Movimentos reforçam luta social das ruas
Os protestos que pipocavam em diversas cidades brasileiras, há algumas semanas, ganharam contornos nacionais, saindo da temática do transporte ampliando a reflexão sobre o Brasil que queremos. A onda de manifestações de segunda-feira (17), que reuniu cerca de 250 mil pessoas, sem dúvida mudou a conjuntura política social.
Por Deborah Moreira, do Portal Vermelho
Publicado 18/06/2013 20:31
É preciso ouvir o que as pessoas estão gritando nas ruas, compreendê-las e politizá-las ainda mais. Essa é uma das conclusões iniciais feitas por movimentos sociais reunidos nesta terça-feira (18).
Na quarta-feira (19), uma nota assinada pelos movimentos sociais presentes no encontro, que aconteceu na Lapa, zona oeste da cidade, será divulgada em apoio ao Movimento Passe Livre e demais organizações que estão à frente das mobilizações. Além disso, pedem um encontro com a presidenta Dilma Rousseff para apresentar a pauta dos movimentos sociais, muitas delas reivindicadas nos gritos dos brasileiros que saíram às ruas ontem. Assinam a nota: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), União Nacional dos Estudantes (UNE), Consulta Popular, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), União de Negros pela Igualdade (Unegro) , Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), entre outros.
Para o economista Marcio Pochmann, que fez uma explanação inicial sobre a conjuntura nacional e internacional, o modelo social de garantir transferência de renda já está demonstrando seu esgotamento, apesar de ter se tornado ferramenta imprescindível para os beneficiados. Ele acredita que o movimento que está surgindo poderá forçar uma polarização em torno de um projeto de país: “A sociedade brasileira vai ficar muito mais polarizada. Mas essa polarização também é interessante para ganhar mais força, disputar mais a consciência política, repensar o que estamos fazendo”.
Para ilustrar, citou um trecho da trajetória do ex-presidente Lula, quando foi convidado pelo irmão para participar de uma assembleia do sindicato, nos anos 1970, disse que preferiria ficar em casa assistindo à novela. Anos depois, o chamaram para formar um partido político, e ele disse que não, que o sindicato era suficiente. “Quero chamar a atenção que a questão da consciência é algo a ser disputado. E esse é o nosso papel, a disputa das consciências na construção de um rumo possível dentro da realidade que temos hoje”, frisou Pochamann.
De acordo com sua análise, o governo terá agora que optar por um novo caminho e responder a questões como “com quem você está”. Para que o projeto de um país mais progressista vá para frente, é preciso ter claro que para um lado ganhar a disputa, o outro lado tem de perder. “A conjuntura mudou e esse novo elemento [mobilização popular] pode dar apoio muito grande a destravar a tentativa da direita em capturar o governo. É um movimento que traz uma explicitação dos limites de um projeto em curso. O que foi feito até agora está correto, mas é preciso avançar”, ponderou Pochmann, que observou que desde o final de 2012 houve um endurecimento de críticas feitas ao governo Dilma, orquestradas pela oposição em reação a posturas do governo federal. “O governo optou em enfrentar a mãe de todas as batalhas, que é enfrentar o núcleo do neoliberalismo, enfrentando as 20 mil famílias que governam o Brasil, que estão ligadas ao rentismo”.
Em entrevista ao Vermelho, Edson França concordou com os questionamentos de Pochmann sobre o esgotamento do atual modelo do governo, que tenta contemplar todos os setores. “É impossível desenvolver o Brasil contemplando todos, alguém tem que perder. O povo está querendo mais. E não terá mais se não houver o enfrentamento. O governo vai ter que aproveitar essa mobilização e estabelecer um foco que ajude a avançar na política de desenvolvimento”, completou.
A lição vem das ruas
Os movimentos sociais reunidos concordam que o debate deixou de ser somente o aumento da passagem, que, na verdade, foi apenas o estopim para que os protestos explodissem. “Vimos que se trata de uma parcela da sociedade que se movimenta por opinião, por convicção. Vale lembrar que é essa mesma juventude, essa mesma classe média, é a mesma que lutou contra a ditadura, que fez a diretas já, que tirou o Collor do poder e que tem impulsionado de maneira geral os avanços no Brasil”, analisou Edson França, secretário-adjunto de Movimentos Sociais do PCdoB e presidente da Unegro.
“A rua nos ensina muito e nos faz refletir. Cabe ao movimento social organizado, inclusive a UNE, que participa ativamente, tentar politizar ao máximo e tentar apresentar uma plataforma para que a gente consiga colher melhores frutos dessa mobilização”, opinou Edson França, secretário-adjunto de Movimentos Sociais do PCdoB, lembrando que movimentos espontâneos tem seu esgotamento natural.
Luana Bonone, presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), questionou a aposta grande feita no aumento do consumo que não foi suficiente para acelerar o crescimento e, além disso, não contribuiu com a cultura política. “Uma medida ousada de um projeto próprio de país, precisa de sustentação popular. E sobre o que está havendo, não percebo uma elevação da consciência social significativa, ainda. Embora haja elementos simbólicos de avanços, como o aumento do papel das mulheres e dos trabalhadores na política. Acredito, ainda, que é preciso fazer uma nova leitura sobre o conceito de cidadania, incorporando urgentemente pautas sobre qualidade de vida como moradia digna, educação de qualidade, saúde e transporte coletivo”, disse Luana durante a reunião.
Para os movimentos sociais reunidos, o momento político não se encerrará mesmo que a redução da passagem venha. “É uma parcela relevante da população. Não podemos dar as costas. São jovens que conseguiram derrubar a agenda reacionária que foi muito presente na eleição presidencial, e perdeu força, com mobilizações, na eleição municipal de São Paulo”, comentou o presidente da Unegro, referindo-se a movimentos como o Existe Amor em SP.
Sociedade do conhecimento
Em sua explanação, Marcio Pochmann lembrou o contexto que vive a atual sociedade pós-industrial, com novas formas de organizações de trabalho, grande parte dela no setor terciário (70%) que está submetida a um “processo de exploração exorbitante” por levar, cada vez mais, a uma intensificação da jornada de trabalho. Ao contrário do que ocorre com o bem material, que precisa ter um local para exercê-lo, o bem imaterial pode ser feito em qualquer lugar e isso faz com que as horas de trabalho se prolonguem.
Uma pesquisa feita no Reino Unido com trabalhadores da área de serviço, que utilizam serviços de tecnologia de informação, demonstrou que eles perderam a chamada semana inglesa – 8 horas de trabalho, 8 horas de descanso e 8 horas de convivência com a família. Hoje, essas pessoas se desconectam das tecnologias no sábado à tarde e retornam no domingo pela manhã. Ou seja, praticamente “não se desconectam de seus trabalhos”.
“Achávamos que na sociedade do conhecimento as novas tecnologias nos dariam mais tempo livre. Mas o que estamos vendo é que ninguém tem mais tem tempo para nada. Essa sociedade do conhecimento abre a perspectiva de novas batalhas pela redução dramática do tempo de trabalho”, observou Pochmann, lembrando que a educação, estrutura dessa sociedade nova, precisa ser repensada e ter mais investimentos.
“Não há razão para o que temos hoje. As 500 maiores corporações transnacionais que dominam o mercado mundial, com 50% do PIB, difundem cada vez mais as universidades corporativas. A Petrobras, por exemplo, gasta R$ 400 milhões anuais em qualificação. O ministério do Trabalho gasta R$ 125 milhões para todos os trabalhadores do Brasil”, comparou Pochmann.