Arte e resistência
No passado, os que lutavam pela liberdade eram considerados doentes; hoje, os que resistem ao imperialismo e à opressão são taxados de criminosos – mas a máscara que oculta os opressores continua a mesma.
Por Natália Forcat
Publicado 24/05/2013 16:08
Em meados do século XIX, no sul dos Estados Unidos, os escravos que tentavam fugir repetidamente eram considerados portadores de um distúrbio chamado "drapetomania", uma "doença" que, segundo alguns médicos, afetava apenas negros. Um estudo definindo as características do "distúrbio" foi apresentado pelo dr. Samuel Cartwright numa revista médica e muitos colegas de profissão e membros respeitáveis da sociedade daquela época consideraram totalmente razoável que pessoas que apenas queriam ser livres estivessem acometidas de alguma "doença". Desta forma, a sociedade, que tinha interesses financeiros em manter aquele grupo humano escravizado criou uma "palavrinha" para catalogar os que não aceitavam ser oprimidos e dessa forma maquiavam a realidade cruel da escravidão. Não é muito diferente a forma como vem se utilizando o termo "antissemitismo" na atualidade. O sionismo e seus apoiadores se negam a ver que os palestinos não padecem de alguma "doença" como a catalogada pelo dr. Cartwright e que apenas desejam ser livres e poder decidir seu próprio destino. Muitos artistas que se solidarizam com a luta do povo palestino vêm sendo definidos, não como doentes, mas como criminosos, pelos apoiadores do colonialismo israelense, numa tentativa burra de censura institucionalizada ainda mais violenta.
Felizmente, sabemos que o desejo de liberdade é uma chama poderosa que acalenta os corações dos seres humanos desde tempos remotos e assim como hoje nos resulta inadmissível pensar que um dia se catalogou como "doentes" a pessoas que apenas queriam ser livres, sabemos que num futuro próximo os que defendem a liberdade do povo palestino deixarão de ser considerados criminosos.
Os Fradinhos "subversivos" de Henfil
Em várias épocas, artistas tem se engajado na luta pela emancipação dos povos. Poetas criaram cânticos e trovas, escritores, fábulas e romances. Na recente história do Brasil não faltam exemplos de artistas engajados que expressavam através da arte o desejo acalentado pela maioria do povo brasileiro. Chico Buarque, Henfil e outros deram forma ao desejo coletivo e, obviamente, foram perseguidos e catalogados de "subversivos" pelos que queriam manter o "status quo". Algo parecido aconteceu com o cartunista e ativista Carlos Latuff, que recentemente foi vítima do rótulo de "antissemitismo" por parte de uma instituição que atualmente se dedica a impedir que a verdade sobre o desrespeito dos direitos humanos cometidos pelo estado de Israel venha a tona. O cartunista brasileiro foi considerado o terceiro maior "antissemita" do mundo pelo Centro Simon Wiesenthal, por realizar e veicular um cartum denunciando o uso eleitoral, por parte de Benjamin Netanyahu, da última agressão militar israelense a Gaza.
Carlos Latuff abraçou a causa palestina após uma viagem aos territórios ocupados da Cisjordânia, em 1999, ao ver com seus próprios olhos a situação degradante em que vive esse povo sob a ocupação sionista, e desde então dedica boa parte de seu trabalho a esse tema. Latuff pratica um tipo de ativismo artístico, produzindo desenhos copyleft para servirem de ferramenta aos que lutam contra a opressão e a injustiça. Vários artistas, ativistas e intelectuais do Brasil e do mundo se solidarizaram publicamente com o cartunista brasileiro e manifestaram sua indignação com o uso arbitrário do rótulo de antissemitismo para tentar censurar o artista.
Outras vítimas do rótulo de "antissemitismo"
Em 2012, uma charge publicada pelo jornal português Diário de Notícias causou a revolta da comunidade judaica no país e da embaixada de Israel em Lisboa. “É horrível. Penso que todas as pessoas ficaram indignadas, não só os israelenses. Tira sarro das almas e da memória dos seis milhões de judeus executados nos campos de concentração da Alemanha”, criticou o presidente da Comunidade Israelita de Lisboa, José Carp.
O criador do cartum, André Carrilho, negou ser antissemita. “Eu tento me colocar do lado das pessoas que são vítimas. Quis mostrar que uma pessoa que já foi vítima também pode se tornar agressor”. O cartunista português esclareceu que o cartum não retrata o povo judeu, mas o governo de Israel.
Eloar Guazelli, premiado num salão de humor organizado pela Iranian House of Cartoon, também precisou se explicar para tentar se livrar do rótulo de antissemitismo. "Perdi minha fé na raça humana quando vi que o povo que havia sofrido o Holocausto acabou criando uma máquina de matar por razões de Estado. A lógica de usar a força para tratar questões políticas é a mesma lógica militarista do nazismo” afirmou ao jornal Folha de S. Paulo o cartunista Eloar Guazzelli.
Outros artistas graficos engajados na luta pela emancipacao do povo palestino.
O artista palestino Naji al-Ali foi assassinado em Londres em 1987 aos 50 anos, quando ia em direção aos escritórios do jornal kuwaitiano Al-Qabas. Os criminosos nunca foram identificados. Naji continua sendo um dos cartunistas mais destacados no mundo árabe. Os cartuns de al-Ali retratam sua experiência como refugiado palestino desde a infância e refletem sua posição política, frequentemente crítica aos governos árabes que ele considerava traidores. Handala é o nome do garotinho que está sempre presente nos cartuns e que represem o proprio Naji, criança frente aos horrores provocados pela ocupação sionista.
Banksy é o artista mais destacado do mundo em street art. Ele não faz só grafite, mas também é um ativista político, um "cartunista das ruas". Apesar de sua fama e seu ativismo, a sua identidade é desconhecida.
Em 2005, Banksy viajou para a Palestina. Lá, ele fez diversas obras onde critica o tratamento dado aos palestinos, o racismo e condena o muro do apartheid. Segundo Banksy, o muro construído por Israel “essencialmente transformou a Palestina na maior prisão aberta do mundo.”
Palestina é resultado de uma viagem que Joe Sacco fez ao Oriente Médio. Durante dois meses, Sacco coletou histórias nas ruas, nos hospitais, nas escolas e nas casas dos refugiados. Presenciou violentos confrontos dos soldados com a população e entrevistou vítimas de tortura. Conversou com militantes, com outros já conformados com a situação, com velhos e com crianças. Tudo isso virou arte, a forma que o artista encontrou de dar voz aos oprimidos.
Assim como o negro que insistia em ser livre e ignorava o diagnóstico medico de "drapetomania", os artistas continuarão a ignorar os eufemismos inventados pelos opressores para silenciar as vozes dos que lutam pela liberdade, e é bom que assim seja!
Fonte: Zunái – Revista de poesia & debates