José Dirceu: Políticas tucanas, retrocesso e terceirização
Ao lançar na semana passada a concessão de auxílio em dinheiro para custear o tratamento de dependentes químicos em comunidades terapêuticas privadas, o governador de São Paulo Geraldo Alckmin afirmou que a iniciativa representa "mais um passo para enfrentar o grande desafio ao mundo moderno", em referência ao crack.
Por José Dirceu*
Publicado 18/05/2013 10:22
Porém, segundo especialistas em saúde mental e drogadição, o governo tucano deu mesmo mais um passo para trás ao lidar com o problema como se fosse meramente uma questão de financiamento, ao invés de oferecer aos doentes uma proposta de tratamento humanizado e abrangente.
Depois de lançar o programa estadual de internação compulsória e de criar vagas artificiais para acolher dependentes químicos – como a utilização do hospital psiquiátrico Pinel, em prejuízo ao tratamento de pacientes com transtornos mentais – o governo paulista resolveu adotar a velha prática comum às gestões tucanas de delegar ações de política pública, abrindo mão de fazer seu papel e enfrentar esse grave problema social e de saúde.
Conforme anunciado, o benefício será concedido por meio de um cartão, que será aceito apenas em entidades cadastradas. Porém, nada se sabe ainda além de que haverá um auxílio financeiro. Como é de seu costume, o governo não deixou claro quais serão as diretrizes de tratamento, quais os critérios para selecionar as entidades e os pacientes e como será o controle social sobre a ação dessas comunidades e fiscalização do dinheiro aplicado.
Para os especialistas, trata-se de uma proposta obscura, que pode fomentar um mercado de tratamento da dependência química, além de servir a interesses políticos. Segundo o presidente do Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo, Rogério Giannini, a iniciativa é mais um retrocesso em um trajeto iniciado com as internações compulsórias. Giannini avalia que, em sua grande maioria, essas comunidades têm como proposta uma prática manicomial de abstinência e isolamento forçados, sem contar com atenção clínica ou grupos multidisciplinares, que é um princípio básico de atendimento estabelecido no âmbito do Sistema Único de Sáude (SUS). Há ainda uma série de denúncias de trabalhos forçados relacionadas a tais comunidades.
O psicólogo argumenta também que o estímulo ao isolamento não é um bom caminho, já que questões psíquicas e de drogadição são sociais e não individuais, requerendo, portanto, atendimento multidisciplinar. Para ele, a instituição do auxílio pode incentivar as famílias a buscarem a internação como se fosse a única solução, fazendo com que o tratamento se torne um mercado, desestimulando ainda mais o desenvolvimento de políticas públicas.
Como se vê, os governos do PSBD não se cansam de repetir a fórmula da terceirização das políticas públicas, adotando a exclusão como método de tratamento dos dependentes químicos, por meio de internação em comunidades terapêuticas.
Em Minas Gerais o programa do governo Anastasia para combater as drogas, "Aliança pela Vida", não fica atrás e reforça o caráter higienista e segregativo das políticas tucanas para lidar com a questão. Lá, o programa, que também subsidia a internação em clínicas particulares, inclui a presença repressiva da polícia e de agentes da saúde mental em locais de consumo.
Essas medidas estão em total descompasso com o plano nacional do governo federal, que preconiza uma política ampla, sistemática, moderna e corajosa de enfrentamento às drogas. Com previsão de R$ 4 bilhões até 2014, o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras drogas articula medidas que visam o aumento da oferta de tratamento de saúde, prevenção, acolhimento, reinserção social e segurança pública.
O pior de tudo é que os governos tucanos usam politicamente o clamor social e o desespero das famílias para instituir ações duvidosas, ao invés de cumprir o seu papel e investir os recursos em políticas públicas, como campanhas de prevenção e uma rede de proteção que, de fato, acolha os dependentes químicos, respeitando seus direitos e procurando reinseri-los.
*José Dirceu é advogado, blogueiro, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT.
Fonte: Brasil247