Campelo Costa: Defender o Cocó por uma Fortaleza digna
Devemos priorizar e privilegiar a preservação, ampliação e regulamentação do Parque do Cocó e as iniciativas que promovam seu uso como lugar de recreio, turismo e lazer para Fortaleza, um marco atual do nosso patrimônio ambiental
Publicado 26/02/2013 17:51 | Editado 04/03/2020 16:28
Quem acompanhou o crescimento e a expansão de Fortaleza assistiu ao formidável impacto das transformações ocorridas por aqui nas quatro últimas décadas.
Entre as principais evidências, afirma-se que tais mudanças ocorreram (1) pelo êxodo ocasionado pela concentração da propriedade fundiária, pela destruição da agricultura e pelo inadequado tratamento do Estado à questão da seca e variações climáticas: e (2) pela concentração das terras urbanas, sua ausência de finalidade social, seu tratamento especulativo como “reservas de engorda”, pela pressão do capital imobiliário e dos interesses privados acerca do seu aproveitamento.
Nessas condições, a demanda do mercado por novas unidades habitacionais não pode prevalecer como princípio e essencial argumento para justificar a edificação de prédios — que nem sempre apresentam boa qualidade —, gerando distorções à expansão da malha urbana. Esse tipo de ação pauta de modo indevido e socialmente ilegítimo o Direito à Cidade sem vínculos com os postulados do Estatuto da Cidade, de um Plano Diretor democraticamente estabelecido e que ofereça à sociedade um justo e ordenado uso social e espacial de elevada finalidade coletiva.
Os prejuízos há tempo são visíveis, destacando-se: a ausência de espaços públicos, crescimento indesejável dos índices de adensamento, de ocupação e impermeabilização do solo, perda da cobertura vegetal e outros aspectos que decorrem da ocupação das bacias fluviais, a exemplo do espaço dos rios como o Cocó e o Ceará-Maranguapinho — um fenômeno típico das capitais brasileiras em cada geografia específica. Além da absurda verticalização de qualquer pedaço desse chão em uma cidade outrora tão encantadora, assiste-se ao lento sufocar de valores simbólicos importantes, o desaparecimento de marcos referenciais significativos para a memória da cidade e, por fim, a gradual perda de sua identidade.
Hoje Fortaleza, à exceção de poucos locais, assemelha-se a qualquer cidade não planificada do mundo em sua aparência e superfície. Uma cidade que pertence ao seu povo deve dispor, além de um tratamento justo no plano da oferta e expansão habitacional, de praças, parques e jardins consagrados como lugares de encontros, de permanência e de troca. Neste espaço qualificado deve ser contemplado o aspecto da concentração das atividades múltiplas e devem se constituir em remansos paisagísticos efetivamente belos e democráticos.
Claro que a paisagem e o urbanismo isoladamente não respondem pelas transformações de uma cidade. Ainda assim, representam pontos fortalecidos e significativos de uma ecologia social e econômica. Integram-se à vida na cidade, tanto pela via das inovações formais, quanto no papel humanizado de espaços diversificados, públicos e generosos — os quais estabelecem , adotam e valorizam marcos visuais fundamentais para a qualidade da paisagem e se enquadram numa mesma visão de conjunto, atenta às demandas sociais mais urgentes da vida civilizada: a defesa do patrimônio ambiental.
No meio dessa desarrumação feroz da vida urbana fortalezense é que se insere nosso articulado propósito de defender e preservar na sua totalidade o Parque Ecológico do Cocó, o primeiro de Fortaleza enquanto marco histórico conquistado.
Um equivoco das gestões municipais admitiu que a cidade deveria se desenvolver espontaneamente com a supremacia dos empreendimentos privados, com operações imobiliárias que se concentram nos eixos territoriais onde o retorno do investimento é mais garantido. Com essa política, o interesse público subordinou-se aos interesses unicamente alinhados à pauta dos negócios imobiliários lucrativos. Em consequência dessa política, a cidade passou a acumular conflitos sob a gestão privada e a acumular contradições com o equilíbrio necessário às expectativas de todas as pessoas — e independente de sua condição social.
Se a parceria do município com a iniciativa privada é uma necessidade posta pelo poder público municipal para potencializar seu desenvolvimento, por outro lado, privilegiar somente projetos privados, sem planejamento e amplo debate, condena Fortaleza a tornar-se refém do impacto do seu crescimento “espontâneo” decidido apenas segundo interesses particulares. Nenhum projeto deve, desse modo, se impor ao planejamento da cidade, posto que implica na quebra de hierarquia e responsabilidade dos órgãos públicos no disciplinamento e proteção ao patrimônio coletivo. Sob a livre hegemonia dos negócios imobiliários a cidade fica à mercê dos previsíveis impactos resultantes.
Por outro lado, a política pública vigente no país, configurou em Fortaleza outra hegemonia: a da prevalência dos meios exclusivos de mobilidade, de uso pessoal ou familiar, sobre o transporte público de qualidade, favorecendo o individualismo e a exclusão social, desestimulando ainda o uso social do espaço público e favorecendo a degradação dos seus componentes, a exemplo das calçadas e do mobiliário urbano. Além disso, facilitou a violência pela falta de usos que promovam a ocupação, preservação e vitalidade do espaço construido. A degradação do espaço urbano, com sua configuração de muros altos, portões e guaritas, determinam comportamentos sociais pautados pelo medo e a insegurança. Esta é a arquitetura que prevalece na cidade até hoje.
Enfim, reforça-se a necessidade de revigorarmos e apoiarmos criteriosamente, em conjunto com os urbanistas, ambientalistas, a pertinência dos movimentos ecológicos e sociais historicamente protagonistas das grandes lutas em defesa de um projeto democrático para Fortaleza: o IAB, o CREA, a Federação das Associações de Bairros e Favelas de Fortaleza, entidades não governamentais sucedâneas da Socema (Sociedade Cearense de Defesa do Meio Ambiente), entre outras.
Um projeto de cidade voltado para o fomento à qualidade das ações do planejamento urbano como instrumento essencial de gestão de nossa cidade, exige uma postura nova e diferenciada do atual governo municipal. Esta postura deve sinalizar efetivamente para uma mudança de paradigma quanto às gestões passadas, mediante a efetiva implantação do planejamento como prioridade deste governo — que deve se colocar à disposição da sociedade para somar solidariamente com as suas iniciativas inclusive no plano judicial contra os pareceres obscuros precedentes, favoráveis à especulação imobiliária.
Neste projeto de cidade devemos priorizar e privilegiar a preservação, ampliação e regulamentação do Parque do Cocó e as iniciativas que promovam seu uso como lugar de recreio, turismo e lazer para Fortaleza, um marco atual do nosso patrimônio ambiental.
Antonio Carlos Campelo Costa Júnior é suplente de vereador (PCdoB)
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