Roque Tarugo: Sem teoria revolucionária não há revolução
O 13º Congresso do Partido Comunista do Brasil se realiza num momento em que internacionalmente se agudiza a crise do capitalismo e começa a dar sinais de que atingirá brevemente o Brasil. Como estudioso da ciência marxistas, aponto que o Brasil não é uma ilha, não está ´´blindado“ será atingido, mais cedo ou mais tarde pela crise do capital. Afinal, se não é possível, como a história demonstrou, socialismo num só país muito menos capitalismo (sadio!) num só país.
Por Roque Assunção da Cruz*
Publicado 13/08/2013 10:52 | Editado 13/12/2019 03:30
O trabalho teórico e a luta revolucionária
A teoria revolucionária é a consequência do estudo da realidade política e social nada tendo a ver com a repetição empolgada de chavões ou a aplicação mecânica de princípios gerais a uma situação em específico, sem olhar a novas configurações do capitalismo, do Estado e da correlação de forças no mundo globalizado e os avanços técnico-científicos por isso, não se confunde com o verbalismo vazio dos esquerdistas, nem com a chamada renovação que caracteriza o reformismo.
“A teoria revolucionária não abdica nem dos princípios fundamentais do marxismo-leninismo (…), nem da necessidade de compreender novos fenómenos; a teoria revolucionária aplica criativamente os conceitos nucleares do marxismo ao contexto em que os revolucionários atuam numa determinada época e sociedade”.
Na ciência burguesa é relativamente difundida a ideia que a célebre XI Tese sobre Feuerbach – “todos os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo, trata-se agora de transformá-lo” – seria uma afirmação em que Marx acharia desnecessária toda e qualquer teorização do real. Na realidade, tais noções não fazem sentido. Basta lembrar toda a imensa obra teórica de Marx e Engels para se perceber o colosso intelectual dos dois grandes revolucionários.
Por outro lado, o marxismo nunca desqualificou o labor teórico. Mais uma vez, lembrem-se duas clarividentes lições de Lênin: “não há movimento revolucionário sem teoria revolucionária” e a importância para os partidos comunistas da “análise concreta da situação concreta”. Por conseguinte, há em toda a história do marxismo-leninismo uma ligação indissolúvel entre trabalho teórico e prática revolucionária.
Qual a relação entre teoria revolucionária e luta prática?
Devemos considerar que a teoria revolucionária não existe fora da luta revolucionária.
Quer dizer, Marx não nasceu comunista e até atingir os seus 25-26 anos de idade nunca se considerou socialista ou comunista, apesar de já ter entrado em contato com as correntes anticapitalistas da época. Para além da ruptura com o hegelianismo e da leitura do artigo “Esboço para uma crítica da economia política” de Engels e publicado nos Anais Franco-Alemães em 1844, foi o contato de Marx com emigrantes e refugiados políticos socialistas de origem alemã em Paris e, sobretudo, com o desenvolvimento da luta operária – por exemplo, os tecelões da Silésia em luta no ano de 1843 – que iriam estar na génese do marxismo como teoria revolucionária.
Outro exemplo. A obra de teoria (científica e política) mais brilhante de Lênin é não por acaso, “O Estado e a Revolução”. Obra escrita em Julho e Agosto de 1917 em pleno fogo da luta revolucionária em ebulição. A percepção do poder de classe do Estado e a percepção das tarefas que cabiam (e cabem) ao proletariado num contexto de transição para o socialismo seriam aspectos de todo inacessíveis fora da luta revolucionária.
O marxismo não é um mero pragmatismo. De fato, a luta e a prática nas organizações marxistas necessitam sempre de um programa, de resoluções políticas, de debate político e ideológico. É quase como que (o oxigênio para a vida) das organizações políticas e sociais da classe trabalhadora. Outro, exemplo, repare-se que, ao contrário do preconceito da elite e da mídia dominantes de que o PCdoB seria um partido, sectário, sem debate político e condenado a desaparecer, a verdade é que o PCdoB não teria a força eleitoral e, fundamentalmente, social e sindical se não debatesse e aplicasse enunciados políticos e ideológicos que se ajustam à realidade concreta das massas populares.
Assim, considere-se a relação entre teoria e luta revolucionária a partir das seguintes noções:
– A teoria revolucionária faz parte da luta de ideias, da batalha política e ideológica contra a ideologia dominante;
– A teoria revolucionária não é o repetir de chavões ou o aplicar mecânico de princípios gerais a uma situação em específico, sem olhar a novas configurações do capitalismo, do Estado e da correlação de forças – a teoria revolucionária não se confunde com o verbalismo oco do esquerdismo;
– A teoria revolucionária não é igual à revisão de princípios do marxismo em favor da busca de pretensas soluções novas para uma realidade social capitalista que, apesar de novos ajustamentos, continua a reproduzir os seus pilares fundamentais (exploração da força de trabalho; racismo; machismo; mercantilização de todas as atividades sociais, culturais e naturais; Estado de classe controlado pela burguesia; força e peso da ideologia dominante, etc.) – a teoria revolucionária não se confunde com a busca da “renovação” pela “renovação” típica do reformismo;
– A teoria revolucionária não abdica nem dos princípios fundamentais do marxismo-leninismo (primado da luta de classes, papel de vanguarda da organização revolucionária, natureza de classe das várias instituições da sociedade, etc.), nem da necessidade de compreender novos fenómenos;
– A teoria revolucionária aplica criativamente os conceitos nucleares do marxismo ao contexto em que os revolucionários atuam numa determinada época e sociedade.
Portanto, o mundo não nos aparece tal como ele é. Senão, segundo Marx, não teríamos necessidade da ciência, da reflexão teórica, para captarmos seus significados.
Assim, reafirma-se que a teoria não nasce da teoria, nasce das distintas práticas, individuais e sociais (coletivas), mas ela representa um momento específico de reflexão, de diagnostico decifrado dos mecanismos do concreto, de apreensão dos seus sentidos, das suas articulações internas, da própria relação entre teoria e prática. Os que se apropriam do saber – como destacou Foucault – detêm grande parte do poder, porque impõem seus significados às coisas, as chamam pelos nomes que lhes convém, dizem o que é o real e tornam invisível o que lhes importuna e os descoloca.
A teoria não existe sem a prática, ela é sempre teoria de uma determinada prática, ainda que a não nomeie, ainda que se articule justamente para esconder a que prática – e a que interesses – ela remete.
A prática é implacável com os erros da teoria, cobra caro pelos erros teóricos.
Conclui-se que uma compreensão mais profunda dos fenómenos sociais permitirá a desmontagem de enunciados da ideologia dominante, e os comunistas e revolucionários têm um largo património teórico sobre estas questões. Trata-se aqui da necessidade de se aprofundar ainda mais esse património e não de descartá-lo ou ignorar.
Com efeito, a própria teoria revolucionária será tanto mais eficaz quanto mais se avançar na discussão coletiva dos problemas em causa. Discussão que tem de estar sempre inserida no quadro de fortalecimento da luta de classes.
O marxismo consagra essa unidade entre pensamento e ação, só a luta (teórico-ideológica e de massas) é o caminho!
Roque Assunção da Cruz (Roque Tarugo) é militante do PCdoB Bahia.