Intervenção no Mali leva guerra e mortes à Argélia
A intervenção militar francesa no Mali decidida há uma semana pelo presidente socialista François Hollande com o pretexto de combater o terrorismo e impedir o avanço dos grupos islâmicos para as regiões do Sul tropeçou em um desenlace dramático: um grupo islâmico que se reivindica com um braço da Al Qaeda proveniente do norte do Mali atacou uma planta de gás situada na localidade argelina de Amenas, ao sudeste do país e perto da fronteira com a Líbia.
Por Eduardo Febbro, em Carta Maior
Publicado 18/01/2013 10:20
O comando da Aqmi (Al Qaeda no Magreb islâmico) sequestrou 41 pessoas, em sua maioria estrangeiros – norteamericanos (71), franceses (2), noruegueses (13) e japoneses – e reteve dentro da planta mais de 600 empregados argelinos.
O assalto inicial à planta de gás explorada pela companhia nacional Sonatrach, juntamente com a britânica British Petroleum e a norueguesa Statoil deixou um saldo de mortos, um britânico e um argelino. Mas 24 horas depois da operação lançada pelos homens da Aqmi, o exército argelino agiu para libertar os reféns. As informações sobre o saldo de vítimas ainda são confusas: a imprensa argelina fala da morte de 14 ou 49 pessoas, entre reféns e sequestradores. As agências internacionais falam de seis reféns e oito jihadistas mortos, mas a agência árabe ANI e o canal Al Jazeera asseguram que há 34 reféns mortos e 15 sequestradores. Seja como for, o governo argelino reconheceu que havia vítimas entre os reféns.
A operação montada pelos integrantes da Al Qaeda no Magreb islâmico está ligada à intervenção militar francesa no Mali realizada a partir de uma leitura muito parcial da resolução 2085 do Conselho de Segurança das Nações Unidas que no dia 21 de setembro de 2012 aprovou o deslocamento de uma força da União Africana (UA). Um dos homens que participou da operação afirmou que ela foi realizada em represália contra a intervenção francesa no Mali. Os membros do comando disseram que pertenciam à brigada “Jaled Aboul Abbas, Mokhtar Belmokhtar”. Apelidado de “o Caolho”, ele é um dos chefes históricos da Al Qaeda no Magreb islâmico e introdutor desta célula no norte do Mali. Um diário argelino, El Watan, revelou que os terroristas pertenciam ao grupo de Moulathamine, “os signatários com sangue”, em cuja liderança está Mokhtar Belmokhta. O comando islâmico exigiu em um comunicado o fim dos ataques franceses no norte do Mali.
Este episódio ocorre no momento em que a França mudou sua estratégia de intervenção no Mali. As tropas francesas, um total de 2.500 homens, ou seja, mais do que as que estavam mobilizadas no Afeganistão, começaram a combater corpo a corpo com os islâmicos que tentam dominar as cidades do sul de Mali. A configuração desta guerra decidida pelo presidente socialista François Hollande mudou imediatamente com a permeável leitura que Paris fez da resolução 2085 do Conselho de Segurança da ONU. O Conselho não autorizou de modo algum a intervenção direta de um país ocidental e, menos ainda, com tropas em terra. A resolução só fala de um apoio logístico da Europa, mas não a participação de tropas.
Informações coincidentes dão conta da férrea resistência que os soldados franceses estão encontrando. Apesar dos bombardeios com aviões Mirage, as tropas da França e do Mali ainda não conseguiram retomar o controle da cidade de Koma, que estava em mãos da coalizão de três grupos islâmicos que se aliaram em seu avanço na direção do sul desde o golpe de Estado perpetrado em março. Estes grupos são o Movimento para unidade da jihad na África Ocidental (Mujao), Al Qaeda no Magreb islâmico (Aqmi) e Ansar Eddine.
O ministro francês da Defesa, Jean-Yves Le Drian, admitiu que a guerra será longa. Drian revelou que os grupos islâmicos contam com cerca de 1.200 homens no centro do país, A eles devem se somar os reforços provenientes das células islâmicas que são abundantes na vasta zona saariana onde a Aqmi tem um controle total. Trata-se de um território que vai desde a Mauritânia (oeste) até a Líbia (leste), e desde a Nigéria (sul) até Argélia e Tunísia. A França enfrenta um adversário complexo e muito bem armado. Os jihadistas contam com um poderoso arsenal proveniente da guerra ocidental que destronou o presidente líbio Muhamar Kadafi.
Muitos dos combatentes que a França enfrenta hoje trabalharam como mercenários a serviço de Kadafi. O grupo que realizou o ataque na Argélia sequestrou em 2009 três catalães e um italiano.
A escolha da Argélia com alvo também se explica pela solidariedade que Argel manifestou com Paris a propósito da intervenção militar no Mali. Em sinal de apoio, a Argélia anunciou que fecharia sua fronteira com o Mali para impedir que os grupos islâmicos se refugiassem na Argélia. Tarde demais. A guerra parece encantar as opiniões públicas ocidentais, sobretudo quando o alvo são muçulmanos ou islâmicos. Cerca de 75% da opinião pública mundial respalda a decisão do presidente socialista de entrar no conflito de Mali. Agora, porém, com esse sequestro coletivo e a quantidade de mortos que deixou a operação para libertá-los o conflito adquire uma dimensão muito mais internacional e imprevisível. A mensagem já é conhecida: o Ocidente sempre repete a mesma coisa toda vez que suas tropas ocupam um território estrangeiro. O terrorismo é a panaceia de todas as aventuras militares das potências coloniais.
O governo socialista agiu do mesmo modo que o ex-presidente conservador Nicolas Sarkozy com a resolução 1373 que autorizou em 2011 o emprego da força na Líbia, ou seja, interpreta as resoluções como bem entende. São as tropas e os aviões franceses que lutam agora no terreno em apoio ao derrotado exército de Mali. Neste sentido, a França intervém fora do marco da resolução da ONU, mesmo que as autoridades aleguem que o governo interino do Mali pediu a intervenção expressa de Paris.
Os paradoxos se somam em uma infinita rede de contradições. Fontes do ministério francês da Defesa citadas pelo semanário Le Nouvel Observateur admitiram sua surpresa com o poderoso arsenal em posse dos grupos islâmicos. As peças terminam por se juntar. Sarkozy utilizou a resolução das Nações Unidas para caçar Kadafi. O regime líbio caiu e é, grande parte, dessa derrubada que provem as armas que são utilizadas hoje pelos jihadistas do norte do Mali.