Desarmamento nuclear: um tema ligado à sobrevivência
O desarmamento nuclear, um tema pendente para o futuro da humanidade, passará por uma prova na Organização das Nações Unidas, quando o segmento de Alto Nível da Assembleia Geral discutirá o tema pela primeira vez.
Por Orlando Oramas León*
Publicado 24/09/2013 17:12
Trata-se de uma iniciativa apresentada por Cuba, com o respaldo do Movimento de Países Não Alinhados, que retoma um dos compromissos assumidos na Cúpula do Milênio do ano 2000.
O certo é que na cidadania não há suficiente informação e preocupação com um assunto que é vital para nossa sobrevivência como espécie, apesar de que bastaria o emprego de uma ínfima parte do arsenal dessas armas para o planeta desaparecer naquilo que se denomina de inverno nuclear.
Assim o afirmou à agência Prensa Latina Soraya Álvarez, diretora geral da Associação Cubana das Nações Unidas (ACNU).
Os líderes mundiais terão a oportunidade de debater sobre tão importante questão na Assembleia Geral, onde estão representados todos os países que integram a ONU, apontou.
Seria um cenário idôneo, uma vez que no Conselho de Segurança estão as principais potências nucleares que neste tema se erguem na qualidade de juiz e parte interessada, incluído seu poder de veto.
Isto explica, por exemplo, as sanções contra o programa iraniano para o desenvolvimento pacífico da energia nuclear, enquanto Israel goza de impunidade para ameaçar seus vizinhos com dezenas de ogivas em uma região volátil onde qualquer incidente poderia desencadear um conflito de alcance global.
O caso sírio, onde a ONU afirma que foram usadas armas de extermínio em massa no conflito em que o país está submerso, demonstra os critérios dúplices com que o tema é abordado.
A Síria tem reiterado sua vontade de pôr sob controle internacional seu arsenal de armas químicas, mas esse requisito não é imposto às forças mercenárias apoiadas pelos Estados Unidos, França, Turquia e outros países ocidentais, tampouco ao vizinho Israel.
Os chefes de Estado que estão reunidos na sede da ONU em Nova York terão diante de si a responsabilidade de comprometer-se com a desejada e necessária eliminação total e a proibição dos armamentos nucleares.
A reunião de alto nível sobre desarmamento nuclear teria então que passar da retórica ao compromisso, a fim de estabelecer um calendário, com prazos definidos, para a redução gradual desses armamentos.
Também deveria abrir as portas a negociações que conduzam à pronta adoção de uma convenção internacional sobre o desarmamento nuclear. Seguramente contará com o apoio decidido da grande maioria de países do mundo, que são precisamente os que carecem de armas desse tipo.
Basta fazer as contas para comprovar que o que hoje se dedica à produção e manutenção desses artefatos de morte é mais do que necessário para combater a fome, o analfabetismo, a insalubridade e a pobreza em diversas latitudes.
Os Objetivos do Milênio, que muito têm a ver com a qualidade de vida para milhões de pessoas, teriam rápido cumprimento com os fundos milionários que hoje são dedicados às armas nucleares.
É inaceitável que se empreguem mais recursos em meios para a guerra do que na promoção do desenvolvimento. Na última década os gastos militares cresceram mais de 49%, até alcançar a astronômica cifra de US$ 1,74 trilhões.
Em proporção totalmente inversa fluíram os recursos que os países mais ricos dedicaram para cumprir seus compromissos internacionais com o desenvolvimento do Terceiro Mundo.
As potências atômicas afirmam que os arsenais nucleares são a garantia do equilíbrio. Mas a experiência dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki indica o perigo que acarretam à vida.
Aquele horrendo genocídio deixou 280 mil mortos e dezenas de milhares de sobreviventes que padeceriam as sequelas do cogumelo nuclear.
O chamado equilíbrio na maior parte das vezes justifica a corrida armamentista. Assim, o escudo antimíssil com que os Estados Unidos cercaram de novas bases o território da Rússia, demandou desse país aumento de dispêndios para equiparar sua resposta ante uma agressão nuclear.
Até o ano de 1998 haviam sido realizadas 2.052 provas nucleares ao ritmo de uma a cada nove dias. Entre 1945 e 1980 a capacidade total utilizada nesses experimentos foi de cerca de 440 megatoneladas, o equivalente a cerca de 30 mil bombas como a de Hiroshima.
Para ilustrar de outra maneira: seria o mesmo que na atmosfera terrestre explodisse uma bomba como aquela a cada 11 horas e durante todo esse período.
A Associação Médica Internacional para a Prevenção da Guerra Nuclear (IPPNW na sigla em inglês) afirmou em 1991 que essas provas produziriam mais de 400 mil mortes por câncer no ano 2000. Sua previsão continua sendo cumprida.
A IPPNW, agraciada em 1985 com o prêmio Nobel da Paz, conduz diversos estudos que confirmam a grande mortalidade das armas e provas nucleares, devido a acidentes em submarinos, aviões, centrais e outros que têm provocado milhares de mortes em diversos países.
Para o doutor Carlos Pazos Becerro, presidente do Comitê Médico Cubano para a Prevenção da Guerra Nuclear, filial da IPPNW, uma conflagração nuclear global produziria de imediato bilhões de mortes sem possibilidades de atenção sanitária prévia.
"A onda expansiva, as radiações térmicas e ionizantes e o consecutivo inverno nuclear tornariam absolutamente impossível a sobrevivência da vida no planeta", assegurou em um recente foro da sociedade sobre o desarmamento nuclear organizado pela ACNU em Havana, Cuba.
Pazos tocou em outra aresta: os experimentos realizados pelos Estados Unidos com substâncias nucleares em seres humanos.
Assegura que Washington propiciou cerca de 4 mil ensaios com injeções de urânio, plutônio e polônio. Também exposições a radioisótopos, a provas nucleares e a liberação intencionada de radiação no ambiente.
As cobaias de tais provas foram pacientes com tumores inoperáveis (a maioria afroamericanos), presos comuns, crianças com retardamento e pessoal militar.
Desde 1945 foram produzidas no planeta milhares de ogivas, cujos portadores são cada vez mais sofisticados. O flagelo do terrorismo e o crescente mercado ilegal de armas constituem outros cenários que complicam a alegada segurança nuclear.
Por todas estas razões o desarmamento nuclear não pode ser um objetivo continuamente adiado e relegado a segundo plano. O uso deste tipo de armamento nunca poderá ser justificado sob nenhum conceito ou doutrina de segurança nacional.
O encontro de Nova York porá à prova a vontade política dos governantes, mas também deverá ser acompanhado pela pressão da cidadania.
O desarmamento nuclear, completo e verificável, transcende as diferenças ideológicas, políticas, religiosas e de outro tipo. É um tema ligado à sobrevivência.
(*) Chefe da Redação Nacional da Prensa Latina
Tradução: José Reinaldo Carvalho, para o Blog da Resistência