1964: a luta para não esquecermos!

Na semana em que o país lembra a passagem dos 49 anos do golpe de 1964, uma homenagem aos resistentes, democratas e patriotas, que corajosamente viveram a energia utópica de seu tempo e que compõem o seleto rol dos anistiados políticos brasileiros. Entre estes poucos que podem afirmar que foram agentes ativos da construção do sistema de liberdades vigente, destaque especial para o nome do meu pai, Glênio Sá, guerrilheiro do Araguaia.

Por Jana Sá*

Em 31 de março de 1964, a disputa entre dois projetos políticos para o Brasil teve seu desfecho com um golpe de Estado, que configurou-se em 1° de abril e que mergulhou nosso país numa longa noite anti-democrática, só clareada após 21 anos de interminável luta dos democratas e patriotas.

A violência contra as forças sociais que se posicionaram contra o golpe já iniciou-se no dia seguinte ao golpe e o chamado “terror de Estado” firmou-se como uma prática recorrente do regime militar com as perseguições, prisões, cassações e assassinatos dos seus opositores.

Na Ditadura Militar, a tortura tornou-se comum nos porões da ditadura, com a criação, nas Forças Armadas, de aparelhos especializados na repressão política, o surgimento de esquadrões da morte e a criação das PMs levaram a violência do Estado a aterrorizar a sociedade brasileira.

O resultado foi um Brasil com 1.069 mandatos populares cassados; 3.860 servidores públicos demitidos ou aposentados; cerca de 500 mil brasileiros presos ou detidos por motivação política; 10 mil cidadãos forçados ao exílio; 130 foram banidos; 200 mortos por tortura ou choques armados com as Forças de Repressão; 122 desaparecidos.

Esse era o trágico quadro da vida nacional, um relato do que foram os longos 21 anos de arbítrio, praticados sob a égide da mais esdrúxula legislação de exceção de que se tem notícia e da penosa luta das Forças Democráticas pela restauração do Estado de Direito. Diversos cidadãs e cidadãos brasileiros sofriam na própria pele a opressão política e o desrespeito aos mínimos padrões da dignidade humana.

Lembranças que contribuem não apenas para a compreensão do passado e das lutas e sonhos de toda uma geração que teve o seu projeto de vida interrompido pelo autoritarismo, mas também para a formação de uma identidade coletiva nacional e para a reflexão sobre o futuro que queremos: livre, democrático, com mais Direitos Humanos.

Abre-se para as novas gerações uma possibilidade de reflexão sobre o legado de violência do regime autoritário, permitindo que a política se configure como ferramenta imprescindível na formação de uma consciência crítica, que compreende a democracia como um processo que precisamos constantemente seguir construindo.

Após uma longa transição ao regime democrático, surgem, da parte do Estado redemocratizado, iniciativas como as Caravanas da Anistia, as exposições, os memoriais, a Comissão Nacional pela Verdade e a formação de comitês municipais e estaduais, que fazem parte do esforço de reconhecer o direito da sociedade brasileira de saber a inteira verdade sobre as agressões aos direitos humanos durante a ditadura militar. Os movimentos sociais e sindicais, além da própria sociedade civi passam a exigir o resgate da história.

Não obstante os avanços, o Brasil deverá dá continuidade ao processo histórico de consolidação da promoção e defesa dos Direitos Humanos, de maneira a assegurar a completa justiça de transição, que pressupõe quatro tarefas fundamentais, segundo a definição da Organização das Nações Unidas (ONU): a reforma das instituições para a democracia; o direito à memória e à verdade; o direito à reparação e o adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no passado.

Ainda há um grande caminho a ser percorrido para que o Brasil consiga examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.

O regime do medo que sustentava o passado não pode servir de desculpa no presente democrático.

*Jana Sá é jornalista