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Edson França: Por uma Conferência do PCdoB sobre a questão racial

Parte 2
No escopo da avaliação dos 10 anos da experiência de governo das forças progressistas, a questão racial merece um exame mais aprofundado que o próximo Comitê Central pode fazer. A Tese para o 13º Congresso Nacional do PCdoB citou o tema sem conseguir, mesmo em poucas palavras, apresentar a dimensão que esse tema ocupou direta e indiretamente pelos governos Lula e Dilma.
Por Edson França*

Não é segredo ao mais incauto analista político que, no Brasil, qualquer política voltada aos mais pobres afeta diretamente a população negra, que qualquer política que combata as desigualdades regionais, fortaleça o salário mínimo, universalize de fato as políticas sociais e inclua pobres e estudantes oriundos de escolas públicas nas universidades beneficia a parcela negra da sociedade brasileira.

De modo que a escolha feita por Lula e Dilma aos mais pobres, tirando mais de 30 milhões da situação de pobreza foi a mais eficaz arma – prevista no Plano de Ação de Durban – contra a estrutura racista implantada nos anos subsequentes da Abolição e atualizada pela classe dominante e pelos governos que estiveram sob seu comando.

Somadas as políticas de abrangência universal, nos últimos dez anos verificamos um virtuoso processo de discussão, pactuação e implantação de políticas de igualdade racial sem paralelo na história brasileira, considerando que até meados do governo FHC o Estado Brasileiro negava solenemente em todos os fóruns internacionais a existência de racismo no Brasil, e em matéria de política pública para diminuir a desigualdade decorrente do racismo, nem retórica: nota zero para FHC e a todos governos liberais.

Lula e Dilma instituíram a Secretaria Nacional de Políticas de Igualdade Racial – Seppir, inspirando a constituição de uma rede de organismo de igualdade racial em centenas de municípios (mais de 10% dos 5.564 municípios brasileiros) e Estado. Aprovaram remédios jurídicos que colocaram o Brasil na vanguarda do ordenamento jurídico antidiscriminatório, além de se constituírem em instrumentos fundamentais para sustentação da política de promoção social como o Estatuto da Igualdade Racial, Lei de Cotas nas Universidades Públicas, Lei 10.639/03, que institui a obrigatoriedade de ensinar a historia da África e da cultura afro-brasileira em todos os estabelecimentos de ensino do Brasil, Decreto Presidencial 4887/03 que regula a titularização das terras quilombolas.

As políticas sociais e as políticas específicas de igualdade racial contribuíram para melhorar a qualidade de vida da população negra, dar maior nitidez e contornos – ainda que timidamente – para uma classe média negra que em breve ocupará espaços de decisão, aumentar a consciência de negritude (vemos o crescente aumento da autodeclararão de pretos e pardos nos censos, chegando a 50,6% da população brasileira), compreender a insuficiência do que foi conquistado e querer mais, visto que a população negra ainda acumula desigualmente desvantagens econômicas, sociais e políticas e enfrentam os agravos decorrentes do racismo que sociedade não se livrou, ou seja, ainda estamos distante de um país sem racismo. Aliás, as mobilizações de junho apresentaram explicitamente o fenômeno do “querer mais” após conquistas importantes.

O movimento social negro impactado pelas mudanças ganhou mais maturidade, manteve-se como um espaço importante para a formulação da estratégia e da luta contra o racismo, além de espraiar e/ou consolidar estruturas diversificadas (em governos, parlamentos, partidos, universidades, sindicatos, entidades de classe, movimentos sociais, empresas) para contribuir no curso da luta política contra o racismo no Brasil.

Hoje, o Brasil tem a mais adequada legislação antidiscriminatória; organismo/entidades de combate ao racismo capilarizados em todo país; instituições de várias vertentes e campos de atuação com estrutura de combate ao racismo; centenas de proposta voltada para o combate ao racismo e promoção social dos negros tramitando no Congresso Nacional, em todas assembleias legislativas e nas câmaras de vereadores dos principais municípios; uma classe média evoluindo e buscando espaços anteriormente reservados a alguns brancos da tradicional classe média.

O PCdoB, força fundamental de construção e sustentação do projeto popular que ascendeu ao poder, foi importante partícipe da construção do processo de igualdade racial em curso no país desde 2003, gerindo, formulando ou apoiando todas as políticas que beneficiaram a população negra. Os comunistas atuaram no legislativo, executivo, movimentos sociais, universidades e são presença respeitada no movimento negro brasileiro. Internamente realizou dois seminários nacionais para aprofundar a compreensão partidária sobre a temática e o Comitê Central atual instituiu a Coordenação Nacional de Combate ao Racismo – sob acompanhamento da Secretaria Nacional de Movimentos Sociais.

No entanto, ainda não conseguimos elaborar um posicionamento sobre a questão racial que o coletivo partidário assimile, dogmatismo é uma praga que não se extingue por decreto, é importante estudo e debate sistemático. Há quem ainda acredita que a luta contra o racismo divide os trabalhadores, há olhares diversos sobre a questão racial no Brasil, há diferentes ou divergentes opiniões sobre a necessidade ou não da existência do movimento negro no Brasil, esses debates precisam ser enfrentados.

O PCdoB precisa apresentar uma política sobre esse tema para a nação, é inerente ao Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (NPDN) solucionar as tensões no seio do povo para unir mais e melhor o Brasil. Questão que uma Conferência Nacional do PCdoB sobre a Questão Racial pode solucionar ou aproximar de uma solução mais segura, porque mobiliza parte expressiva da militância e da inteligência partidária em todo país.

Além da Conferência Nacional, estamos maduros para transformar a Coordenação Nacional de Combate ao Racismo em uma Secretaria Nacional, considerado o volume crescente de demandas, a relativa autonomia da pasta e a necessidade elevar o status do combate ao racismo no NPND, pois não seremos capazes de desenvolver o Brasil sem vencer o racismo e incorporar a população negra.

*Titulo Original: Por uma Conferência Nacional do PCdoB sobre a questão racial

*Edson França é Secretário Nacional Adjunto de Movimentos Sociais e membro do Comitê Central do PCdoB.