Comercial de cerveja critica uso da imagem da mulher
A agência de publicidade AlmapBBDO lançou, no dia 28 de março, um comercial da cerveja Bohemia em que ironiza anúncios de outras marcas que usam a imagem da mulher para vender a bebida. Em entrevista, Rachel Moreno, psicóloga e autora do livro "A Imagem da Mulher na Mídia", fala sobre a representação feminina nas peças publicitárias e faz um alerta: a mesma agência possui também a conta da cerveja Antarctica, pertencendte a Ambev, marca mais popular que explora a imagem da mulher.
Publicado 06/04/2013 15:37
A Revista Fórum conversou com Rachel Moreno para saber a sua análise da nova peça publicitária, da representação feminina na publicidade e a razão pela qual a imagem da mulher é tão vendável aos olhos do mercado publicitário e de seus clientes.
Revista Fórum: O que a senhora achou da nova propaganda da cerveja Bohemia, que faz uma brincadeira com outras marcas que utilizam a imagem da “mulher gostosa” em suas propagandas?
Rachel Moreno: Em um primeiro momento, gostei. Finalmente uma propaganda de cerveja que rende homenagem a quem consegue degustar cerveja de fato, as características organoléticas e a qualidade da cerveja mais do que a imagem que é associada a ela. Fiquei feliz, fiquei contente.
Só que parei para pensar. A propaganda é boa, sem dúvida, mas não deixa de ser uma propaganda da Ambev, que acabou segmentando o mercado. Acho que tiveram a sensibilidade de perceber que estava provocando algumas reações negativas e acabaram segmentando. Afinal, a Ambev é dona da Skol e outras marcas de cerveja que acabam utilizando a imagem da “mulher gostosa” para vender.
Existe um mercado mais crítico em relação a essa abordagem de utilizar essa imagem, e existe outro mercado, tradicional, que eles vão continuar tentando atingir da mesma maneira para ampliar o seu público.
A terceira coisa que me chamou atenção nessa história é que as mulheres estão se transformando em um segmento absolutamente importante dentre os bebedores de cerveja, mas elas ainda não são contempladas pelas publicidade. O que temos é a “mulher gostosa” que cai feito mosca no colo do homem bebedor de cerveja ou, então, nessa propaganda Bohemia, uma senhora que aparenta ter bastante idade e não representa a maioria das mulheres consumidoras de cerveja. Fica faltando ainda direcionar o produto às mulheres especificamente.
Eu me pergunto a razão disso. Outro dia, estava conversando com uma pessoa que conheço em uma agência de publicidade e ela me disse, “entendo o porquê de vocês reclamarem quanto à imagem da mulher na propaganda, mas temos que trabalhar com o imaginário do bebedor de cerveja. E o que você imagina que o imaginário do bebedor de cerveja veja após a segunda garrafa? Mulher bonita e gostosa caindo no seu colo”. Ou seja, este é o foco.
Qual seria o porquê dessa resistência em trabalhar com mulheres especificamente? Será que isso feminiliza o produto ao ponto deles terem medo de afastar o bebedor de cerveja masculino? Será que as mulheres ainda se veem como transgressoras ao beber cerveja? Acho que não. Acho que a publicidade está no caminho, mas ainda falta reverem de forma mais aprofundada os seus preconceitos.
Revista Fórum: A agência que produziu o comercial da Bohemia, a AlmapBBDO, é a mesma que possui a conta da Antarctica, uma cerveja mais popular e que costuma utilizar a imagem da “mulher gostosa”. Como você vê essa situação, uma cerveja popular utilizando a imagem da “mulher gostosa”, enquanto outra cerveja, premium e da mesma agência, critica esta postura?
RM: Como cerveja premium, eles estão querendo atingir um segmento que presta mais atenção na cerveja em si, na qualidade da cerveja. Os senhores mais velhos provavelmente caracterizam melhor isso do que mulheres. Mas, de forma geral, você não tem propagandas direcionadas para as mulheres em termos de cerveja, este é um ponto constante.
Outra coisa que eu gostaria de levantar em relação à propaganda da cerveja é o horário em que ela é veiculada. Sei que existem agrupamentos que estão pressionando para que se modifique a lei para que a propaganda de cerveja também passe depois das nova da noite, porque antes disso temos crianças assistindo televisão. Só que existe uma resistência muito grande, uma bancada que defende os interesses da indústria cervejeira e que resiste a isso.
Revista Fórum: Como a senhora vê essa diferença feita pela publicidade, em relação ao poder aquisitivo dos consumidores de cerveja?
RM: Essa pergunta remete a muita informação e muito trabalho que eles [mercado publicitário] possuem acumulado em termos de pesquisa. Não tenho acesso a esses dados, mas fiz algumas pesquisas algum tempo atrás.
O que sei é que o grande público, que consome bastante, é focado nos jovens, que não são tão conhecedores de cerveja assim. Sei que o hábito entre esses jovens muitas vezes é começar com a melhor cerveja e depois da segunda ou terceira cerveja, ver quanto dinheiro resta no bolso e quantas cervejas dá pra comprar e aí podem baixar a qualidade da marca. Depois da segunda ou terceira cerveja a descriminação entre as marcas é menos sutil. Aí o que interessa é prolongar o papo regado a cerveja, que acaba sendo um objeto intermediário para essa sociabilidade. Até por isso as nossas cervejas são mais aguadas que outras cervejas de fora, particularmente as europeias.
Por um lado, há um público mais conhecedor e uma cerveja que pretende ser premium. Por outro, você tem um grande público que pode começar com uma cerveja premium e acabar com uma mais barata. Então, eles [marcas de cerveja] têm que se comunicar de modo a garantir o segmento que lhes interessa e o maior número de consumidores possível.
Revista Fórum: O mercado publicitário objetiva vendas e lucros. Neste contexto, qual a razão da imagem da mulher ser tão vendável nas publicidades de cerveja?
RM: O que acontece é que a sociabilidade, a situação de relaxamento entre diversos amigos em um ambiente social, para jogar conversa fora, tem como corolário, digamos, uma situação cercada de pessoas simpáticas, mulheres gostosas que prestam atenção em você.
É um pouco dessa fantasia que a cerveja tenta preencher. É essa a promessa de felicidade que ela apresenta como uma consequência do seu consumo. É nisso que as pessoas acabam apostando, consciente ou inconscientemente.
Revista Fórum: Como a senhora vê o retrato da mulher pela publicidade? Existiram avanços nos últimos anos?
RM: Houve um avanço sim, mas não aqueles que nós esperávamos. Não aqueles que as mulheres esperam em termos de um retrato mais fiel dos avanços que as mulheres tiveram na sociedade de modo geral.
Avançamos muito ultimamente. Uma gama muito grande de mulheres são chefes de família, estamos em todas as carreiras e profissões, mas ainda temos o teto, não chegamos lá em cima ainda. Estamos no mercado de trabalho, provamos nossa competência, acumulamos mais anos de estudo em qualquer tipo de cargo ou nível no qual a gente esteja. Ou seja, nossa parte da lição de casa nós fizemos.
Agora, a isso tudo não corresponde o retrato, digamos, mais fiel disso em termos de publicidade. Mas, por outro lado, a publicidade tem sido a que mais se atualiza sua imagem, inclusive em relação à programação.
Vou dar um exemplo para tornar isso mais concreto. Um tempo atrás não tinham negros ou negras na publicidade. Depois de um tempo, começou a ter mulheres negras na publicidade. Pesquisei e fui ver porque isso acontecia. Basicamente, em um primeiro momento, aconteceu porque passou a ter um segmento da população negra com poder aquisitivo, o que tornou este segmento interessante para a publicidade. Depois, em um segundo momento, a indústria se reposicionou e achou mais interessante focar uma classe social, um pouco abaixo daquela que ela focava, por achar que ganharia mais em quantidade de venda, do que focando aquele segmento mais alto, classe A e B 1, que é mais restrito, no qual poderia ganhar mais com o preço, mas menos em quantidade total. E quando você foca um segmento mais popular, encontra predominância, ou uma grande proporção, de negros na população. E se você quer falar com esse segmento, o negro tem de se reconhecer também para poder se sentir atingido pela publicidade.
Então, a propaganda começou a colocar imagens de mulheres negras. Depois disso, começou a acontecer o que costuma acontecer em termos de programação com relação a qualquer coisa. Quando um anunciante foca um público determinado, o conteúdo da programação acaba se “contaminando” e criando um ambiente favorável à discussão daquele produto, procedimento ou comportamento. Se você tem como anunciante uma marca de cosméticos, tem de falar de beleza em algum momento ou mostrar pessoas bonitas. Então, negros e negras começaram a entrar na publicidade para depois entrarem na programação.
Isso é um avanço, por um lado. Mas, por outro, que tipo de negro e negra aparece na publicidade? São negros e negras que possuem um perfil bastante diferenciado, nariz mais afinado, cabelo mais cacheado, uma tez mais clara. Elas representam tão pouco a diversidade da mulher brasileira quanto a Gisele Bündchen representa a diversidade das mulheres brasileiras brancas. Está distante do modelo, muito distante. Justamente para servir do modelo pelo qual as pessoas tem de comprar produtos e procedimentos para se aproximarem cada vez mais dele, uma promessa de beleza e felicidade impossíveis.
Fonte: Revista Fórum