Julio Fermin: Os cem primeiros dias de Nicolás Maduro
A expressão do próprio presidente venezuelano, Nicolás Maduro, em um ato para celebrar o dia de nascimento de Hugo Chávez, não poderia ser mais clara: "Não é fácil, camaradas, essa luta que tivemos nos últimos cem dias".
Por Julio Fermin, na Agência Latino-Americana de Informação (ALAI)
Publicado 10/08/2013 15:08
E, de fato, os primeiros cem dias são geralmente um período de carência concedido a qualquer governo. Na Venezuela, se converteram em uma extensão da intensa luta eleitoral que pensávamos haver terminado em 14 de abril deste ano, com a eleição de Maduro. Mas o duelo pela morte do presidente Chávez foi apenas uma breve trégua na confrontação política, que perdurou 15 anos do processo bolivariano.
As eleições de 14-A, uma situação sem precedentes
As eleições, embora previsíveis, foram realizadas às pressas. As jornadas dos candidatos foram vertiginosas. Pela primeira vez se elegia um presidente para completar o mandato de outro que havia desaparecido fisicamente. No entanto, as maquinarias políticas estavam intactas e novos ingredientes foram incorporados ao episódio eleitoral.
A vitória por uma diferença de 1,5% — margem pequena em relação às eleições anteriores – mal havia sido divulgada e a oposição encabeçada por Henrique Capriles já iniciava o plano de deslegitimar a decisão popular. Numa espécie de crônica anunciada, Capriles faltou em um compromisso com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) para reconhecer os resultados eleitorais antes do 14-A (14 de abril).
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Assim que soube da derrota, implantou a estratégia de não reconhecer Maduro, passando a exigir uma auditoria de 100% das atas. O opositor convidou seus seguidores a sair para as ruas e, em consequência, episódios violentos deixaram mais de dez mortos em diferentes partes do país. Posteriormente, ele relatou "que lhe haviam roubado a eleição", e finalmente, impugnou o pleito no Supremo Tribunal de Justiça (TSJ, em sua sigla em espanhol).
Mais uma vez, como foi feito em outras eleições, a oposição pôs em cheque o trabalho do CNE, alegando fraude e acusando o governo de “ilegítimo”. Sob essa bandeira, após um breve retiro, Capriles voltou com mais força em uma campanha apoiada pela força midiática, para chamar a atenção dos aliados nacionais e internacionais e denunciar uma crise política na democracia venezuelana, precisamente porque perdeu a eleição.
O tom firme da queixa e a acusação direta contra presidente deixou para trás outras estratégias políticas usadas nas eleições de outubro de 2012, quando em concorrência com Chávez, a oposição evitou confrontar diretamente o líder bolivariano. Capriles, por vezes, desempenhou um papel de alter ego do seu adversário, espalhando uma visão de centro-esquerda, que tentou capturar o voto chavista, o que não pode conseguir na ocasião, mas que depois deu resultado no 14-A.
Desta vez, a emoção popular pela perda de um líder fundamental do processo bolivariano não foi um fator favorável na votação do setor bolivariano. No entanto, o esforço feito por Maduro e as forças do Grande Polo Patriótico permitiram uma base eleitoral sólida como a que foi alcançada em outubro de 2012.
O Governo Eficiência na Rua
Uma vez alcançado o objetivo de ganhar as eleições, pode-se dizer que o governo apontou o golpe da campanha midiática da oposição e pode desconsiderar as acusações de ilegitimidade, enquanto recuperava a iniciativa política, tanto a nível nacional como internacional.
Nesse sentido, foi fundamental lançar o “Governo da Rua”, com o qual o presidente Maduro manteve certa distância das injúrias da mídia e se orientou em direção à tomada do controle do povo em todo o território nacional. Ao mesmo tempo, vários objetivos foram cumpridos, como tornair mais visível a sua figura de liderança e mobilizar o gabinete de ministros, governadores e instituições governamentais em geral, para se focar nas necessidades mais prementes.
Conseguiu, então, retomar decisões atrasadas e programar a ação do governo em todos os cantos do país. O resultado da maioria das enquetes realizadas no país indica que a iniciativa do Governo da Eficiência na Rua é avaliada de maneira positiva.
A cobertura e volume da ação política foram contundentes: em menos de cem dias, o governo visitou 36 cidades em 24 estados da Venezuela e desenvolveu 3324 ações concretas. Arrojou 2450 compromissos de mais de 125 milhões de bolivarianos (moeda local). Ao mesmo tempo, cuidou da agenda internacional com 23 dias no exterior e 18 viagens à 15 países.
A ativação da agenda internacional levou Nicolás Maduro aos cenários onde a Venezuela, com Chávez à frente, desenvolvia sua liderança a favor da unidade latino-americana. Foi assim para a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), onde ratificou o apoio que já havia realizado durante o processo eleitoral, enquanto observadores.
Maduro foi convocado também para encontros da aliança petroleira, Petrocaribe, e participou de jornadas específicas a países aliados. Assumiu a presidência temporária do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e começou a implantar este mesmo espaço na Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos (Alba-TCP), Comunidade do Caribe (Caricom) e outros organismos de integração da América Latina.
Balanço positivo com observações
A oposição insiste em falar de fracasso, em negar tudo, em denunciar um pacote econômico de ajustes e não valorizar quase nenhum ato do governo. Essas ações pós-eleitorais só têm eco com os aliados do poder midiático e outros sócios políticos internacionais, especialmente nos Estado Unidos e Espanha, mas também na Colômbia, Chile e Perú.
Além disso, os opositores vêm apoiando alguns conflitos como a paralisação de professores universitários, que interrompeu parte do sistema de ensino superior, e que apesar dos aumentos salariais de 100%, optaram por manter a greve.
É certo que há ressalvas também a respeito das forças socialistas. Foram ouvidas vozes que questionam o diálogo com os empresários. Formularam acusações como uma curva à direita. Há denúncias que informam que ministros do gabinete haveriam pagado 20 bilhões de dólares para empresas de fachada, mas que não foram investigadas até agora.
Outros não entendem como o país pode oferecer asilo a Snowden e negar Julian Conrado. Do mesmo modo, não está claro qual é a situação econômica real e até quando será possível manter o esquema de inversão de renda e o modelo importador, com baixa produtividade e poucas possibilidades para a soberania alimentar. Alguns críticos mais diligentes destacam que se as eleições municipais estão sendo manipuladas a dedo. Isso sem falar nas centenas de protestos que acontecem a cada mês com intenções de criminalização.
Uma vez superado o processo eleitoral e a luta midiática pela legalidade e legitimidade, de certa forma o Governo de Eficiência da Rua, recorreu os postulados do discurso denominado “golpe de direção” esboçado por Chávez, em outubro de 2012.
O Plano da Pátria, apresentado como oferta eleitoral, segue orientando a ação de governo. Os desafios são imensos. Como manter os programas sociais e missões? Como avançar os processos de participação e protagonismo do Poder Popular e das comunas em direção à construção do Socialismo? Como retomar o desafio do novo modelo econômico que super a inversão de renda? Estas e outras perguntas seguem vigentes e em perigo de serem adiadas, por conta do trabalho em função do novo cenário do pleito de 8 de dezembro.
Abriu-se uma frente de suma importância, de segurança cidadã, com alguns resultados concretos da luta contra a criminalidade por meio do programa Pátria Segura, que lançou às ruas o pessoal militar para brindar maior segurança a toda a cidadania. E este também não está isento de críticas.
Um componente a favor de um balanço positivo foram as medidas tomadas para enfrentar casos de corrupção no próprio governo. Fato que permitiu a prisão de funcionários das empresas Seniat, Indepabis e Ferrominera, incluindo o ex-governador de Guárico, Luis Gallardo, e seus cinco colaboradores mais próximos, por estarem envolvidos em casos extorsão e corrupção. Ao mesmo tempo, o parlamentar Richard Mardo, invalidado de sua imunidade parlamentar, enfrenta a acusação de fraude.
O legado de Hugo Chávez
Nicolás Maduro conseguiu pouco a pouco um posicionamento, tanto das forças bolivarianas, quanto do país em seu conjunto, bem como no plano internacional que já conhecia devido a sua experiência de chanceler. O atual presidente dedicou esforços especiais ao componente militar e ao Partido Socialista Unido da Venezuela, com a intenção de fortalecer sua liderança política.
Até o momento Maduro tomou o bastão para continuar o processo bolivariano, baseado no legado de Chávez, mas com um perfil próprio. A herança do ex-presidente está presente em cada discurso do atual mandatário e dos principais porta-vozes do governo bolivariano. Trata-se de um espelho que reflete cada ação política.
“Nicolás, te encomendo isso como te encomendaria minha própria vida: as comunas, o estado social de direito e de justiça. Há uma Lei de Comunas, de economia comunal (…) eu sou contrário que classifiquemos tudo como ‘socialista’, ‘estádio socialista’, ‘avenida socialista’, ‘padaria socialista’, ‘Miraflores socialista’. Isso é suspeito, porque alguém pode pensar que isso é imposição. Já o fiz socialista, mudei o nome e já está feito”, disse Chávez, advertindo o companheiro sobre o problema de ficar somente com o discurso.
“Precisamos de um nível de interação, de comunicação, de coordenação, de cruzamento de planos, de diagnósticos, de problemas, de ação conjunta. É como uma guerra. O que faz a infantaria sozinha sem as pessoas nos tanques? E que faremos nós sem a infantaria ou a marinha e sem o exército? Que o macho faz sozinho sem a fêmea? Não somos nada sem integração”, expôs o comandante sobre a problemática da coordenação interinstitucional.
Finalmente chegou o cenário do “chavismo sem Chávez”. Nicolás Maduro parece ter sido escolhido para essa nova etapa da Revolução Bolivariana, quando se manifesta “em nome do nosso comandante Hugo Chávez” e pede que “apertemos os parafusos onde tiverem que ser apertados e nos unamos ao povo cada vez mais”. “Temos que nos preparar para novas batalhas e para novas vitórias”.
Tradução: Théa Rodrigues, da redação do Vermelho