Xavantes de Marãiwatsédé relatam violações à Comissão da Verdade
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) recebeu nesta terça-feira (23) em sua sede em Brasília o "Relatório sobre violações dos Direitos Humanos: o caso dos Xavante de Marãiwatsédé", produzido pela Associação Bö´U (Urucum) e pela ONG Operação Amazônia Nativa (Opan).
Publicado 24/04/2013 08:27
O documento narra as ações de empresários e dos poderes locais e nacionais, entre os anos 40 e 60, que resultaram na invasão da terra indígena (TI) Marãiwatsédé, localizada no Mato Grosso, e a expulsão dos Xavante da TI, somente recentemente recuperada na Justiça Federal.
O relatório, de 71 páginas, foi entregue por um grupo de sete Xavante de Marãiwatsédé, que vieram especialmente para o encontro, entre eles dois anciões da etnia, irmãos do cacique Damião, que não pode estar presente. Também participou da reunião a indigenista Sayonara Silva, da Opan.
O grupo foi recepcionado pela integrante da CNV Maria Rita Kehl, coordenadora do grupo de trabalho Graves Violações de Direitos Humanos no Campo e Contra Indígenas.
Antes e ao final do relato os indígenas fizeram a dança da cura, ritual tradicional da cultura Xavante. Parte do relato foi apresentado pelos Xavante em sua língua nativa pelo ancião Dario. Ele contou que nasceu na terra indígena antes da invasão dos fazendeiros brancos e que, desde antes do contato, os Xavante de Marãiwatsédé (que significa "mata densa") já sofriam com o preconceito e ameaças.
Quando a invasão ocorreu, promovida por latifundiários e um projeto de colonização da região pelo governo de Mato Grosso, nos anos 60, o Serviço de Proteção aos Índios (órgão que antecedeu a Funai), relatam os Xavante, não os protegeu, exceto pelos relatos de Ismael Leitão, chefe da SPI na área, cujos apelos teriam sido ignorados pela direção do órgão.
O resultado da remoção forçada dos índios, realizada em aviões da FAB, já foi observado na chegada à terra indígena de São Marcos onde viviam outros Xavante: a maioria dos 263 transferidos morreram de sarampo em poucos dias. O ano era 1966. A população Xavante de Marãwaitsédé era de 3000 indivíduos antes da invasão. Hoje, a população é de 963 pessoas.
Os mortos, segundo o relato, foram enterrados em vala-comum, o que causou também muito sofrimento aos indígenas. A mudança para a reserva de Xavante de outras terras atiçou rivalidades entre a etnia e brigas. Os indígenas afirmaram que deveriam ser indenizados pelos prejuízos.
Reescrevendo a história
Maria Rita Kehl explicou que a CNV não tem atribuição de pagar indenizações, mas esclareceu que a Comissão da Verdade "tem o poder de escrever essa história e fazer circular essa informação pelo Brasil. Estamos aqui para contar essa história, que não é conhecida de todos os brasileiros", afirmou.
"Me comprometo a ler esse documento e acrescentar ao relatório da CNV a história dos Xavante da TI de Marãiwatsédé", afirmou Maria Rita.
Segundo o professor indígena Cosme Rite, filho do cacique Damião, "as ameaças do passado continuam". Mesmo após a desintrusão de suas terras por decisão da Justiça Federal já foram detectadas novas invasões na terra indígena. "Cada ser humano tem direitos e nós temos os nossos", afirmou Vanderlei Temireté Xavante, outro integrante da comitiva.
Além disso, Cosme relatou que os Xavante, já de volta à TI Marãwaitsédé, ainda sofrem para ter acesso à saúde pública, especialmente nos municípios de Alto Boa Vista e Bom Jesus do Araguaia, onde sofrem com preconceito. Por isso, os indígenas investem na recuperação da medicina e da alimentação tradicional de seu povo. Além disso, novas invasões foram detectadas na terra indígena (foto: Antonio Cruz/ABr).
Maria Rita afirmou que, além do relatório, a CNV pode fazer recomendações, por exemplo, para que não sejam alteradas as regras de demarcação de terras indígenas, e para fortalecer a Funai.
Os indígenas agradeceram o encontro: "Nossa espiritualidade vai prosseguir daqui para a frente com a história que estamos entregando à Comissão. Bom trabalho para vocês", afirmou Vanderlei.
Expedição ao Amazonas
Em entrevista coletiva após o encontro, Maria Rita Kehl confirmou os planos da CNV de uma expedição ao Amazonas para encontrar membros da etnia Waimiri-Atroari. "Membros de várias aldeias se reunirão em uma celebração tradicional no final de junho e pretendemos estar lá nesse período para contatar o maior número possível de pessoas", afirmou.
Ela também confirmou que a CNV já está de posse do relatório Figueiredo, cujo teor vem sendo revelado em reportagens do jornal O Estado de Minas. Segundo a integrante da comissão, o documento, que relata graves violações de direitos humanos cometidas contra indígenas de várias etnias, é muito denso e requer uma análise cuidadosa da Comissão.
Fonte: Portal da Comissão Nacional da Verdade