Equador: forças progressistas avançam no rumo correto

Rafael Correa obtém 56,67 %, enquanto Guillermo Lasso, seu principal concorrente de direita, tem 22,97%. O ex-presidente Lucio Gutiérrez obtém 6,85%; Mauricio Rodas, 4,00 %; Álvaro Noboa, 3,68%; Alberto Acosta, dissidente de esquerda, 3,30%; Norman Wray, 1,35% e Nelson Zavala, 1,19%.

Quanto à Assembleia Nacional, com mais de 80% dos votos apurados, a Aliança País tem asseguradas 91 das 137 cadeiras do parlamento unicameral (66,42%). Faltam escrutinar seis cadeiras relativas a equatorianos que vivem no exterior, das quais Aliança País alcançará pelo menos quatro, perfazendo 95 assentos (69,34%), expressiva maioria qualificada.

Em relação às eleições de 2009, Correa cresceu seis pontos percentuais, desmentindo a tese da ‘fadiga de material’. Seu partido, de minoria relativa, alcança agora a maioria absoluta. Correa e Aliança País ganharam nas quatro regiões do Equador – costa, serra, floresta e Galápagos.

Vale ressaltar que as eleições foram transparentes, limpas e democráticas, fato comprovado por 320 observadores internacionais convidados pelo Conselho Nacional Eleitoral do país, que em seus relatórios apresentaram sugestões que não comprometem o caráter de lisura do pleito.

Sintomaticamente, as análises e consequências desta consagradora eleição de Rafael Correa e de seu partido desapareceram de golpe das páginas da nossa grande imprensa como se fosse um fato irrelevante. Ela omite aos seus leitores que, nos seis anos que já cumpriu no cargo, Rafael Correa, de 48 anos, alavancou ambiciosos projetos de infraestrutura – estradas, aeroportos (acaba de ser inaugurado um moderno aeroporto internacional da cidade de Quito), portos, hidrelétricas – a par de importantes investimentos em educação e saúde, na construção de escolas e hospitais.

Ao mesmo tempo, tirou da pobreza milhões de equatorianos com um amplo programa de transferência de renda. O PIB cresceu, em média, de 4,5 a 5% anuais. A oligarquia que não costumava pagar impostos foi obrigada a fazê-lo, o que alimentou o tesouro nacional, apesar da carga tributária situar-se em níveis inferiores a 20%.

O motivo pelo qual Correa foi reeleito com larga margem é que seu governo promoveu progresso social. O povo não tinha, há muitos anos, nada semelhante ao que tem hoje: desemprego em níveis baixíssimos, redução acentuada dos níveis de pobreza, aumento forte nos investimentos em educação pública.

A principal razão para o apoio popular é a ênfase no atendimento às necessidades do povo, mais do que a qualquer interesse privado. Em vez de governar com “austeridade”, em obediência aos ditames das instituições financeiras e grandes corporações, o governo Correa investe em infraestrutura e em educação, fiscalizando de perto a aplicação dos orçamentos públicos.

Em entrevista coletiva concedida logo após a confirmação, por contagem rápida, de sua vitória, o presidente declarou enfaticamente que o primeiro que faria seria promover o desbloqueio de leis fundamentais que estavam “dormindo o sono dos justos” nas gavetas da Assembleia por anos a fio, como a de Águas, de Terra, o novo Código Penal e a Lei da Comunicação. Simultaneamente, a fim de manter as altas taxas de crescimento, vai estimular investimentos públicos ou privados internacionais, como do Catar em uma grande refinaria, ou da brasileira Odebrecht para as obras da Central Hidrelétrica de Manduriacu.

Quando foi suscitado que seria, devido à doença de Hugo Chávez, o novo líder da região, Correa respondeu que tanto ele como Evo Morales, Cristina Kirchner, Dilma Rousseff, José Mujica, líderes neste momento do processo de mudança histórica na América Latina, não buscam poder para si mesmos, querem tudo para o povo que representam, estando onde o povo mais precisa deles, como qualquer operário ou camponês que constrói a pátria todos os dias.

A mais largo prazo, trata-se de consolidar a nova instituição e o papel do Estado. Na América Latina, as elites dominantes nunca foram progressistas, trabalhando para o bem comum. Apropriaram-se dos frutos do progresso técnico, excluindo as grandes maiorias.

A Revolução Cidadã implica, basicamente, mudar essa relação de poderes com vistas a atender os cidadãos, mirando as imensas maiorias, tratando precipuamente do ser humano e não só do capital. Implica fundar um Estado popular, forte, que represente todos os cidadãos.

A vitória de Rafael Correa é passo importante para tornar irreversíveis essas mudanças em nossa região e para que os cidadãos definam, soberanamente, seu destino, sem que este seja ditado pelo capital financeiro, os grandes meios de comunicação, países estrangeiros hegemônicos ou burocracias internacionais como o FMI ou Banco Mundial.

Pode-se observar em cada um dos países governados hoje por governos progressistas, a mudança de mentalidade das pessoas, mais importante que as grandes obras. Durante muito, muito tempo, nossos povos foram tão castigados, excluídos e oprimidos, que a esperança deixou de frequentar a vida das pessoas pobres.

A grande mudança é a volta da autoestima. As pessoas estão motivadas, orgulhosas do que se faz em sua terra, sentem-se representadas pelo governo, recuperaram a autoconfiança. Este é o fator essencial para seguir adiante. E que todos aqueles que ascenderam às classes sociais mais altas possam entender, por meio da educação, da informação veraz, da ação política e partidária, quais são os seus verdadeiros aliados.

Rafael Correa dedica capítulo especial à comunicação. Compromete-se publicamente a levar a Assembleia Nacional a aprovar e pôr em vigência a Lei da Comunicação, estimular novas tecnologias e incluir mais setores na configuração de um novo e diferente sistema nacional de educação, consolidar os meios de comunicação públicos como espaços de participação da cidadania, democratizar o espaço eletroeletrônico e colocar a comunicação como tema prioritário.

A grande imprensa local, propriedade de seis famílias, tinha se tornado um ator político acostumado a dominar de modo quase monopólico a agenda pública, arquitetando golpes, depondo presidentes, impondo outros. Recebia, e recebe, apoio de atores internacionais como o grupo Prisa da Espanha, CNN, Repórteres Sem Fronteiras, Sociedade Internacional de Imprensa, agências de notícias, agências financeiras como a Usaid e a Ned, que financiam Ongs internas que elaboram informes a seu talante sobre o valor da liberdade de expressão, formulam alertas e acusam governos em âmbitos internacionais. Por este trabalho, não só recebem dinheiro como apoio político e diplomático, que se expressa em prêmios e reconhecimentos. Mas esses meios de comunicação encontraram um presidente capaz de disputar a opinião pública e de utilizar a tecnologia moderna a fim de atingir amplos setores da população e levar a cabo diante deles, livre e diretamente, a batalha de ideias.

O embate político no Equador deixa-nos uma importante lição. A batalha de ideias precisa ser travada com inteligência, respeitando as posições políticas contrárias, mas com firmeza e, sempre que necessário, com contundência.

Finalmente, uma palavra sobre o Equador: 14,5 milhões de habitantes, extensão geográfica similar à do Estado de São Paulo, povo acolhedor. Quito, uma cidade histórica, exemplarmente limpa. Guayaquil, a maior do país, moderna. Boas estradas que se espalham pelo território. Tem tudo para ser uma estrela luminosa em nosso continente.


*Max Altman é Observador Eleitoral Internacional e membro do Coletivo da Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores

** texto publicado em 22/02/2013