Secretária-geral da UNE faz balanço da gestão em entrevista
Natural de São Paulo, a estudante de direito Michelle Bressan é mais uma mulher a romper preconceitos e ocupar uma importante função dentro do movimento estudantil. Hoje, aos 25 anos, é secretária-geral da União Nacional dos Estudantes. Mas sua trajetória começou cedo, no grêmio estudantil de sua escola. Foi presidenta da União Municipal dos Estudantes de São Paulo e também diretora da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a entidade irmã da UNE.
Publicado 21/05/2013 10:06
Com o fim da sua gestão à frente da UNE, ela conta um pouco sobre as adversidades e conquistas vividas nesse período de intenso trabalho e mobilização.
Alguns dos temas da conversa que ela teve com o site da UNE são a preocupação com o monopólio presente atualmente no ensino privado brasileiro, fruto da crescente injeção de capital estrangeiro, a luta contra a prática dos altos juros no país e a importância de programas que desenvolvam e priorizem a educação, como o Projeto Rondon.
‘’O maior desafio é fazer com que a luta da UNE sempre esteja ligada com a luta do povo, da educação, exatamente como ela fez nos seus 75 anos de vida’’, declara.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
UNE: Como começou a fazer parte do movimento estudantil?
Michelle Bressan: Em 2004 fui eleita presidente do grêmio da minha escola. No mesmo ano fui convidada para ir ao Congresso da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (Umes) , e em 2005 fui para o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes na Venezuela. Em 2006 fui eleita presidente da Umes. Em 2007 fui eleita Vice-Presidente da Ubes e em 2011 fui eleita Secretaria Geral da UNE. O que mais me motivou a ser militante foi, como diria Che Guevara: “Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros.” E eu vivi exatamente isso na Festival Mundial da Juventude em 2005. Milhares de jovens do mundo inteiro lutando contra um sistema que sufoca, que só prejudica os povos. Depois de um longo discurso do presidente Hugo Chávez, resolvi que queria fazer parte dessa luta.
Você teve que conciliar sua vida política com os estudos e com o trabalho, como foi?
Claro, tudo temos que conciliar, mas sempre deu certo. Uso muito bem as 24 horas do dia.
Houve tempo para curtir a vida pessoal?
Houve bastante tempo, sempre namorei, continuo com os meus amigos dentro e fora da política. Às vezes, priorizamos mais aqui, outras vezes mais ali. Para sermos militantes, também precisamos ser pessoas normais. Trabalhar, namorar, enfim, curtir a vida também lhe torna um bom revolucionário.
Desde a sua entrada no movimento estudantil até os dias de hoje quais lutas você destacaria? Quais te marcaram mais?
Acho que são várias as que me marcaram, mas a primeira vez que fiz algo sempre foi especial. A primeira sala de aula que passei, a primeira manifestação que eu dirigi, a primeira plenária final em que falei…
Muitas pessoas ainda lembram com certo saudosismo da geração dos ”caras-pintadas” em 1992, dizendo que a juventude atual não se preocupa mais com a política. Você acredita nessa afirmação? A juventude de 2013 tem a mesma vontade e disposição para mudar os rumos do país?
Cada geração tem os seus desafios. Coube à nossa a possibilidade de transformar em realidade muitas das bandeiras que embalaram a história da UNE, e das lutas da juventude brasileira. Na década de 60, por exemplo, a luta da UNE era construir uma universidade popular, com a presença e a serviço do conjunto do Brasil. Nós conseguimos!
Hoje no Brasil uma das pautas que tem unificado os movimentos sociais é a reforma política. Que tipo de reforma é defendida pela UNE? O que o movimento estudantil tem feito na luta por mudanças no sistema político brasileiro?
A nossa luta é para aprofundar a democracia no Brasil. Os setores mais atrasados querem concentrar o poder nas mãos de poucos partidos, comprometidos até a medula com os grandes financiadores de campanha. É preciso garantir que toda a diversidade de opiniões no Brasil tenha direito de ter o seu espaço, com seus partidos, candidatos, tempo na TV. É preciso que o financiamento seja 100% público, pois só assim diminuiremos o imenso poder que as grandes corporações têm sobre o resultado das eleições.
Uma das principais lutas da UNE é o fim dos altos juros praticados no Brasil. Como você avalia o movimento dos juros, já que ele vinha em queda desde 2011, e agora sofre novamente um aumento?
O Brasil cresceu 7,5% em 2010, durante o governo Lula. Essa política elegeu a presidente Dilma, que se comprometeu a não só continuá-la, mas a aprofundá-la. Infelizmente não é o que vem acontecendo. Enquanto Lula baixou os juros e criou o PAC, o ministro Mantega assumiu levando os juros a estratosfera e praticamente criminalizou os investimentos públicos a partir de 2011. O aumento do salário mínimo desabou, derrubando junto a média salarial. O fortalecimento da Petrobrás, que nos levou à descoberta do Pré-Sal deu lugar ao abandono dos seus planos de investimento e do criminoso leilão de 70 bilhões de barris proposto pela ANP para este ano. Queremos voltar à política que fez o Brasil crescer, e sem dúvida a UNE tem uma grande responsabilidade nessa luta. A presidente Dilma agiu de maneira correta ao enfrentar as pressões e diminuir os juros. Acredito que ela seguiu o conselho feito por Lula durante a campanha eleitoral, de que nos momentos mais díficeis olhasse para o povo para saber o que fazer. Naquele período as Centrais e a UNE reuniram 90 mil pessoas do povo em frente ao BC contra os juros.
Como nos principais setores da economia brasileira, o capital estrangeiro também abocanhou grande parte do ensino privado. Hoje, somente quatro grupos estrangeiros (Anhanguera, gerida pelo Citigroup; Estácio, do GP Investments; Kroton Educacional e Laureate) com 1.317.000 matrículas, superam o número de alunos de todas as federais somadas. No que isso influencia a educação no país?
Veja que a Anhanguera já foi comprada pela Kroton. E no prazo para divulgação dessa entrevista é bem provável que aconteçam novas incorporações. O capital estrangeiro já controla mais de dois milhões de matrículas, além desses grupos principais. Na prática já atuam juntos através da Abraes, que é um dos grupos de lobby mais poderosos de nosso país. Essas corporações não competem entre si. Raramente existem na mesma cidade. Pressionam por seus interesses juntas, e compartilham das mesmas estratégias de crescimento. Até hoje não construíram uma única sala de aula, apenas compraram as instituições pagas que já funcionavam.
O que está acontecendo é muito grave. Estão monopolizando o ensino pago brasileiro, através de um cartel centralizado nessa Abraes, que unifica os seus interesses. A compra das até então grandes universidades particulares brasileiras como UNIP, Uninove e FMU é uma questão de tempo. A pergunta que fica, é que interesse tem o MEC em não só permitir, mas estimular esse absurdo? Cada compra dessa deve ser autorizada pelo governo, cada novo curso aberto também. Isso sem falar no absurdo de o governo financiar quase metade dessas vagas através do Prouni e do Fies sem absolutamente nenhuma exigência em contrapartida. A quem interessa empurrar os trabalhadores que passaram a ter condições de entrar na universidade, fruto dos avanços conquistados com Lula, para instituições de péssima qualidade. A quem interessa deixar que trabalhadores gastem não raras vezes todo o seu salário em instituições que não formam nem 15% dos seus ingressantes?
A UNE é parceira do Projeto Rondon, do Ministério da Defesa. Como está hoje o projeto e qual a importância dele para o desenvolvimento do estudante e do Brasil?
O Brasil tem uma carência gigantesca de engenheiros, médicos, graduados e técnicos em várias áreas. Para dar conta disso precisamos avançar em três frentes. Primeiro na criação de mais matrículas nas universidades públicas, com não só a garantia, mas o aumento dos investimentos em sua qualidade. Por isso brigamos contra a paralisação que o MEC está fazendo na expansão das federais iniciada por Lula em 2005. Segundo, fazendo com que essas instituições aprofundem cada vez mais o seu compromisso com o desenvolvimento social e econômico do país. E isso não é tão simples, pois só se resolvem os graves problemas de miséria, concentração de renda e produção, fazendo a economia crescer, aumentando a produção, a nossa capacidade de produzir com nossas próprias forças aquilo que precisamos. Quem defende democracia, igualdade, justiça, sem dar prioridade a isso não alcançará bons resultados. E por último, precisamos que os jovens que entram na universidade, enxerguem a sua responsabilidade com as necessidades do conjunto do povo, e não apenas de uma pequena elite. A sua prioridade deve ser se preparar para ampliar a nossa produção de alimentos, para que não haja mais brasileiros com fome. Gerar mais energia atômica, hidrelétrica e com o Pré-Sal, para sustentar o crescimento da nossa indústria.
A importância do projeto Rondon é a de reforçar esse papel dos universitários para o Brasil. De os colocarem frente a frente com uma realidade que não aparece na Globo, e muitas vezes nem na sua sala de aula. A Amazônia, região mais rica do mundo em recursos hidro-minerais, e de extrema miséria para a sua população. Infelizmente o Rondon tem tido muito menos condições de proporcionar essa experiência para um número maior de estudantes. Isso porque falta dinheiro garantido ao projeto. O exército e as universidades tem feito um grande trabalho em condições muito difíceis. Todo ano é uma briga para garantir os recursos necessários. Isso precisa melhorar.
Ao término dessa gestão como secretária geral da UNE, quais foram seus maiores desafios? E quais conquistas você destacaria?
Acho que o maior desafio é fazer com que a luta da UNE sempre esteja ligada com a luta do povo, da educação, exatamente como ela fez nos seus 75 anos. Isso pode parecer fácil, mas não é. Sempre tem algo que disputa a sua atenção e inevitavelmente a tira do foco. Sem duvida uma das principais conquistas foi a derrubada dos juros, que a UNE teve papel protagonista na construção dessa frente e a aprovação da lei da meia-entrada estudantil na Câmara.
Fonte: Site da UNE