Fachada de prédio ocupado no centro de São Paulo ganha reforma
A fachada do prédio no número 342 da rua Mauá era cinza, suja e pichada. Até o final ano passado, ainda era marcada pelo abandono que o edifício sofreu no final da década de 1990, quando o antigo hotel Santos Dumont fechou e o edifício foi largado pelos proprietários. A frente do prédio hoje está pintada de vermelho e branco. Chama atenção em meio às lojas espremidas ao lado da estação da Luz, região central de São Paulo, mas negligenciada até então.
Publicado 05/02/2013 15:28
Fachada do prédio em março do ano passado (esquerda) e neste ano (direita). Foto: Projeto Mauá 340 / Piero Locatelli
A frente do prédio é parte de uma mudança maior que ocorre no local. Sem ajuda do poder público, os sem teto estão reformando o edifício e deixando-o melhor para os cerca de mil moradores que ocupam o prédio. O local começou a passar por mudanças no ano passado com o auxílio de estudantes da USP (Universidade de São Paulo) participantes do Projeto Mauá 340.
A reforma do quadro de luz foi a primeira delas. Velho e desorganizado, oferecia risco de incêndio ao prédio. O problema foi diagnosticado em um relatório feito pelos estudantes e publicado na internet. Os advogados do proprietário levaram a situação à Polícia Militar, argumentando que as famílias deveriam sair do local devido ao perigo de incêndio. “Aquilo serviu de lição para a gente arrumar. Trouxemos dois profissionais que entendem e conseguimos mudar o quadro. Hoje, o perigo é bem menor,” conta Ivaneti Araújo, líder da ocupação.
A fachada ganhou uma cara nova no final do ano passado, quando foi pintada por moradores com o dinheiro arrecadado dentro da ocupação. Agora, os sem teto estão fazendo uma reforma hidráulica. Os antigos canos metálicos estão sendo trocados por modelos mais novos. A mudança deve acabar com os vazamentos e permitir uma nova pintura para a parte interna do prédio, que ainda tem o antigo visual de abandono.
Risco de despejo. As reformas foram feitas mesmo com o risco iminente de despejo. Três reintegrações de posse foram marcadas enquanto o trabalho era desenvolvido no ano passado. “Era uma sensação de que iria tudo por terra a qualquer momento”, disse Felipe Zveibil, recém-formado engenheiro civil pela USP.
O proprietário pediu a reintegração pela primeira vez pouco antes da ocupação, ocorrida em 2007, completar cinco anos. Sem a certeza de que continuariam no local no dia seguinte, os moradores continuaram a reforma enquanto a disputa judicial se alongava. “É para quebrar esse tabu que sem teto é um bando de vagabundo, que não quer nada com a vida. Aqui não. Aqui têm famílias, pessoas legais, trabalhadoras. Vale a pena lutar por elas e com elas,” diz Ivaneti.
Ela conta que o trabalho melhorou a autoestima dos moradores. “Quando as coisas foram acontecendo, a maioria das famílias falava algo como: ‘poxa vida, lá na rua José Paulino estão comentando que os sem teto compraram aquele prédio’. Isso significa que o trabalhador de baixa renda pode morar no centro. Essa coisa de querer nos empurrar para fora daqui porque não cuidamos de onde vivemos está errada”.
Além das reformas pontuais no local, os sem teto pedem uma mudança mais perene no edifício, que não pode ser feita por conta própria. Eles querem a sua desapropriação e a inclusão no programa de habitação Minha Casa, Minha Vida. Atualmente, o edifício acumula dividas de IPTU superiores a 2,6 milhões de reais.
Os estudantes desenvolveram um projeto que está servindo como base das reivindicações. Pela estimativa deles, a reforma custaria 4,5 milhões de reais, com mudanças no edifício que permitiriam a inclusão no programa de habitação.
Com o prédio reformado, restariam 160 unidades, um número menor que as 237 famílias do local. Os sem tetos demandam que os apartamentos sejam direcionados aos moradores e que os outros sejam incluídos em programas da prefeitura. ”Vamos fazer um trabalho todo para que elas saiam com a garantia de volta”, diz Ivaneti.
Desta forma, os moradores têm a possibilidade de ficar em um local próximo à oferta de empregos, transporte e comércio, em vez de se isolarem em algum conjunto habitacional na periferia da cidade.
A postura da prefeitura sobre a ocupação ainda não está definida. O secretário de habitação José Floriano já se encontrou com os líderes da ocupação e pediu um levantamento das demandas. A secretaria, porém, ainda não definiu se deve desapropriar o prédio. Até lá, os sem teto prometem agir por conta própria.
Fonte: Carta Capital