Biodiversidade e qualidade de vida no interior do México
Os habitantes de San Crisanto, um ejido (campo comum) em uma zona idílica do estado mexicano de Yucatán, aprenderam o valor dos recursos naturais, e cuidando deles geram empregos e ganham dinheiro. A iniciativa, que combina ecoturismo e outras atividades produtivas, é um modelo para outras comunidades localizadas ao longo da costa mexicana do Mar do Caribe, rica em diversidade biológica e exposta aos imprevistos meteorológicos.
Por Emilio Godoy*
Publicado 04/03/2013 13:17
O visitante pode percorrer em lancha as vias aquáticas, nadar cenotes (olhos de água doce e cristalina), caçar, se hospedar em cabanas ecológicas e comprar artesanato e alimentos elaborados a partir do coco. Em 2012, receberam 12 mil visitantes, embora sua capacidade seja para 50 mil, segundo os moradores do lugar. Além disso, “se trabalha muito na educação. A maioria das pessoas tem consciência da importância de cuidar dos recursos. Cuidamos em razão da mudança climática, diante dos furacões”, contou ao Terramérica Reyes Cetz, de 44 anos e um dos 35 camponeses que compartilham a área.
A ciência não pode determinar se furacões muito fortes e destrutivos ocorridos nos últimos anos podem ser atribuídos à mudança climática, mas é muito provável que o aquecimento da atmosfera incida na intensidade e frequência de eventos extremos. Em 1995, os furacões Opal e Roxanne arruinaram os mangues de San Crisanto, 1.400 quilômetros a sudeste da capital do México.
Inicialmente, os moradores se organizaram para reduzir os danos, e depois para fortalecer o ecossistema, traçando canais de água para que esta flua livremente. “Os mangues se refizeram rapidamente, porque as correntes hídricas transportaram os nutrientes. Havendo mais mangues, há mais aves, peixes e crocodilos”, afirma José Loria, de 56 anos e diretor de operação do ejido, que em 2001 criou a Fundação San Crisanto.
O ejido é um sistema pré-colombiano, restabelecido na década de 1930, que se baseia na posse e exploração comum de terras públicas. O de San Crisanto começou em 1957, quando um grupo de camponeses solicitou ao governo estadual terras para plantar coco. A autorização só chegou em 1973. A comunidade possui 850 hectares de mangues e outros cem de coqueirais, nos quais desenvolve, além de ecoturismo, agricultura, artesanato e extração de sal.
Geração de renda
Agora “nos dedicamos a vender paisagem. Criamos um aparato corporativo para aproveitar os recursos. Aqui não combatemos a pobreza, melhoramos a qualidade de vida”, detalhou Loria. A renda média de cada membro do ejido é de US$ 6 mil, proveniente do ecoturismo, da extração de sal e do pagamento por serviços ambientais, como reflorestamento e proteção do mangue. E as atividades dão emprego a 300 pessoas.
“Nestes meses (entre fevereiro e maio) nos concentramos em extrair sal e nos preparamos para atender o turista”, explicou Cetz. Este ano já obtiveram 250 toneladas que o ejido vende a US$ 39 a unidade. Desde 2001, foram restaurados 11.300 metros de canais e 45 cenotes alimentados por fluxos subterrâneos. Há menos perigo de inundação e as espécies endêmicas se multiplicaram. A região de San Crisanto, de 570 habitantes, está exposta a furacões e ondas devido à elevação do nível do mar. Por isto, é urgente uma adaptação às variações meteorológicas.
Entretanto, Yucatán, vulnerável a estes problemas e muito estudado pelos cientistas, ainda não tem um plano para enfrentar a mudança climática. O México perde 10 mil hectares de mangues ao ano. No momento, subsistem mais de 770 hectares destes complexos sistemas costeiros, segundo a Comissão Nacional para o Conhecimento e Uso da Biodiversidade. Mantido o ritmo de destruição, em 2025 Yucatán terá perdido quase 30% dos mangues que tinha em 2010, prevê o Instituto Nacional de Ecologia e Mudança Climática.
Os mangues, formados por várias espécies de árvores adaptadas a terrenos inundados e salobres, abrigam grande quantidade de fauna, têm uma função purificadora da água e protegem as costas de ondas, furacões, e da natural erosão marinha. Em seu crescimento podem absorver grandes volumes de dióxido de carbono. Sua destruição se deve à urbanização e à expansão do turismo, em particular o setor hoteleiro. Outros fatores são a fragmentação da superfície e os conteúdos contaminantes – fertilizantes, pesticidas e esgoto – que vão para rios, riachos e canais que chegam até eles.
Nesta região “há dois elementos fundamentais” a se proteger, “a barreira de arrecifes costeiros e os mangues”, afirmou o diretor-executivo do não governamental Fundo Mexicano para a Conservação da Natureza, Lorenzo Rosenzweig. “O melhor negócio para proteger a costa é proteger os mangues”, destacou em entrevista ao Terramérica.
A entidade participou da criação do Fundo para o Sistema de Arrecifes Mesoamericano, delineado em 2004 para cuidar desses ecossistemas marinhos no México, Belize, Guatemala e Honduras, e elaborou, entre 2009 e 2012, programas de adaptação em quatro complexos naturais do sudeste mexicano, entre eles o Caribe. Os êxitos de San Crisanto atraíram a atenção nacional e internacional. Em 2010, o projeto recebeu do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) o Prêmio Equatorial bianual, e no ano seguinte ganhou o Prêmio Nacional de Mérito Florestal.
Além disso, foi objeto do estudo Camponeses-pescadores de Yucatán: uso da biodiversidade e apropriação de recursos naturais costeiros, publicado em 2010 por Luis Arias e Salvador Montiel, do Centro de Pesquisas e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional. Esse estudo identificou 144 espécies aproveitadas em San Crisanto e constatou que o ecoturismo se tornava a atividade dominante, por seu sucesso econômico.
O plano estratégico 2009-2029 do ejido intensificará essa tendência. “Nos vemos como uma comunidade que vive do turismo”, ressaltou Loria. “Temos que diversificar e elaborar melhor os produtos, para chegar a um mercado de massa”, acrescentou, alertando que, “se o mangue desaparecer, adeus San Crisanto”.
*Emilio Godoy é correspondente da IPS, enviado especial.
Fonte: Envolverde/Terramérica