uma corte de justiça.
A nação, oh desventurado povo brasileiro, se debate neste dilema: um verdadeiro centurião romano carregado de ira e ódio, ou um justiceiro empunhando na mão direita um bastão temível e na esquerda a estatueta de Têmis, deusa da justiça, de olhar caolho.
Com suas atitudes, Vossa Excelência está provocando um caos na consciência da nação, dando-nos a impressão de um vingador da escravidão do seu povo, espoliado durante séculos.
Não! O país precisa de um magistrado, sereno e enérgico, e não de um justiceiro, egresso de sombrias noites dos tempos para o alto anfiteatro em que condenados desfilam e espiam as suas penas.
Na sua voluptuosidade de aranha que deixa esvoaçar a mosca a fim de satisfazer o seu instinto, existe algo terrificante: Toldar a capacidade crítica do povo para a verdadeira corrupção que grassa nas antecâmaras dos poderes.
A vontade prometeica, que desconhece e violenta postulados constitucionais e convenções internacionais, jamais se compatibilizará com o verdadeiro ideal de Justiça.
Vossa Excelência se esquivou de votar pela condenação aos torturadores da Ditadura Militar, e hoje se transveste de um implacável caçador de corruptos. Nós já conhecemos como termina esta estória.
Onde a nação poderá encontrar a sua verdadeira personalidade?
Fui um prisioneiro da ditadura militar. Conheci os extremos das circunstâncias da vida; agentes do Estado elevados por suas qualificações morais, e contrastantemente valentes fanfarrões de condenados, e até criminosos de delitos de lesa-humanidade.
Oh, melancólico fenômeno humano! Estes tipos desfilam nos meus livros.
As raças sofridas, da indígena à negra, que construíram a nação brasileira, carregam um sentimento singular, próprio de povos que arrastaram pelos séculos angústias e dores profundas de opressores. Em defesa delas, construtores de uma nova ordem, como Mandela, Barac Obama, Martin Luther King, olharam alto a condição humana, e jamais derramaram ódio nos vencidos.
Que cipoal de desatino e insensatez envolve este julgamento! Ferreteiam-se os prisioneiros perante a mídia como monstros do apocalipse, expondo-os ao delírio dos sádicos.
Nem as enfermidades graves aplacam a ira do Júpiter. Só o riso orgásmico de Calígula no Coliseu retrataria melhor.
Os acusados do mensalão respondem por penas de morte lenta na masmorra da Papuda, por estas razões:
b) que assistência médica especial existe naquela penitenciária?
c) a dieta dos enfermos prisioneiros deve obedecer à prescrição médica e constantes cuidados;
d) a falta de higiene na penitenciária provoca infecção de todo tipo.
Nestes desencontrões com a Constituição Federal e as convenções internacionais de violação à cidadania e a elementares direitos, entre os quais, assistência médica condigna, Vossa Excelência assume perante a nação o risco de responder por crimes, caso ocorra óbito entre aqueles prisioneiros sob a sua guarda: perante a história, como um ditador judicante e face à justiça criminal um homicida doloso.
Se mergulharmos nas entranhas deste processo o que vamos encontrar? Excrescente execução das penas dos réus e o devido processo legal devastado. Assalta-nos uma repugnância moral este teatrão de marionetes.
Que sustentação embala um cenário em que laudos médicos são arrancados de mãos trêmulas, servis ao poder arrogante. Henrry Shibata, médico legista da ditadura militar, foi um figurante degradante daquela época de horror.
Da filha de um condenado ouvi um desabafo lancinante de dor: “Estão arrastando o meu pai no lamaçal da humilhação e do sofrimento.” Respondi: “Um terror midiático encurrala a nação, reduzindo a capacidade crítica dos cidadãos, levando-os a uma passividade trágica e ridícula”.
O que nos diz este novo Átila raivoso? Lança contra a sabedoria dos séculos a insensibilidade de um abutre. Contra todo este dramalhão alimentado por holofotes midiáticos, há algo que preocupa. Como trafegam por aí no cinismo de suas impunidades milhares de corruptos? Que cruel mutilação dos direitos humanos! Condene os acusados, mas não os degrade. Isto não é justiça, mas expiação. Neste banquete de Salomé do século XXI cabeças redivivas de João Batista são expostas à execração pública.
Ponha um basta neste novelão, senhor ministro, ou Vossa Excelência entrará para a história como um déspota judicante.
Saudações democráticas.
Agassiz Almeida
*Agassiz Almeida é escritor, ativista dos direitos humanos, ex-deputado federal constituinte, autor das obras, “A república das elites”, “A ditadura dos generais”, e recentemente lançou “O fenômeno humano”. É considerado pela crítica como um dos grandes ensaístas do país.