Amorim: 'Fui testemunha do esforço de Chávez para diversificar economia'

Neste momento em que se intensificam as análises sobre o legado do presidente venezuelano Hugo Chávez, morto na terça-feira (5), uma das críticas recorrentes, inclusive entre simpatizantes, é a dependência econômica do país em relação às exportações de petróleo.

Estima-se que a indústria petroleira da Venezuela seja responsável por um terço do Produto Interno Bruto (PIB) e responda por 80% da receita de exportações do país.

Segundo o ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim, que conviveu com o venezuelano desde 2003, quando assumiu o Ministério das Relações Exteriores do governo Lula, engana-se quem ache que Chávez não enxergava essa dependência e não tenha trabalhado para reduzi-la.

"Fui testemunha do esforço do presidente Chávez para diversificar a economia", disse Amorim à Carta Maior, por telefone, nesta quarta-feira (6). Segundo o ministro, até mesmo o governo brasileiro ajudou nessa direção. "Chávez buscou acordos com a ABDI, a Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial, que montou um escritório lá, e com a Embrapa", afirmou.

"A preocupação dele não era apenas fomentar a indústria, mas também a produção de alimentos", contou Amorim. O ministro disse que não tem dados no momento para dimensionar o resultado dessas iniciativas, mas admite que em um país com grande oferta de petróleo "tudo fica mais difícil, é natural que a economia se volte sempre para a commodity".

Liderança

De sua longa convivência com Hugo Chávez, Celso Amorim se recorda "de um grande líder apaixonado por suas ideias". Ideias como a do atendimento aos mais pobres e da integração da América Latina, esta parcialmente materializada pela criação da União das Nações Sul-americanas (Unasul), em 2008, um projeto ao qual Amorim se dedicou ativamente.

Das negociações para conformação da Unasul, para entrada da Venezuela no Mercosul e para outros projetos bi ou multilaterais, o ministro brasileiro relata “conversas difíceis” com Chávez, em que os chanceleres eram cobrados pelo ritmo "mais lento" das negociações.

"Ele dizia muitas vezes que o importante era o acordo político. Nesse momento, tentávamos mostrar as dificuldades, dar um choque de realidade. Há muita diversidade na América do Sul, alguns países buscam fazer políticas para a integração, outros acreditam que basta reduzir as tarifas que o problema está resolvido", explicou o ministro.

Mas isso não significa que Chávez não adotasse medidas pragmáticas quando necessário, conta Amorim. Diante da crise política no país entre 2002 e 2003, após a tentativa de golpe contra seu governo, o então presidente venezuelano aceitou a criação do Grupo de Amigos da Venezuela e permitiu a presença de observadores internacionais nas eleições.

"O presidente Lula estava iniciando seu mandato e foi necessário muito diálogo para que o Grupo de Amigos funcionasse. E Chávez reagiu positivamente à ideia", lembra o ministro. Eram momentos em que o mandatário venezuelano, apesar de sua personalidade assertiva, sobressaía-se pela "acuidade intelectual" e valorizava opiniões divergentes.

Amorim recorda-se de um episódio que comprovaria isso:

"A entrada da Venezuela no Mercosul foi um processo demorado, porque havia muitos detalhes para discutir, toda a questão da política comercial. Nas reuniões, Chávez reclamava da burocracia, dizia que o acordo político já estava fechado. Então eu pedi que ele escutasse uma história. Um rei na Grécia antiga queria aprender geometria e perguntou quem era o maior especialista no assunto. Responderam que era Euclides, que acabou convocado para a tarefa. Euclides, então, foi até o rei com uma pilha de livros repletos de postulados, axiomas e teoremas. Mas o rei disse que não estava interessado em tudo aquilo, que queria saber logo as conclusões. Então Euclides explicou: 'não existe estrada real na geometria'. Minutos depois Chávez foi interrompido por assessores para discutir um outro acordo comercial. Questionado sobre um item, afirmou ao assessor que ele já estava previsto em um dos artigos. Então olhou pra mim e disse: 'já estou aprendendo geometria'".

Fonte: Carta Maior