EUA deveriam suspender sanções contra Cuba, diz senador francês
Presidente do Senado desde 2011, Jean-Pierre Bel é o segundo personagem do Estado francês, segundo a Constituição. Amigo íntimo do Presidente da República, François Hollande, converteu-se no primeiro socialista que ocupa esse cargo no Senado durante a 5ª República. Domina o idioma espanhol e é um bom conhecedor da América Latina e, particularmente, de Cuba.
Por Salim Lamrani, no Opera Mundi
Publicado 04/03/2013 15:38
Nascido em 1951, no seio de uma família de resistentes comunistas do sul da França, Jean-Pierre Bel se envolveu a partir dos anos 1970 nas redes de solidariedade à oposição espanhola na luta contra a ditadura de Francisco Franco, acolhendo refugiados e fornecendo apoio material aos antifascistas. Durante uma dessas operações, foi preso pela polícia franquista e esteve vários meses nas prisões espanholas.
Eleito prefeito em 1983 e senador em 1998, Jean-Pierre Bel presidiu o grupo socialista do Senado de 2004 a 2011 e foi membro durante mais de 10 anos do Birô Nacional do Partido Socialista, antes de ser eleito o número dois da Nação. Jean-Pierre Bel é um ardente defensor de um estreitamento das relações entre França e América Latina, particularmente com Cuba, não apenas por razões políticas, mas também afetivas. Com efeito, admirador da Revolução Cubana desde a adolescência, o Presidente do Senado se casou com uma cubana e, dessa união, nasceu uma filha.
Na conversa, realizada na ilha, o Presidente do Senado aborda as relações entre Cuba e França, a política da União Europeia quanto ao governo de Raúl Castro, o conflito bilateral entre Washington e Havana, assim como as perspectivas de sua normalização durante o segundo mandato de Barack Obama. Ele evoca também a distinção por ele concedida a Eusebio Leal, historiador de Havana, que recebeu em nome do Presidente da República a Cruz de Comendador da Legião de Honra. Por fim, este diálogo termina com uma reflexão sobre a figura de Maximiliano Robespierre, herói da Revolução Francesa.
Opera Mundi: Em que estado se encontram as relações entre Cuba e França?
Jean-Pierre Bel: Em uma etapa crucial. Houve recentemente, ao final de janeiro, o encontro entre a União Europeia e a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos [Celac-UE] em Santiago, na qual os dirigentes de ambos os continentes puderam trocar pontos de vista e ideias sobre o futuro de nosso mundo e sobre o modelo de sociedade que queremos construir.
Cuba assumiu a presidência dessa instituição, a CELAC, que agrupa as 33 nações da América Latina e do Caribe, e este é um acontecimento muito importante. O primeiro-ministro francês, Jean-Marc Ayrault, estava em Santiago e posso afirmar que há uma vontade muito forte, por parte do nosso país, França, de aprofundar as relações com Cuba. Falei pessoalmente com o Presidente da República, François Hollande, e há uma verdadeira determinação de reforçar nossos laços com Havana.
Quais são os vínculos entre ambas as nações?
Os laços são múltiplos e são de ordem histórica e cultural. A Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão influenciaram muito os grandes pensadores cubanos, particularmente o Apóstolo e Herói Nacional José Martí. A Revolução Francesa também marcou a Revolução Cubana em sua luta pela independência. O hino nacional cubano, La Bayamesa, é inspirado diretamente em La Marsellesa (A Marselhesa) e há uma grande similaridade entre nossas bandeiras. Grandes personagens franceses participaram na organização deste país.
Para Havana, por exemplo, foi um arquiteto francês que realizou as grandes infraestruturas ao redor da capital. Franceses de Bordéus fundaram a cidade de Cienfuegos. Cuba é um país que sempre fascinou os franceses. A epopeia revolucionária de Fidel Castro marcou minha geração. Todos tínhamos a foto do Che Guevara em nossos quartos.
Mais que um símbolo, França e Cuba compartilham uma história comum. Nós temos, então, a responsabilidade, as gerações de hoje, de retomar essa história e fazer com que nossos dois países, nossos dois povos, recuperem uma amizade forte e fraternal.
E nos dias de hoje?
Hoje a época é outra e eu desejo, levando em conta meus laços particulares com Cuba, contribuir para voltar a encontrar essa via da amizade e compartilhar nossos pontos de vista. A França tem um papel a desempenhar em Cuba, e estão presentes aqui importantes empresas francesas, como, por exemplo, Bouygues, que está construindo vários complexos hoteleiros e tem muitos projetos nesta ilha.
Também está o magnífico casamento entre Cuba e França com a marca Havana Club e a empresa Pernod-Richard, que permite levar através do mundo a excelência cubana em matéria de rum. A Air France também ocupa um espaço importante em Cuba. Todos queremos aprofundar nossos laços com Cuba e desenvolver nossa cooperação. E, para isso, devemos respeitar o que é este país, sua identidade, seu sistema e seu modo de funcionar. Temos muita margem de progressão.
O que esta viagem a Cuba representa para o senhor?
Estou encarregado de levar esta mensagem de amizade e fraternidade da França a Cuba, e esta viagem tem uma dimensão emotiva particular para mim, pois minha segunda família se encontra neste país. Minha esposa é cubana e tenho este país no coração. Mas estou aqui como Presidente do Senado francês, isto é, como segunda figura da República para testemunhar a importância que meu país concede às relações e ao diálogo com Cuba.
A União Europeia impõe, desde 1966, uma Posição Comum a respeito de Cuba, oficialmente pela situação dos direitos humanos, o que faz da ilha a única nação do continente estigmatizada dessa forma. Seria sensato que a União Europeia modificasse seu enfoque em relação às autoridades cubanas?
Desde já a União Europeia tem que evoluir e, de fato, está modificando seu enfoque com relação a Cuba. A Posição Comum é uma política antiquada e a França quer se o interlocutor nessa realidade e convencer o restante da Europa de que o diálogo com Cuba é necessário. Somos conscientes das dificuldades, pois não temos a mesma visão sobre a realidade. Nossos sistemas políticos são diferentes. No entanto, somos lúcidos e sabemos tudo o que este país sofreu durante os últimos anos.
Para o povo cubano, a realidade tem sido dura. Às vezes, vivo com o povo cubano, compartilho de sua vida cotidiana e sempre me surpreende a sua capacidade para fazer frente às dificuldades, para viver melhor, para comer melhor, para ter mais comodidade. Mas se trata, sobretudo, de uma luta pela dignidade. Para nós, franceses, Cuba é terra de espíritos livres, é sinônimo de inteligência, dignidade e beleza. Sob essa perspectiva, nos sentimos muito próximos deste povo e destes valores que levamos juntos.
Os Estados Unidos impõem sanções econômicas a Cuba há mais de meio século. Afetam as categorias mais vulneráveis da sociedade. A imensa maioria da comunidade internacional, 186 países em 2012, se pronuncia a favor de seu fim imediato. Chegou o momento de Washington normalizar suas relações com Cuba?
Não quero me meter nas relações entre ambos os países, mas sim, tenho de expressar minha opinião. Diria que chegou o momento, mais do que nunca, de voltar a encontrar o sentido das realidades. Há apenas 170 quilômetros entre essas duas nações que, na sua história, sempre se olharam frente a frente. É tempo de que ambos os povos caminhem juntos, um ao lado do outro. Seria bom para todos deixar de lado as diferenças e olhar coletivamente o porvir com um olhar apaziguado. É tempo de acabar com as sanções econômicas que existem há 50 anos e fazem o povo cubano sofrer.
Em nome do Presidente da República francesa, François Hollande, o senhor acaba de condecorar Eusebio Leal, historiador da cidade de Havana, com a Cruz de Comendador da Legião de Honra. Trata-se da mais alta e antiga distinção que nossa nação outorga. Quais critérios motivaram essa decisão?
Eusebio Leal é para nós um grande personagem. Eu me reuni com ele várias vezes em Paris e em Havana e uma amizade e uma admiração fortes nos unem. Sempre me impressionou seu imenso talento, sua cultura incrível e sua insaciável curiosidade. Eusebio Leal tem a particularidade de conhecer nossa própria história melhor do que nós. Estudou-a com muita paixão, particularmente o período napoleônico.
Sempre me lembrarei de nosso encontro no Palácio de Luxemburgo, sede do Senado da República. Encontrávamo-nos diante do trono onde foi coroado o Imperador Napoleão e escutávamos as explicações de vários especialistas da época. Eusebio Leal, historiador de Havana, cubano, nos fez uma grande surpresa ao completar a exposição dos historiadores e esclarecer detalhes e aspectos que todos ignorávamos. De fato, em Cuba, em Havana, encontra-se um dos maiores museus do mundo sobre Napoleão, obra de Leal, e é de uma riqueza extraordinária. Foi inaugurado em 2011 com a presença da Princesa Napoleão.
Que valores Eusebio Leal representa para o senhor?
Eusebio Leal representa os valores da França, dos princípios de nossa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Compartilha da luta da França pela liberdade e a emancipação da humanidade, mediante a conquista de novos direitos sociais. Compartilha de nosso espírito de resistência e solidariedade para com os mais frágeis. É o laço entre a França de Victor Hugo e Aimé Césaire e a Cuba de José Martí. É o laço entre nossas duas culturas convergentes. Leal é, ao mesmo tempo, o símbolo dessa extraordinária cultura cubana, tão próxima de nós.
Eusebio Legal é um grandessíssimo embaixador de Cuba na França e no exterior, e creio que merece essa distinção particularmente importante. Poucas personalidades estrangeiras foram condecoradas com a Cruz de Comendador da Legião de Honra, estabelecida por Napoleão Bonaparte em 19 de maio de 1802. Que eu saiba, com exceção de Nelson Mandela, ninguém recebeu distinção semelhante.
Maximilien de Robespierre, nosso Libertador, o defensor da soberania popular, era sem dúvida o mais fiel representante das aspirações do povo francês durante a Revolução. Quando ergueremos uma estátua sua em Paris?
Muitos franceses se interessam pela história de Robespierre e, assim como em Cuba, temos na França nossos grandes debates. O modo como Robespierre levou nossa Revolução e as razões pelas quais foi guilhotinado em pleno período do Terror são objeto de controvérsia. É verdade que também existiu o terror branco dos realistas. Venho de um Departamento cujo presidente da Corte de Segurança Geral, na época do Terror, derrubou Robespierre e lhe cortou a cabeça.
Por acaso, defender o legado de Robespierre não é defender a democracia?
Convém analisar esses acontecimentos com um olhar histórico. As ideias da Revolução são minhas. O ideal de Robespierre é meu. Talvez compartilhe hoje da forma como se exerceu o poder naquela época. Mas hoje é outro dia, outra época, e é difícil fazer julgamentos a posteriori, pois não vivemos na epopeia revolucionária, e quem sabe como teríamos atuado se estivéssemos no poder e tivéssemos que enfrentar uma guerra civil e o assalto de todas as monarquias europeias coligadas contra nossa Pátria e nossa Revolução. Posso fazer um julgamento histórico, certamente, mas não um julgamento político.
*Salim Lamrani é doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidad Paris Sorbonne-Paris IV. Professor nas Universidades Paris-Sorbonne-Paris IV e Paris-Est Marne-la-Vallée. Jornalista, especialista sobre relações entre Cuba e Estados Unidos.